Edital da Licitação de 5G – XI - Consequências da Decisão Final do Tribunal de Contas da União (TCU)


Edital da Licitação de 5G – XI - Consequências da Decisão Final do Tribunal de Contas da União (TCU)


No Brasil, avança o processo liderado pela Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”) que leiloará radiofrequências nas bandas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz, fixando importantes contornos para a implementação de redes de telefonia móvel com tecnologia de 5ª geração (“5G”) no país e o aumento da conectividade no território brasileiro.

A data em que o leilão será realizado permanece pendente de confirmação, muito embora exista a expectativa de que possa ocorrer no próximo mês de outubro.

A redação do edital do certame somente será considerada definitiva no momento de sua publicação oficial, mas o estabelecimento de diversos de seus aspectos dependia, em parte, da avaliação do Tribunal de Contas da União (“TCU”) acerca da minuta que havia sido aprovada pela ANATEL no primeiro semestre deste ano.

Para possibilitar a devida consideração por parte dos Ministros do TCU, a Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Hídrica, Comunicações e Mineração (“SeinfraCOM”) deste Tribunal conduziu uma extensiva análise técnica da redação aprovada, bem como de seus documentos de base, expondo, a final, seu entendimento de que seriam necessários diversos ajustes. Houve também manifestação do Ministério Público junto ao TCU baseada nos documentos disponíveis, que posteriormente foram encaminhados ao Ministro Relator do processo, Raimundo Carreiro, para apreciação e elaboração de voto. 

O Voto do Relator foi apresentado aos demais Ministros em sessão plenária havida em 18 de agosto. Nesta mesma ocasião, houve pedido de vistas por parte do Ministro Aroldo Cedraz, alegando a necessidade de avaliar determinados apontamentos da SeinfraCOM como, por exemplo, a precificação da faixa de 3,5 GHz.

Apesar das exposições trazidas pelo Ministro Cedraz, seu voto foi vencido em nova sessão plenária do TCU realizada em 25 de agosto para finalização do julgamento do processo. Sete Ministros acompanharam o voto do Ministro Relator, resultando na aprovação do Acórdão nº 2032/2021. 

Em seu voto, o Relator concordou com alguns dos entendimentos da SeinfraCOM, muito embora tenha divergido a respeito de outros pontos relevantes, mantendo, por exemplo, as obrigações de implantação da Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal (“Rede Privativa”) e do Programa Amazônia Integrada e Sustentável (“PAIS”), incluídas no âmbito da faixa de 3,5 GHz. 

A respeito da Rede Privativa (composta por rede móvel, limitada ao território do Distrito Federal, e rede fixa complementar à rede governamental já existente, para atendimento aos órgãos públicos federais) e do PAIS (que objetiva a instalação de fibras ópticas sob o leito de rios), o posicionamento da SeinfraCOM foi no sentido de que os respectivos itens deveriam ser excluídos do âmbito do edital por implicarem em irregularidades e ilegalidades. Por exemplo, nestes casos haveria violação da Lei Geral de Telecomunicações (“LGT”); do dever constitucional e legal de licitação para a aquisição de bens e serviços; ausência de definições sobre as garantias de execução, sanções, características e especificações mínimas (incluindo, no caso do PAIS, especificação insuficiente de infovias e cidades a serem atendidas, de detalhamento sobre características de fibra, quilometragem, além de outros itens), de definição do instrumento jurídico a ser adotado para a sua transferência à União, dentre outras alegações. 

Contudo, o Ministro Relator manifestou entendimento diverso, no sentido de que há justificativas para a permanência destes compromissos no escopo da licitação. Segundo considerou, as obrigações estão em conformidade com o quanto disposto na LGT, estando atendidas as condições ali contidas, não havendo violação ao dever de os compromissos inseridos no edital terem relação com o objeto do certame e serem enquadrados como de interesse da coletividade ou dos usuários dos serviços de telecomunicações. Mais ainda, considerou também que diversas das fragilidades apontadas pela SeinfraCOM são sanáveis.

Por outro lado, o Ministro Relator concordou com algumas das preocupações da SeinfraCOM relativas à Rede Privativa e ao PAIS, por exemplo, no que tange à ausência de definição das características, especificações mínimas, obrigações e compromissos associados às obras. Por este motivo, é dada ciência à ANATEL e ao Ministério das Comunicações (“MCOM”) que o TCU, “mediante ação de controle específica, acompanhará o assunto, a fim de verificar se foram adotadas as providências necessárias por quem de direito para a regularização das questões apontadas no relatório e voto” que fundamentam a deliberação. 

Em uma relevante decisão, o Ministro Relator acolheu a reivindicação de parlamentares brasileiros e decidiu recomendar à ANATEL e ao MCOM a inclusão, no edital, de compromissos que estabeleçam a obrigação de conectividade das escolas públicas de educação básica, com a qualidade e velocidade necessárias para o uso pedagógico de tecnologias de informação e comunicação (“TICs”) nas atividades educacionais regulamentadas pela Política de Inovação Educação Conectada (Lei 14.180/2021 e Decreto 9.204/2017), “especialmente por meio da destinação de valores decorrentes da aquisição de lotes na faixa de 26 GHz, e alocados em projetos concedidos, identificados, selecionados e precificados pelo Ministério da Educação”, para atender às obrigações de universalização de acesso à Internet em banda larga de todas as escolas públicas brasileiras. Importante observar que a recomendação pretende sejam priorizadas regiões com menores índices de conectividade das escolas públicas, de modo a reduzir desigualdades regionais e sociais. Segundo manifestou o Ministro das Comunicações, a recomendação será acatada.

Adicionalmente, conforme consta no referido Acórdão, o TCU entendeu ser cabível fazer outras diversas determinações à ANATEL. Algumas destas estão resumidas a seguir:

  • Excluir cláusula da minuta do edital que prevê a possibilidade de outorga de frequências sem licitação ou chamamento público para a primeira empresa que se manifestar, ainda que não seja a única interessada (muito embora a ANATEL possa estabelecer, no edital, regra visando a celeridade de contratações relativas a frequências que eventualmente não recebam propostas no leilão, em caráter primário, desde que em conformidade com o ordenamento jurídico e com a adoção de medidas que mitiguem os riscos apontados no relatório e voto de fundamentação).
  • Incluir, no edital, exigência de garantia de execução para todos os compromissos atribuídos às proponentes vencedoras do leilão, inclusive a serem executados em conjunto por meio da assim denominada Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz (“EAF”), como é o caso da limpeza da faixa de frequência de 3,5 GHz.
  • Alterar as Condições de Participação na Licitação incluídas na minuta de edital, para que o controle da quantidade de espectro ocorra durante a sessão de abertura, análise e julgamento das Propostas de Preço e de abertura dos Documentos de Habilitação (ou seja, após o julgamento das propostas, mas antes do término da sessão de abertura de propostas e julgamento), evitando quebra da igualdade e restrição injustificada da competição entre os interessados, além de uso ineficiente do espectro.
  • Revisar o cálculo da quantidade de estações rádio base (“ERBs”) estimadas para a cobertura da área urbana dos municípios na faixa de 3,5 GHz, retratando de modo fidedigno a realidade verificada para o setor.
  • Utilizar o mesmo tipo de taxa de conversão de dólar para as moedas locais na precificação da faixa de 26 GHz (p. ex., estimativas de paridade de poder de compra [“PPC”] divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional e taxa de câmbio de mercado), evitando distorções e danos ao erário por subestimação do preço mínimo (uma vez que, para a precificação desta faixa, a ANATEL utilizou um modelo de benchmarking internacional, em que considerou a média de valores de licitações realizadas na Austrália, Finlândia, Grécia, Tailândia e Taiwan, utilizando a PPC da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [“OCDE”] para as primeiras três localidades, e a cotação da taxa de câmbio do mercado para as duas últimas, para compor o cálculo do valor de um lote nacional e, a partir deste, o preço dos lotes regionais ).
  • Promover ajustes no edital, deixando claro que quaisquer saldos remanescentes de recursos aportados na EAF (inclusive para a implementação da Rede Privativa e do PAIS) serão destinados a compromissos de abrangência.

Além disso, foram feitas também várias recomendações à ANATEL, algumas das quais resumimos a seguir. Entretanto, conforme manifestado pelo próprio Ministro Relator, a ANATEL não terá a obrigação de implementá-las, muito embora, em caso de não implementação, seja relevante consignar formalmente as devidas justificativas para manter a transparência dos atos públicos, bem como a conformidade com o dever de motivação.

  • Aperfeiçoar a redação da minuta para esclarecer a destinação dos valores ofertados pelas vencedoras que excedam as obrigações adicionais estabelecidas pelo edital e anexos, evitando que parte do ágio do lance vencedor deixe de ser arrecadado à União ou convertido em compromissos por divergências em sua interpretação.
  • Aprimorar o texto da minuta, possibilitando a disputa e arrematação de lotes regionais do tipo D da faixa de 3,5 GHz (originários da regionalização de eventual lote nacional de 20 MHz que não receba proposta), por vencedoras de lotes do tipo C na região correspondente, mantendo a isonomia entre os vencedores de lotes nacionais e regionais e contribuindo para o uso eficiente do espectro.
  • Aperfeiçoar a redação do edital, indicando as providências e os critérios de priorização a serem adotados se o montante ofertado pelas vencedoras dos lotes nacionais da faixa de 3,5 GHz for inferior ao valor total a ser transferido para a EAF, de modo a evitar prejuízos à prestação dos serviços de 5G em virtude de recursos financeiros insuficientes para a realização a limpeza da faixa de frequência, caso um ou mais lotes da mencionada faixa não forem arrematados.
  • Considerar, nas próximas precificações de outorga de uso de espectro, possíveis receitas decorrentes da transferência parcial da autorização de uso relativa a radiofrequências adquiridas e não utilizadas pela operadora em regiões em que a exploração direta não seja economicamente atrativa (no assim denominado “mercado secundário”), para que haja valoração do ativo pelo seu preço justo e real, sem prejuízo de avaliar a inclusão das referidas receitas na precificação do leilão do 5G.
  • Na estimativa da quantidade de beneficiários do kit de migração para a banda Ku satelital, considerar a diminuição esperada de usuários do serviço de televisão aberta e gratuita por meio de antenas parabólicas ao longo do tempo.
  • Adotar medidas que corrijam inconsistências de modelagem que considerem que todas as localidades e municípios serão atendidos no primeiro ano de operação e com 95% de cobertura.
  • Considerar, na precificação das faixas de frequência e suas variáveis, comportamento de market share compatível com o real perfil de competição existente nas localidades, evitando distorções e valorando o ativo pelo seu preço justo e real.
  • Estabelecer, no edital, a revisão periódica das localidades que serão atendidas por compromissos de abrangência em tecnologia 4G e backhaul das faixas de 700 MHz, 2,3 GHz e 3,5 GHz, evitando a realização de investimentos públicos em localidades já atendidas ou a sobreposição de dispêndio de recursos públicos em virtude de diferentes instrumentos regulatórios ao longo do tempo.
  • Adotar, antes da publicação do edital, medidas para corrigir incompatibilidades entre suas atuais condições, que pretendem a regionalização dos lotes de Serviço Móvel Pessoal (“SMP”) e a participação de provedores regionais e novos entrantes, e as regras de compartilhamento de rede e de roaming existentes no mesmo edital e na normatização do setor, evitando a criação de barreiras e limitações à operação de rede e aos usuários de provedores regionais.
  • Alterar a minuta do edital, especificando que a hipótese de desistência imotivada e sem sanções dos lotes da faixa de 26 GHz é aplicável apenas aos casos em que seja necessária a redistribuição dos lotes e não haja consenso entre as vencedoras envolvidas.
  • Avaliar a conveniência e oportunidade de rediscutir a inclusão no edital de mecanismos que possibilitem antecipar o uso da faixa de 3,5 GHz em determinadas áreas, para exploração comercial, respeitada a viabilidade técnica operacional.
  • Avaliar a conveniência e oportunidade de realizar ajustes no edital para possibilitar a alteração (total ou parcial) da ordem de atendimento de municípios constantes do compromisso de atendimento com ERBs que permitam ofertar o SMP por meio de padrão tecnológico igual ou superior ao 5G NR release 16 do 3GPP.
  • Regulamentar, em normativo, o possível uso secundário de espectro antes do início da utilização efetiva das radiofrequências objeto do edital a que se refere o artigo 11.3 do Anexo IV da minuta aprovada, visando reduzir riscos de insegurança jurídica e judicialização da matéria.

Em pontos adicionais de seu voto, o Ministro Relator também estipulou que deverá ser dada ciência à ANATEL e ao MCOM a respeito de outros aspectos além daqueles referentes à Rede Privativa e ao PAIS, dentre os quais citamos:

  • A priorização de investimentos dos recursos públicos resultantes do leilão em locais que já contam com acesso à banda larga móvel em tecnologia 4G (incluindo a escolha daqueles com cobertura de até 95% da área geográfica) está em dissonância com o Decreto 9612/2018 (que dispõe sobre políticas públicas de telecomunicações).
  • O procedimento previsto na minuta de edital que permite a livre escolha da ordem de atendimento dos compromissos de abrangência pelas vencedoras, afronta as diretrizes da política pública setorial (Decreto 9612/2018 e Portaria 1.924/2021/SEI-MCOM), uma vez que não assegura a priorização do atendimento de regiões com maior população.
  • A alteração significativa de cláusulas do edital que possam afetar as propostas dos licitantes, mesmo se realizada por meio de respostas a pedidos de esclarecimentos de sua parte, sem que haja a devida republicação do edital e reabertura de prazos para a apresentação de propostas, ofende os princípios da publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia.

Segundo informações contidas no relatório e voto do Ministro Relator, o valor total das faixas de frequências a serem leiloadas foi avaliado pela ANATEL em R$ 45,6 bilhões. O preço mínimo da soma de todos os lotes corresponderia a R$ 8,68 bilhões, sendo o montante referente aos compromissos estipulados pela minuta de edital de aproximadamente R$ 37,1 bilhões. A obra da Rede Privativa está avaliada em R$ 1,0 bilhão; aquela relativa ao PAIS, por sua vez, em R$ 1,5 bilhão. A limpeza da faixa de 3,5 GHz foi valorada em R$ 4,1 bilhões. 

Porém, em decorrência das determinações e recomendações do Acórdão, a ANATEL vem realizando análises internas para a introdução de ajustes na minuta de edital, que podem acarretar em alterações na precificação dos lotes; os valores definitivos ainda não foram publicados pelo Conselho Diretor da Agência. A inclusão da obrigação de prover conectividade às escolas públicas,  poderá ter um impacto superior a R$ 4 bilhões, sem afetar os valores finais para as adquirentes das faixas leiloadas. 

Após a realização dos ajustes, a nova minuta de edital resultante segue para votação por parte do Conselho Diretor da ANATEL, em que figurará como Relator o Conselheiro Emmanoel Campelo. A publicação do edital ocorre após a sua aprovação.

Por fim, ressaltamos que o presente material contém apenas um breve resumo de alguns pontos relevantes da decisão do TCU, não devendo ser entendido como exaustivo a seu respeito.

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