COVID-19: A vacinação obrigatória e as relações de trabalho


COVID-19: A vacinação obrigatória e as relações de trabalho


A campanha de vacinação contra a COVID-19 mal começou no País, caminha a passos lentos e trôpegos, mas já conseguiu despertar apaixonados debates.

Na esfera trabalhista são calorosas as discussões a respeito do poder/dever do empregador – em prol da saúde e segurança do ambiente de trabalho e da coletividade dos empregados – penalizar aquele trabalhador que injustificadamente se recusar à vacinação.

Se é certo que a Constituição Federal e CLT impõem a todos os empregadores a obrigação legal de manter um meio ambiente de trabalho hígido e seguro (inc. XXII, do art. 7º e art. 157/CLT) e ao empregado o dever de observar as normas de saúde e segurança do trabalho (art. 158/CLT), firmes também são as previsões constitucionais de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II), assim como o respeito às liberdades individuais (artigo 5º, ‘caput’ e incisos VI, VIII, IX e X).

Em 06.02.2020 foi promulgada a Lei nº 13.979/2020, que em seu artigo 3º estabeleceu que para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, as autoridades podem adotar diversas medidas, no âmbito de suas competências, em especial a vacinação.

Instado a se manifestar sobre a alegada inconstitucionalidade do referido artigo, o STF firmou o entendimento, em sede de repercussão geral, de que “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".

Aqui, cabe distinguir a vacinação compulsória, ou seja, aquela que impõe restrição de direitos a quem contra ela se insurgir, da vacinação forçada (realizada com emprego de força física), o que não é a hipótese agasalhada no referido julgamento.

Recentemente veio à público documento interno do Ministério Público do Trabalho com a previsão de diversas medidas que devem ser preliminarmente adotadas pelas empresas no combate à pandemia, antes de se chegar à aplicação da justa causa ao empregado que injustificadamente se recusar a vacinar. 

Até o momento não há dispositivo de lei que tenha atribuído caráter cogente à vacinação contra a COVID-19, o que a par de todo o contorno político que o tema encerra, apenas reforça o caldo de controvérsia existente acerca da possibilidade de o empregador aplicar ao empregado a pena disciplinar mais grave admitida pela legislação trabalhista, que é a rescisão contratual por justa causa.

Argumentos a favor da punição, que traz importantes consequências à vida do trabalhador (será que menos gravosas do que a recusa à vacinação?) se avolumam, conforme abaixo pontuamos:

  • Necessária sobreposição do direito coletivo à saúde pública aos direitos individuais de liberdade de consciência e de crença;
  • As empresas têm a obrigação constitucional de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, sendo a vacina o único meio efetivo de combate à pandemia, cuja letalidade justifica maior rigor na preservação do ambiente de trabalho;
  • Os empregados têm a obrigação legal de cumprir todas as normas internas de seu empregador, dentre elas, a imunização contra a COVID-19 devidamente prevista no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) da empresa, cuja adoção e controle na implantação são impostos por norma legal.

Não menos relevantes são os argumentos contrários à aplicação da justa causa:

  • Autonomia da vontade individual assegurada pela Constituição Federal;
  • Ausência de legislação que obrigue à vacinação (princípio da legalidade);
  • Caráter discriminatório do desligamento por justa causa (artigo 1º da Lei nº 9029/1995*), por desrespeito à autonomia individual e autodeterminação do empregado sobre o seu corpo;

*Aliás, uma reflexão provocativa sobre o efeito da Lei nº 9029/1995: seria justo garantir o emprego aos trabalhadores que imotivadamente se recusem à vacinação colocando em risco a coletividade?

Conclui-se, portanto, que até que sobrevenha legislação determinando a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19, estabelecendo as sanções possíveis em caso de recusa injustificada dos trabalhadores, a questão em foco será objeto de farta controvérsia a ser dirimida pelo Poder Judiciário (e não pelo Ministério Público do Trabalho, frise-se), o que reforça o cuidado com que as empresas precisam pautar sua conduta.

Como diz o velho ditado, cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém.