A tributação dos créditos de indébitos tributários de decisões judiciais


A tributação dos créditos de indébitos tributários de decisões judiciais


Publicado pela revista Consultor Jurídico em 15 de janeiro de 2022*

É muito antiga a dúvida dos contribuintes acerca do adequado momento para tributação dos créditos de indébitos tributários decorrentes de decisões judiciais, tendo motivado inúmeras manifestações das autoridades fiscais, merecendo especial destaque o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) 25, de 2003, em relação a valores de tributos pagos indevidamente restituídos via precatório.

Foi nesse contexto que a Receita Federal do Brasil (RFB) esclareceu, por meio do ADI 25, que, para os contribuintes optantes pelo lucro presumido ou arbitrado e pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável: 1) no momento do trânsito em julgado da sentença judicial que já defina o valor a ser restituído; ou 2) quanto à sentença condenatória que não defina o valor a ser restituído: a) na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução; ou b) na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução.

Note-se, todavia, que, no grupo 2 acima delimitado, por fugir ao escopo do ADI, deixou de ser tratada a situação de sentenças ilíquidas, a exemplo das proferidas em mandado segurança, a qual não define o quantum do direito nela tutelado. Em função dessa lacuna, seguiram-se décadas de controvérsias até os dias atuais.

Esclarecimentos para preenchimento dessa lacuna interessam, especialmente, aos contribuintes sujeitos ao regime do lucro real, os quais, em regra geral, são submetidos ao regime de competência.

A situação tomou proporções gigantescas e de amplo interesse na medida em que, por força da "tese do século" — por meio da qual se discutiu a exclusão do ICMS das bases do PIS e da Cofins —, um imenso número de contribuintes passou a ser titular de indébitos tributários garantidos através de sentenças em mandados de segurança.

Vale a pena percorrer o histórico das principais manifestações da RFB sobre o tema, construído por meio de respostas às consultas formuladas por contribuintes que tiveram garantidos indébitos tributários por meio de decisões proferidas em mandado de segurança:

Em 2007, foi editada a Solução de Consulta nº 233, não vinculante de forma geral1, formulada por contribuinte que pretendia reconhecer, para fins fiscais, créditos decorrentes dos indébitos apenas quando, e na medida em que, efetuadas as compensações. Naquele caso, a RFB externou posicionamento de que, mesmo em relação a indébito decorrente de decisão proferida em mandado de segurança, independentemente da exigência de habilitação do crédito previamente à compensação, é no momento do trânsito em julgado da sentença judicial que os créditos passam a ser receitas tributáveis.

Após mais de uma década, em meados de 2021, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 92 — questionada por contribuinte que pretendia tributar como ajustes de exercícios anteriores os créditos objeto do indébito tributário garantido por decisão transitada em julgado em mandado de segurança, devidamente habilitados —, a RFB reiterou o entendimento de que os créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado relativas a tributos pagos indevidamente devem ser reconhecidos como receita tributável no período de apuração em que ocorrer a sua disponibilidade jurídica, deixando no limbo, todavia, a definição expressa de quando tal disponibilidade jurídica restaria configurada.

É antigo, no entanto, o entendimento de que a disponibilidade jurídica ocorre quando do trânsito em julgado de decisão que incorpora ao patrimônio do contribuinte um direito certo e definitivo.

Seguindo, em 15 de dezembro de 2021 foi publicada a Solução de Consulta Cosit nº 183, também versando sobre o momento do reconhecimento das receitas de indébitos tributários decorrentes de decisões judiciais para fins de tributação. A referida consulta foi formulada por contribuinte que ajuizou mandado de segurança para ver reconhecido seu direito de não incluir o valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins e de recuperar os créditos decorrentes dos valores indevidamente recolhidos e que, pretendendo compensar tais créditos, informou que efetuaria a prévia habilitação destes. A questão consultada pelo contribuinte versava sobre o correto momento para tributação dos aludidos créditos, sustentando entendimento de que tal momento seria por ocasião do deferimento do pedido de habilitação, visto que somente neste momento haveria uma primeira mensuração do direito creditório.

De acordo com o entendimento exarado pela RFB na aludida consulta, o indébito tributário, bem como os juros de mora a ele atrelados, devem ser oferecidos à tributação no momento do trânsito em julgado da sentença judicial quando esta já definir o valor a ser restituído. Até esse ponto, nenhuma novidade no entendimento da RFB.

A inovação ficou por conta da orientação sobre o momento em que se deve ocorrer o reconhecimento da receita de indébito pelo contribuinte quando a sentença judicial não fixar o valor a ser recuperado. Nesse caso, a RFB entendeu que o indébito e os juros de mora somente deverão ser reconhecidos e tributados na entrega da primeira declaração de compensação (DCOMP).

Segundo o racional desenvolvido pela RFB, via de regra, como o indébito passa a ser receita tributável no trânsito em julgado de sentença judicial que já defina o valor a ser recuperado, apenas quando existirem os elementos caracterizadores do direito agregado ao patrimônio do contribuinte, bem como sua mensurabilidade, a receita deve ser reconhecida.

Por outro lado, quando se está diante de compensação de créditos tributários decorrentes de ação judicial, cuja sentença não definiu o valor, a liquidez, para fins do previsto no artigo 170 do CTN, deve ser atestada pelo próprio contribuinte, posteriormente ao trânsito em julgado e à habilitação dos créditos, por ocasião da apresentação da primeira DCOMP, quando ocorre a necessária identificação do montante do crédito, sob condição resolutória de ulterior homologação, já que, nesses casos, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao contribuinte comprovar seu direito líquido e certo.

Para refutar o ponto de vista do contribuinte, a RFB alegou que a habilitação é procedimento preliminar acerca da existência do crédito, sem implicar em seu reconhecimento, sendo, na verdade, ato obrigatório, vinculado das autoridades fiscais, sempre que os requisitos de forma sejam atendidos pelos contribuintes.

Registre-se aqui que, apesar do flagrante descompasso de entendimento, a Solução de Consulta nº 92, de meados de 2021, não foi reformada.

É fato que esse inusitado entendimento da RFB pode ser vantajoso para diversos contribuintes, na medida em que permite a postergação da tributação do indébito para além do momento do trânsito em julgado e da habilitação do crédito, podendo, inclusive, coincidir com o momento de sua realização financeira. Entretanto, esse potencial de gerenciamento deve ser cuidadoso pois, à luz desse entendimento, poderá ocorrer que, mesmo tendo sido compensada apenas uma reduzida parcela do indébito, pelo fato de a DCOMP conter uma ficha de identificação do crédito, o montante total deveria ser levado à tributação.

Por outro lado, pode ocorrer de contribuintes verificarem situações mais favoráveis ao reconhecimento de tais créditos no momento do trânsito em julgado ou do deferimento da habilitação, notadamente do ponto de vista tributário.

Não se pode, no entanto, negar que é razoável o ponto de vista do contribuinte, de que o momento de tributação dos créditos seria por ocasião do deferimento do pedido de habilitação, na medida em que a mensurabilidade, a quantificação dos créditos, independe até mesmo do referido pedido de habilitação, pois é inerente aos efeitos imediatamente produzidos pela decisão passada em julgado que agregou certeza ao direito do contribuinte, cuja comprovação, como dito pela própria RFB, cabe ao contribuinte, sob condição "resolutória" de ulterior homologação.

Se o ponto focal trazido à tona pelas autoridades fiscais versar, todavia, sobre o momento de informação dos valores à RFB para que tal direito possa ser considerado líquido, embora inexistente esse requisito legal, é fato que no pedido de habilitação tal valor é informado.

De toda forma, o aspecto aparentemente mais relevante para se sustentar que o momento adequado para contabilização e tributação dos créditos seja o deferimento do pedido de habilitação, reside no fato de que sem este, o que cabe exclusivamente às autoridades fiscais, nenhuma compensação com outros tributos poderá ser levado a cabo, inviabilizando a disponibilidade jurídica ou econômica e a liquidez dos créditos, que só podem ser liquidados por essa via, por determinação legal, quando se renuncia à execução judicial.

Ainda, apenas diante do aludido deferimento é que se pode dizer que a fruição dos benefícios econômicos envolvidos será praticamente certa, dando causa e competência para o reconhecimento contábil e fiscal dos créditos tributários e correspondente receita.

Em suma, é certo que a habilitação não tem o objetivo nem o efeito de homologação do crédito, tratando-se de mero procedimento preliminar e preparatório — formal — para a compensação. Apesar disso, mesmo tendo o trânsito em julgado garantido o direito ao crédito — disponibilidade jurídica —, o que não se refuta, a sua realização financeira — disponibilidade econômica — e liquidez está regularmente vinculada à obtenção de parecer positivo da habilitação do crédito, procedimento sem o qual a DCOMP sequer pode ser apresentado.

Ressalte-se ainda que a DCOMP implica em confissão de dívida, não se prestando a constituir os créditos, o que, no caso em questão, por óbvio, ocorre em momento anterior, ainda que sujeitos à ulterior homologação.

Para fechar o ciclo da controvérsia, mesmo após o entendimento externado em dezembro de 2021, foi publicada no último dia 10 a recentíssima Solução de Consulta Disit nº 7.282, vinculada à Solução de Consulta Cosit nº 92, reiterando o entendimento de tributação no período em que ocorrer a disponibilidade jurídica.

O que se percebe, então, é que os posicionamentos externados recentemente pela RFB são contraditórios e não tiveram o condão de dirimir as dúvidas dos contribuintes sobre o assunto, mas, sim, renderam espaço para mais debates e potenciais judicializações, tendo sido perdida a oportunidade de sedimentar o assunto e reduzir o contencioso que o cerca.

Ademais, a orientação sobre tema de tamanha relevância veio de maneira tardia, uma vez que diversos contribuintes, frente às manifestações contraditórias sobre o assunto até então e a possíveis construções interpretativas, podem já ter reconhecido e oferecido à tributação os créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins quando do trânsito em julgado ou do deferimento do pedido de habilitação.

Assim, tendo em vista que tanto a Solução de Consulta Cosit nº 92/2021 quanto a Solução de Consulta Cosit nº 183/2021 são vinculantes para as autoridades fiscalizadoras, é possível que os contribuintes venham a enfrentar questionamentos ou autuações qualquer que tenha sido o procedimento adotado, que possa dar margem a entendimento ocorrência do nominado "efeito diverso" nas apurações do IRPJ e da CSLL, em decorrência da inobservância do regime de competência.

Por fim, vincular o momento de tributação à apresentação da primeira DCOMP sob o argumento de que apenas neste momento, por meio da declaração dos créditos, é que passa a existir liquidez, permite concluir que, em relação aos créditos decorrentes da decisão judicial que impliquem em majoração de saldo credor escritural que só podem ser utilizados na conta gráfica das apurações do PIS e da Cofins, devam ser levados à tributação tão somente nos momentos em que forem efetivamente compensados. Mas essas serão cenas de próximos capítulos.

[1] Até a edição da IN RFB nº 1.396/2013, as soluções de consulta eram editadas pelas próprias delegacias fiscais. A partir de sua edição, as soluções de consulta sobre assuntos ainda não analisados pela RFB passaram à competência exclusiva da Cosit, integrado à estas o caráter vinculante: artigo 9º A Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB, respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.