A crise entre membros da família real britânica traz reflexões para empresas familiares


A crise entre membros da família real britânica traz reflexões para empresas familiares


Coautoria da interna Eduarda Marques Lima*.

A atual crise na realeza Britânica desperta interesse da mídia mundial e nos faz refletir sobre a realidade brasileira nos negócios familiares. Sem o glamour real, no Brasil também temos inúmeros exemplos de herdeiros que não querem trabalhar no negócio familiar.

A decisão do príncipe Harry e de sua esposa Meghan Markle, de se afastarem de seus deveres como parte da família real britânica, com o objetivo de trabalhar e serem financeiramente independentes, causou surpresa e desconforto dentro e fora do círculo real. Em suma, Meghan não tolerou o nível de escrutínio intenso da mídia e da família, já o príncipe Harry temia um desfecho para sua esposa similar ao que ocorreu com sua mãe, a princesa Diana, que em 1997 sofreu um acidente de carro inesperado, enquanto fugia dos paparazzi. 

Assim como a família real não estava plenamente preparada para receber seus herdeiros, algumas empresas não se preparam para passar por um processo de sucessão empresarial e formação das gerações futuras, ocasionando como principal consequência, uma crise empresarial e familiar.

A ausência de herdeiros preparados ou que se interessam pelo negócio familiar é um dos desafios enfrentados pelos donos de sociedades familiares, principalmente porque: 1) poucos empresários buscam soluções para a sucessão empresarial, seja por desconhecimento do assunto ou por receio de pensar em morte, incapacidades e em transferência de poder e 2) atualmente, o número de filhos por família diminuiu gradativamente, segundo “Estatísticas do Registro Civil de 2018”, disponibilizado pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que pode acarretar na dificuldade de escolher um herdeiro que deseja trabalhar no negócio e que tenha aptidão para tanto. 

Então, como preparar os herdeiros para assumirem a administração dos negócios familiares e, como preparar a empresa para recebê-los? 

O desafio no engajamento da futura geração de líderes está em encontrar certo equilíbrio entre, aproximar os filhos ou netos dos negócios, capacitá-los e ainda lhes proporcionar autonomia para que possam projetar sua trajetória profissional segundo seus sonhos, interesses e suas vocações. Esse equilíbrio pode ser encontrado por meio de um processo técnico e intergeracional que incluem diversas ações contínuas, das quais merecem destaque: 

  • História dos Negócios e da Família. A história da construção da sociedade familiar não pode cair no esquecimento, uma vez que conecta e promove senso de pertencimento do herdeiro com os valores da família e dos negócios, além de criar uma relação de respeito entre a geração mais velha, que se esforçou na construção dos negócios e a geração mais nova que tem a oportunidade de entender quais foram os grandes erros e acertos nessa trajetória empresarial. Assim, contar para os filhos, em diversos diálogos familiares, como, quando e por que surgiram os negócios e ainda, explicar que os erros familiares e empresariais, bem como os obstáculos enfrentados podem ocorrer e devem ser evitados, é um bom começo para que os herdeiros se fortalecerem, ao contrário de criarem objeções e crenças do tipo ‘empresas familiares são sempre um problema e eu não quero isso para mim’.
  • Treinamentos e Oportunidades. Investir na educação, definir os papéis que esses jovens podem desempenhar nos negócios, identificar suas habilidades, suas vocações e encorajar esses herdeiros a participarem de programas de treinamento dentro ou fora da empresa para que eles tenham a oportunidade de compreender os processos de cada setor é fundamental. Além disso, é importante que as respectivas remunerações sejam compatíveis com aquelas aplicadas no mercado para o mesmo cargo ocupado, de modo que não seja antecipado ao herdeiro um poder que ele poderá conquistar no futuro, com seus próprios esforços, o que certamente vai lhe atribuir reconhecimento e respeito perante os demais colaboradores.
  • Inovação e tecnologia. Acompanhar as transformações tecnológicas do mercado, criar um ambiente empresarial inovador e estar aberto a mudanças é um grande atrativo para os jovens herdeiros. Os donos devem ouvir e levar em consideração a opinião de seus filhos em relação aos negócios. O diálogo tranquilo e desprovido de prejulgamentos, desconfianças ou críticas destruidoras, também é uma forma de aproximar aquele herdeiro para o qual se pretende passar o bastão.

Se ainda assim ninguém da família se interessar em trabalhar no negócio ou se não existirem herdeiros com aptidão e perfil suficientes para administrar, existem outras alternativas, tais como: 

  • Preparar esses herdeiros para serem acionistas, investidores dos negócios da família ou até mesmo conselheiros de administração e buscar terceiros, executivos de mercado, com perfil profissional adequado aos valores e a cultura da família e da empresa para ocuparem os cargos de administração. A desvinculação de fundadores e membros das famílias na gestão das empresas tem sido inclusive uma tendência global em companhias que estão aprimorando seu compliance. A exemplo do caso recente da Localiza, que anunciou seu novo CEO, o executivo Bruno Lasansky, em substituição de Eugênio Mattar. Será a primeira vez que um não fundador lidera a localiza em seus 48 anos de história.
  • Preparar sua empresa para encarar um processo de venda ou uma fusão em um futuro determinado, sem que ela tenha seu valor diminuído em razão da ausência de governança e de processos de sucessão empresarial preestabelecidos e, concomitantemente, preparar os herdeiros para serem investidores financeiros, inclusive por meio da criação de fundos de investimentos e de Family Offices.

Segundo a Forbes, o Itaú Unibanco se transformou em uma das empresas mais valiosas do Brasil, um dos segredos está na gestão familiar. “Tanto o antigo Unibanco quanto o antigo Itaú eram empresas familiares, e o Itaú Unibanco, surgido da fusão de ambos, também é uma companhia controlada essencialmente por algumas famílias, os Setubal, os Villela e os Moreira Salles.” De acordo com Roberto Troster, ex-economista chefe da Febraban.

O Grupo Algar também se enquadra-se em um dos casos de sucesso em decorrência da implementação do processo de sucessão empresarial. Fundada em 1930, por Alexandrino Garcia, a Algar, cujo nome provém das iniciais de seu fundador, a Algar foi sucedida por seu filho Luiz Alberto Garcia, responsável pela explosão de crescimento. Em 1989 a condução dos negócios, até então exclusivamente do âmbito familiar, foi aberta ao mercado, através da contratação de um CEO, pois, percebeu-se que para a continuidade do triunfo, a gestão realizada somente por membros da família não seria o suficiente por não deterem todos os profissionais devidamente qualificados no núcleo familiar. 

O processo para a continuidade da sucessão familiar do Grupo Algar, se deu em conjunto com a busca de profissionais externos, de modo que foram realizados estudos, em especial em 1991, conduzido pelo professor Alden Lank, do International Institute for Management Development (IMD), do qual criou-se o Conselho de Administração, presidido hoje por Luiz Alexandre Garcia, membro da terceira geração familiar. Ainda, em 2001, criou-se o Conselho de Família, bem como o Programa de Formação do Acionista e Herdeiro para garantir a qualidade dos familiares envolvidos desde empregados até acionistas. 

É certo que, identificar e preparar novos líderes para a passagem do bastão, envolve medo, emoções e competições, porém, não iniciar o processo de sucessão empresarial, tampouco pensar sobre ele, pode ser uma decisão que acarretará o insucesso do negócio, construído por toda uma vida e, pior do que isso, em verdadeiras crises familiares, como atualmente vive a família real britânica. A busca por profissionais específicos, advogados, coaches e psicólogos, para desenvolver e executar os planejamentos sucessórios, são fundamentais para evitar a morte das empresas familiares que, no Brasil, costumam desaparecer prematuramente na passagem de controle para a segunda geração.

Referências:

ALGAR – A ESSÊNCIA DE UMA FAMÍLIA EMPRESÁRIA. São Paulo: Höft - Bernhoeft & Teixeira – Transição De Gerações, 2011. Disponível em: <http://hoft.com/sucessao/algar-essencia-de-uma-familia-empresaria/> Acesso em 12 de março de 2021.

Bruno Lasansky será presidente da Localiza a partir de 27 de abril, substituindo Eugênio Mattar. InfoMoney, Brasil, fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/mercados/bruno-lasansky-substituira-eugenio-mattar-como-presidente-da-localiza-a-partir-de-27-de-abril/> Acesso em 15 de março de 2021.

Como o Itaú Unibanco tornou-se a empresa de maior valor de mercado do Brasil. Forbes, Brasil, junho de 2015. Disponível em: <https://forbes.com.br/negocios/2015/06/como-o-itau-unibanco-tornou-se-a-empresa-de-maior-valor-de-mercado-do-brasil/ > Acesso em 14 de março de 2021.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas do Registro Civil 2018. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2018_v45_informativo.pdf> Acesso em 12 de março de 2021.

Memória Algar: a capacidade de superar desafios e inovar com o propósito de servir as pessoas construiu uma história de sucesso. Algar, Brasil. Disponível em: <https://memoriaalgar.com.br/> Acesso em 13 de março de 2021.