O Senado Federal aprovou, em 30 de setembro de 2025, por 51 votos a 10, o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que representa a segunda fase de regulamentação da Reforma Tributária do consumo. O texto agora retorna à Câmara dos Deputados para nova análise, tendo em vista que foram acolhidas mais de 60 emendas apresentadas.
O projeto avança na regulamentação da Reforma Tributária ao tratar da transição e da operacionalização dos novos tributos (IBS e CBS), abordando temas como a criação do Comitê Gestor do IBS, sua estrutura, competências, diretrizes e o processo administrativo tributário. O texto também estabelece regras para o aproveitamento e a compensação dos saldos credores de ICMS até 2032 e disciplina aspectos do ITCMD e do ITBI, especialmente quanto à tributação das transmissões causa mortis e das doações, além de definir competências e critérios de fiscalização pelos Estados e pelo Distrito Federal.
ITCMD (arts. 146 a 164)
O PLP 108/2024 introduz uma regulamentação nacional unificada para o ITCMD, trazendo como principal novidade a disposição de que as alíquotas passarão a ser progressivas.
Dentre as principais alterações promovidas pelo Senado no que tange o ITCMD destacam-se:
- Inclusão explícita de trusts e ativos no exterior: O texto aprovado incorpora definições e regras específicas para trusts (referenciando a Lei nº 14.754/2023), tributando reversões gratuitas de bens em estruturas estrangeiras ao beneficiário residente no Brasil, em razão de fato que não seja diretamente relacionado ao falecimento do instituidor.
- Visando combater evasão fiscal, a transmissão onerosa a pessoas vinculadas ou sem capacidade financeira foi enquadrada como doação – simulação a ato gratuito. Também foram enquadradas como doação as transmissões gratuitas em geral, exceto apenas: as decorrentes de dever jurídico (como as oriundas de direito de família), remuneração a serviços prestados gratuitamente, e indenização, repetição de indébito ou restituição de lucro indevido.
- Ampliação das imunidades e não incidências: Foram adicionadas imunidades para bens culturais como fonogramas e videofonogramas musicais brasileiros, além de doações para projetos socioambientais, mitigação de mudanças climáticas e imóveis desapropriados para reforma agrária. A não incidência foi expandida para renúncias à herança incondicionais em favor do monte, extinção de fideicomisso, transmissões presumidamente onerosas em trusts e benefícios de contratos com elementos de aleatoriedade (como os contratos de previdência privada, alinhando a lei ao entendimento já consolidado pelo STF).
- Refinamento do fato gerador e momento de ocorrência: O imposto incide sobre múltiplos fatos geradores por sucessor/donatário, independente de inventário, incluindo contratos estrangeiros similares a trusts (salvo domicílio no exterior do adquirente). Para causa mortis, o momento é fixado na data do óbito (incluindo morte presumida com declaração de ausência); para doação, na data da celebração, formalização do título translativo, instituição de direito real, renúncia, homologação de partilha ou registros (como em juntas comerciais ou cartórios).
- Definições mais sobre termos relevantes: Introduz definições amplas para termos como "pessoas vinculadas", "excesso de meação" e "doação" (incluindo remissão de dívidas entre pessoas vinculadas e transferências gratuitas de frutos).
- A alíquota permanece progressiva, com máxima fixada pelo Senado, aplicada por faixas. Como novidade, o PLP recalcula doações sucessivas para progressividade, com deduções de impostos pagos, e base de cálculo no valor de mercado, deduzindo dívidas comprovadas, alinhando à EC 132/2023 para uniformidade nacional.
- Regras de competência: A competência para imóveis situados em mais de um Estado passa a ser proporcional por área (alteração da versão original, que estabelecia a competência para o Estado onde se situasse a "maior parte" do imóvel), e para móveis pelo domicílio do de cujus ou doador (domicílio informado na declaração de rendimentos quando houver mais de um).
ITBI (art. 165 do PLP 108/25, que altera a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional)
Quanto ao ITBI, as principais mudanças foram:
- Ajuste no momento da cobrança: Diferente do texto original da Câmara, que permitia às prefeituras e ao Distrito Federal a cobrança do ITBI na assinatura da escritura (sujeito a debates no STF, que em 2021 declarou inconstitucionalidade, mas recuou em 2022, adiando o julgamento), o substitutivo do Senado (art. 156 do CTN) estabelece que o imposto poderá ser exigido no momento da formalização da escritura pública, promovendo uniformidade e encerrando postergações artificiais.
- Transparência na base de cálculo: Em vez da determinação original de usar o maior valor entre o valor de referência (fixado anualmente por metodologia municipal) e o valor da transmissão, o texto ajustado pelo Senado reforça que o valor venal será aquele pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado. Isso se alinha à decisão do STJ no Tema Repetitivo nº 1.113/2022, que considera o valor declarado na transação como base válida, a menos que o Fisco comprove, por processo administrativo, que ele diverge do valor de mercado.
Transição do ICMS
- Saldos credores (arts. 132 e 133): serão reconhecidos até 31/12/2032, desde que regularmente escriturados e não compensados, com atualização pelo IPCA a partir de 2033.
- Homologação (art. 134): deve ser solicitada até 2038; ausência de resposta em até 12 meses implica homologação tácita.
- Compensação (arts. 135 a 137): possível com ICMS, mediante acordo com o Estado/DF, ou com IBS, em até 240 parcelas mensais.
- Transferência (art. 138): créditos podem ser transferidos a empresas do mesmo grupo ou a terceiros, para compensação com ICMS ou IBS.
- Ressarcimento (art. 139): na impossibilidade de compensação, Estados devem ressarcir em até 240 parcelas mensais, devendo ser efetuado em até 90 dias após o encerramento do mês em que ocorreria a respectiva compensação, com atualização pela Selic a partir do nonagésimo primeiro dia, em caso de atraso.
- Regularidade do contribuinte: a transferência e o pagamento das parcelas do ressarcimento ficam condicionados à regularidade do titular do saldo credor em relação ao IBS e ao ICMS do respectivo Estado ou ao DF.
- ICMS-ST em estoque (arts. 142 a 145): créditos sobre mercadorias em estoque em 31/12/2032 poderão ser compensados, mediante inventário e comunicação ao Estado/DF e ao CGIBS; exceção para optantes do Simples Nacional.
Dentre outras alterações promovidas pelo Senado, destacam-se:
- Plataformas digitais e responsabilidades tributárias (Art. 22 da LC 214) – As plataformas serão solidariamente responsáveis pelo recolhimento de IBS e CBS se não prestarem as informações mínimas ou se o fornecedor não emitir nota fiscal. Ficam dispensadas de diferenças entre valores recolhidos e devidos quando realizarem o split payment ou prestarem corretamente as informações. Poderão ainda, com anuência do fornecedor, optar por atuar como substitutas tributárias, assumindo emissão de notas e recolhimento. Se o fornecedor não emitir nota em até 30 dias, a plataforma deverá fazê-lo; nesse caso, juros e multas recaem sobre o fornecedor.
- Fundos de investimentos (art. 26 da LC 214) – Reincluiu os fundos de investimentos como não contribuintes: os FII e Fiagro que realizem operações com imóveis e direitos reais sobre imóveis, observadas regras específicas; (ii) demais fundos de investimentos cujo patrimônio seja composto exclusivamente por participações societárias, certificados, direitos, títulos, valores mobiliários e demais ativos permitidos pela CVM. Permanecem como contribuintes os fundos que não se enquadrem nessas condições, aqueles já tributados como pessoas jurídicas e os FIDC ou outros fundos que realizem a liquidação antecipada de recebíveis, não sendo considerados entidades de investimento.
- Vale-transporte e vale-alimentação (art. 57 da LC 214) – nova redação deixa de condicionar os créditos tributários sobre vale-transporte, vale-refeição e vale-alimentação à existência de acordo ou convenção coletiva de trabalho. Pela regra anterior, apenas os benefícios concedidos em razão de acordos coletivos geravam direito a crédito.
- Documento fiscal consolidado (Art. 60 da LC 214) – Fornecedores poderão emitir nota consolidada por município em operações sem direito a créditoreduzindo burocracia. Receita e Comitê Gestor deverão regulamentar os detalhes.
- Medicamentos com alíquota zero (Art. 146 da LC 214) – Alterada a lógica da LC 214: em vez da lista fixa prevista no Anexo XIV, os medicamentos beneficiados (doenças raras, negligenciadas, oncologia e diabetes) serão definidos em lista atualizada a cada 120 dias pelo Ministério da Fazenda e Comitê Gestor, ouvidos o Ministério da Saúde.
- Programas de fidelidade (Art. 182, IX da LC 214) – Foram incluídos em regime específico de serviços financeiros os arranjos de pagamento, incluídas as operações dos instituidores e das instituições de pagamentos, a liquidação antecipada de recebíveis dessesarranjos e a administração de programas de fidelização.
- Permuta de imóveis entre contribuinte do regime regular e não contribuinte do regime regular – (art. 252 da LC 215 de 2025) - estabeleceu regras pertinentes ao redutor de ajuste.
- Locação temporária (art. 253 da LC 215 de 2025) - Estendeu a tais transações a aplicação dos limites para equiparação de pessoas físicas a contribuinte regular previstas no art. 251.
- Sociedades Anônimas de Futebol (art. 293 da LC 214 de 2025) – Redução da carga tributária das SAFs ao excluir, por 5 anos, as receitas de cessão de direitos desportivos de atletas da base de cálculo do Regime de Tributação Específica do Futebol. Na prática, a alíquota cai de 8,5% para 5% sobre a base ajustada, já sem considerar as transferências de atletas. Além disso, foi aprovada emenda do senador Carlos Portinho (PL-RJ) que reduz de 4% para 3% a alíquota dos tributos federais unificados (IRPJ, CSLL, entre outros) incidentes sobre prêmios, programas de sócio torcedor, cessão de direitos de imagem e cessão ou transferência de atletas.
- Soluções de consulta (art. 323-B da LC 214 de 2025) – Respostas conjuntas entre Receita e Comitê Gestor, para evitar divergências. O procedimento funcionará da seguinte maneira: uma vez elaborada a minuta da solução de consulta por um dos órgãos, ela será disponibilizada em ambiente virtual para análise do outro, que terá 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para se manifestar. Nesse prazo, o órgão poderá concordar com a proposta e emitir a resposta em conjunto, encaminhar eventual divergência ao Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias ou ainda declarar que não há matéria comum aos dois tributos. Caso não haja manifestação dentro do prazo, a aceitação será considerada tácita e a solução será publicada como resposta conjunta. Essa sistemática tende a aumentar a segurança jurídica, pois reduz o risco de respostas contraditórias para situações idênticas.
- Condicionante para redução da Multa de ofício (Art. 341-F da LC 214) – A multa de ofício, fixada em 75%, poderá ser reduzida para 50% nos casos em que o imposto tenha sido declarado a menor, desde que a declaração traga a correta identificação do bem ou serviço, das quantidades e do valor da operação. Por outro lado, a penalidade poderá ser majorada para 100% em situações caracterizadas como fraude e para 150% em casos de reincidência.
- Fiscalização pedagógica (Art. 348) - no primeiro ano de transição, contribuintes terão prazo de 60 dias para corrigir falhas antes de aplicação de multas.
- Alíquotas de referência (Art. 361 a 365 da LC 214) – O cálculo da alíquota de referência do IBS e da CBS passará a considerar a média da razão entre a receita de referência dos Estados e o PIB no período de 2024 a 2026. A redação original da LC 214/2025 adota como parâmetro a média da razão entre a receita de referência da União e o PIB nos anos de 2012 a 2021.
Além da mudança de período-base e de ente federativo considerado, a nova redação também:
- Substitui percentuais fixos (10%, 20%, 30%, 40%) sobre a receita de referência por um modelo de equivalência dinâmica entre a arrecadação e o PIB;
- Inclui ajustes explícitos de redução de alíquotas (10% em 2027, 20% em 2027/2028, 30% em 2028/2029 e 40% em 2029/2030), em vez de ajustes matemáticos (como dividir por 9/8/7 e multiplicar por 10);
- Dá maior peso ao PIB como balizador, alinhando a calibragem das alíquotas à evolução econômica mais recente.
- Split payment e tolerância a falhas (Art. 471-D da LC 214) – Com intuito de dar mais segurança para fase de adaptação tecnológica dos prestadores de serviços de pagamento eletrônico e a instituições operadoras de sistemas de pagamento, foi estabelecido um limite de tolerância para multas em falhas de split payment durante os 24 meses iniciais de vigência. O limite não poderá ser inferior a 0,01% (um centésimo por cento) e nem superior a: 1% (um por cento) nos primeiros 24 meses contados a partir de 1º de janeiro de 2027; e 0,5% (cinco décimos por cento) após esse prazo.
- Créditos presumidos (art. 544 da LC 214) – A utilização de créditos presumidos ficará restrita a partir de 2027, já que em 2026 não haverá recolhimento efetivo dos novos tributos. A previsão expressa no texto legal busca afastar eventuais dúvidas interpretativas e reduzir o risco de insegurança jurídica e de contencioso tributário.
- Combustíveis – regime monofásico de ICMS (art. 2º da LC 192 de 2022) - Inclusão da nafta e outras correntes do diesel e da gasolina no regime monofásico do ICMS. O objetivo seria reduzir fraudes fiscais.
O texto ainda precisa ser reavaliado pela Câmara dos Deputados, em razão da análise das emendas aprovadas pelo Senado, antes de eventual sanção presidencial.
Cumpre destacar que os pontos mencionados representam apenas alguns dos aspectos mais relevantes da norma aprovada. Com o objetivo de oferecer uma análise mais completa, o Azevedo Sette Advogados está elaborando material detalhado sobre as alterações introduzidas e permanece à disposição para prestar esclarecimentos adicionais, bem como para acompanhar os desdobramentos da regulamentação. Para acessar novidades e conteúdos atualizados sobre a Reforma Tributária, acompanhe nosso portal: Reforma Tributária – Azevedo Sette.
