Desenvolvimento da Internet das Coisas no Brasil


Desenvolvimento da Internet das Coisas no Brasil


Em 1960, os computadores no estado da arte realizavam aproximadamente quatro mil cálculos por segundo, pesavam toneladas e custariam hoje em dia USD 1.5 milhão. Atualmente, um smartphone comum, acessível a uma parcela significativa da população mundial, contém um processador do tamanho de uma moeda que produz um bilhão de cálculos por segundo.

O desenvolvimento da tecnologia levou a miniaturização dos processadores e dos discos rígidos. Hoje, os circuitos integrados utilizam semicondutores de 10 nanômetros, o que permite que seus componentes consumam menos energia, o custo de produção caia vertiginosamente e os processadores fiquem mais rápidos e eficientes1. Em 1965, Gordon Moore previu que o número de transistores em um circuito elétrico dobraria a cada dois anos, e esse crescimento exponencial da capacidade de processamento e armazenamento de dados tornou-se um dos pilares da atual revolução digital.

As estatísticas são surpreendes, e as perspectivas para os próximos anos também. O mundo digital tem dobrado de tamanho a cada dois anos2; o tráfego global de dados na internet irá triplicar até 2021 chegando a 3.3 zettabytes; e o número de usuários da internet aumentará de três bilhões para 4.1 bilhões3.

A Internet das Coisas (IoT) é, portanto, uma evolução natural do progresso cientifico-tecnológico de diversas áreas. Essa tecnologia viabiliza uma rede interconectada de objetos que tem condições de se comunicar entre si, guardar e distribuir dados de praticamente qualquer dispositivo, e de qualquer lugar do mundo.

Ainda que a IoT seja considera uma revolução, ela efetivamente já faz parte da realidade da sociedade. Já existem bilhões de dispositivos interconectados à rede, coletando e armazenando dados: casas, carros, eletrodomésticos, uma infinidade de produtos que fazem parte do cotidiano da população. Além disso, políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável com o uso de IoT estão ganhando cada vez mais espaço nas grandes cidades, de forma a aprimorar a gestão pública, os serviços públicos e o planejamento urbano.

Estima-se que em alguns anos, com o constante avanço da tecnologia, os microchips serão imperceptíveis e incorporados a quase todos os objetos e até mesmo pessoas, criando uma sociedade onde o normal será tudo interconectado à rede. Isso é efetivamente a mudança de paradigma proporcionada pela IoT.

De acordo com relatórios da Goldman Sachs4 e da Cisco5, as projeções de dispositivos conectados em 2020 são de aproximadamente 20 bilhões, chegando a 100 bilhões em 2050. O potencial econômico da IoT, incluindo os ganhos indiretos, estão projetados entre USD 3,9 trilhões e USD 11,1 trilhões até 20256. Ainda segundo estimativas da Cisco, o Brasil tem um potencial de ganho econômico com a IoT de até USD 352 bilhões até 2022, sendo USD 70 bilhões do setor público e USD 282 bilhões do setor privado.

Sendo uma tecnologia que permite o armazenamento, processamento e acesso instantâneo a uma infinidade de dados, é de se esperar que toda a cadeia produtiva seja afetada, e isso consequentemente trará oportunidades a todas as áreas da economia.

Vale destacar alguns dos campos de aplicabilidade da IoT:

• Saúde: gestão eficiente de leitos hospitalares, diagnósticos, monitoramento remoto de pacientes, gestão de estoques e datas de validade de medicamentos;
• Agricultura: irrigação precisa, controle de pragas; monitoramento de solo;
• Pessoas: monitoramento de saúde, qualidade de vida e bem-estar;
• Cidades inteligentes: monitoramento de emergências, integração dos serviços de segurança e saúde pública, controle de tráfego, administração de recursos, monitoramento das redes de abastecimento de água com detecção de pontos de vazamento, previsão meteorológica, implementação de smart grids;
• Fábricas: otimização de operações e processos, manutenção preventiva, otimização de inventário, saúde e segurança, monitoramento de energia;
• Infraestrutura: controle e administração do uso de energia, água, elevadores; automação da segurança;
• Varejo: meios de pagamentos, otimização de layouts, otimização de estoque;
• Transporte e logística: otimização de rotas de navegação, veículos autônomos; monitoração do comportamento do motorista, manutenção preventiva dos veículos.

Devido à importância da IoT, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) estão fomentando o estudo técnico “Internet das Coisas: Um Plano de Ação para o Brasil”, que servirá de base para o Plano Nacional de IoT, o qual terá como propósito fomentar o uso de IoT para superar as dificuldades econômicas e sociais do país, além de beneficiar a gestão dos recursos das cidades prestando serviços inteligentes, bem como fortalecer as cadeias produtivas nacionais, aumentando o potencial de exportação.

As áreas prioritárias escolhidas para receber apoio do BNDES foram administração pública, saúde, agricultura e pecuária.

Por outro lado, o papel dos setores público e privado na economia digital não deve se limitar a propiciar o desenvolvimento socioeconômico. Há uma série de outras questões que precisam ser enfrentadas para que esse desenvolvimento seja sustentável e respeite garantias constitucionais.

Primeiramente, porque bilhões de dispositivos conectados à rede irão armazenar e compartilhar informações de pessoas, o que obviamente cria um ambiente propício a incidentes de segurança e tratamento inadequado de dados pessoais e dados sensíveis, fato que já ocorre com certa frequência no ambiente digital.

Por isso, é imperativo que o Estado brasileiro tenha um papel ativo na formação de normas e diretrizes relativas à segurança e privacidade dos dados coletados e armazenados, inclusive por meio de dispositivos de IoT. O Brasil, no entanto, ainda não tem uma lei geral de proteção de dados pessoais, o que gera um cenário de regulamentação defasado com a realidade tecnológica, e, consequentemente, provoca uma situação de insegurança jurídica, afastando potenciais investimentos em diversas áreas. Por isso, faz-se tão urgente a aprovação do Projeto de Lei 5.726/2016, que disciplina o tratamento de dados pessoais no Brasil, inclusive no contexto das tecnologias disruptivas.

Outras questões de ordem jurídica sobre o ecossistema da IoT também vem sendo discutidas. Recentes debates promovidos pelo MCTIC para definir o Plano Nacional de IoT revelaram preocupações sobre o impacto regulatório e tributário. Por exemplo, a necessidade do roaming internacional permanente vem sendo objeto de manifestações pelas empresas do setor, visto que regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel vigente não permite que dispositivos operem no Brasil com cartão SIM permanentemente conectados a operadoras não constituídas sob a lei brasileira.

Também se discute qual – e se necessária – a licença da Anatel seria aplicável às atividades inerente ao sistema de IoT, já que tem o potencial de abranger tanto serviços de telecomunicações quanto serviços de valor adicionado.

Outros temas como certificação, importação e tributação de hardwares, parcerias público-privadas, abertura para capital estrangeiro, e propriedade intelectual também fazem parte dos debates acerca da IoT.

O Brasil faz parte de um seleto grupo que lidera o setor de IoT no mundo. Devido as suas dimensões continentais e o tamanho da população, o Brasil é um dos países que mais pode se beneficiar com a IoT, sendo uma oportunidade única para o desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Por meio do Decreto 8.234/2014, o Governo brasileiro procurou estimular o desenvolvimento da IoT com a desoneração de tarifas para chips usados nos dispositivos de comunicação M2M (machine-to-machine). Em 2014, o Brasil era o 4º pais do mundo em conexões M2M7. Hoje o Brasil tem 20 milhões de conexões M2M, e a previsão é de que o número passe para 42 milhões até 2020.

Pelo exposto, percebe-se que a IoT tem o potencial de mudar paradigmas sociais, de forma a capacitar e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e contribuir com o desenvolvimento socioeconômico do país. Entretanto, não se deve menosprezar os riscos relacionados ao tratamento inadequado de dados pessoais.

Fica claro que o papel do Estado é crucial para mitigar esses riscos, além dos aspectos regulatórios e fiscais, sem que isso signifique burocratização ou entrave ao investimento no setor. Uma política pública adequada, em conjunto com uma regulação moderna, em sintonia com a realidade tecnológica, pode levar a um grande desenvolvimento do ecossistema de IoT no Brasil.

1 – Disponível no link
2 – Disponível no link
3 – Disponível no link
4 – Disponível no link
5 – Disponível no link
6 – The Internet of Things: mapping the value beyond the hype, p. 9.
7 – Disponível no link)3/FINAL&docLanguage=En p. 36.

*Colaboração de Vitor Koketu da Cunha