Demandas judiciais de negócios relativos a imóvel na planta: cuidados na celebração dos contratos e decisões do Judiciário


Demandas judiciais de negócios relativos a imóvel na planta: cuidados na celebração dos contratos e decisões do Judiciário


Por Leonardo Moreira Costa de Souza, Alessandra Lima Ganz e Anna Carolina Machado

Nos últimos anos, incorporadores e construtores passaram a sofrer com o aumento da judicialização de questões atinentes aos compromissos de venda e compra de futuras unidades (imóvel na planta), principalmente, dentre outras razões, em razão da crise econômica vivida no Brasil.

Nessa seara, existem previsões contratuais que podem proporcionar segurança jurídica às partes e, notadamente, ao incorporador e/ou construtor – que assume o risco do negócio – em atenção aos princípios inerentes aos contratos (e.g. boa fé), bem como na observância do modo com o qual os temas correspondentes vêm sendo mais tratados pelos Tribunais.

Matérias já consolidadas nos Tribunais

  • Ilegalidade da cobrança: Taxa Sati, Taxa de Análise de Crédito e Taxa de Cessão

Costumeiramente, os Tribunais têm firmado entendimento pela impossibilidade de cobranças das taxas acima referidas, por se entender que o objeto de suas cobranças constitui atos inerentes à atividade empresarial da incorporação e que, em razão disto, não poderiam ser transferidas aos consumidores.

A Taxa Sati (Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária) tem como objeto o auxílio de advogado da intermediadora ao consumidor para a formalização do compromisso de venda e compra em stand de venda. De acordo com o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pagamento da Taxa Sati pelo consumidor, sob qualquer circunstância, é ilegal, tendo em vista que o seu escopo é integrado a intermediação que já embasa o pagamento da comissão de corretagem, logo não haveria a caracterização da prestação desse serviço de forma individualizada.

Com relação à Taxa de Análise de Crédito (TAC), os Tribunais sedimentaram entendimento no sentido de que a realização da análise de crédito do consumidor pelo incorporador é serviço intrínseco à sua atividade, motivo pelo qual não se pode admitir o repasse de valores referentes a essa análise ao comprador, devendo tais custos estar incluídos no valor final do negócio entabulado pelas partes.

Por fim, quanto a cobrança da Taxa de Cessão (pela substituição do consumidor originário para terceiro interessado) igualmente fixou-se jurisprudência quanto à abusividade desta previsão por, supostamente, colocar o consumidor em uma posição demasiadamente desfavorável com relação ao incorporador.

Diferentemente das demais taxas analisadas, esta última tem por particularidade a sua existência eventual e condicionada à cessão de direitos e obrigações do comprador (cedente) a um terceiro (cessionário), posteriormente à celebração do negócio e fixação do preço. Seu objeto seria a realização de nova análise pelo incorporador da capacidade financeira do cessionário que, ao ser interpretado como integrante da atividade corriqueira do incorporador e aplicável ao preço de todas as transações, de fato acabam por encarecer a aquisição dos consumidores que não efetivam qualquer cessão dos direitos e obrigações adquiridos.

Contudo, diante da posição firme dos Tribunais quanto à ilegalidade da previsão de cobrança desta taxa, por absoluta falta de amparo legal e hipossuficiência do consumidor com relação ao incorporador, deve-se ponderar quanto aos riscos e custos de uma demanda judicial visando a sua inexigibilidade ou restituição, bem como quanto ao seu custo no valor do imóvel.

  • Comissão de corretagem: Requisitos para a possibilidade da cobrança

Em julgamento realizado em agosto de 2016, o STJ fixou o entendimento em sede de Recurso Repetitivo – Tema nº 938 – ou seja, válido para todas as ações que versem sobre este tema (já ajuizadas e futuras), pela possibilidade de repasse do valor da comissão de corretagem ao consumidor, desde que: (i) exista previsão contratual clara de pagamento pelo consumidor; e (ii) que o valor da comissão de corretagem não represente um aumento no valor final do imóvel.

Dessa forma, com o cumprimento destes requisitos na formalização de um compromisso de venda e compra, ou até mesmo em um contrato definitivo, o pagamento da comissão de corretagem pelo consumidor será considerado válido, não comportando qualquer tipo de restituição do montante pelo incorporador.

Vale destacar que, em ações que objetivam a rescisão contratual – por culpa exclusiva do vendedor (incorporador) – tem-se de admitido a possibilidade de restituição dos valores pagos pela comissão, por se entender que o consumidor deve ser ressarcido de todas as quantias pagas em razão do contrato firmado.

Pontos ainda controvertidos nos Tribunais

  • Possibilidade de inversão da multa contratual, em caso de descumprimento pela incorporadora/construtora: boa fé contratual e o pacta sunt servanda

Passando a análise de pontos que ainda rendem discussões nos Tribunais, elencamos a possibilidade de inversão da multa contratual – prevista apenas para casos de mora do consumidor – para os casos de mora da incorporadora/construtora.

Enquanto parte dos juristas admite tal inversão, sob fundamento nos princípios contratuais da boa fé e do equilíbrio dos contratos, outra parcela da doutrina sustenta a impossibilidade de tal inversão, com a tese no sentido de que não se pode admitir que o Poder Judiciário interfira nos contratos particulares de modo a criar obrigações a qualquer das partes, devendo prevalecer o princípio do pacta sunt servanda, ou seja, o contrato faz lei entre as partes e não pode ser modificado.

Diante da relevante discussão, o STJ afetou os Recursos Especiais nº 1631485 e nº 1614721 como representativos da controvérsia, razão pela qual o Tema nº 971 correspondente ao assunto seguirá para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos – veja a nota em que abordamos a suspensão das ações nesse sentido (“Suspensas ações que discutem inversão de cláusula penal contra construtora que atrasa entrega de imóvel”:http://www.azevedosette.com.br/noticia/suspensas-acoes-que-discutem-inversao-de-clausula-penal-contra-construtora-que-atrasa-entrega-de-imovel/4492).

Assim, com o julgamento definitivo do referido tema, restará pacificado o entendimento sobre a possibilidade ou não da inversão de multa contratual contra a incorporadora/construtora que atrasa a entrega da obra, até lá sugerimos que os contratos disponham de forma clara e precisa a respeito do tema.

  • Fixação de percentual de retenção: entendimento dos Tribunais e as previsões contidas no Pacto Imobiliário

Sabe-se que os compromissos de venda e compra e os contratos definitivos são, por sua natureza, irrevogáveis e irretratáveis. Contudo, prevalece em nossos Tribunais o entendimento (embasado em norma constitucional) de que ninguém deve permanecer contratado, se não possui mais interesse na manutenção da avença.

Desta forma, importante ponto de discussão reside na possibilidade de se cobrar do consumidor que pleiteia a rescisão contratual percentual de retenção sobre eventuais valores a serem restituídos.

Cumpre destacar que são duas as hipóteses mais comuns de rescisão: (i) por culpa exclusiva do incorporador; e (ii) resilição contratual – desistência imotivada do consumidor.

Com relação à primeira, os Tribunais têm seguido o entendimento de que a restituição dos valores deve abranger a totalidade das quantias adimplidas pelo consumidor (em alguns casos, incluindo-se a comissão de corretagem, como visto acima), bem como o seu pagamento deve ocorrer à vista, conforme enunciado sumular nº 543 do STJ.

Já com relação à segunda hipótese, o entendimento que vem sendo fixado diz respeito à possibilidade de fixação de percentual de retenção em favor do incorporador (neste caso, não se inclui a comissão de corretagem) sobre os valores a serem restituídos ao consumidor desistente, podendo variar entre 10% a 30% – a depender de cada caso, vide enunciado sumular nº 1 do TJSP.

Como tentativa de se uniformizar o tema e, por consequência, diminuir a judicialização destes negócios, órgãos representantes de incorporadores, consumidores e do Poder Judiciário formularam o “Pacto para o Aperfeiçoamento das Relações Negociais entre Incorporadores e Consumidores”, em 2016.

Neste Pacto, restou prefixado como possibilidade de retenção, independente da análise de culpa pela rescisão do negócio jurídico de: (i) 10% sobre o valor do contrato; ou (ii) a perda integral do sinal cumulada com a retenção de 20% sobre os valores pagos. Vale destacar que a primeira hipótese pode eventualmente ser considerada ilegal, haja vista que em alguns casos tal previsão pode resultar no perdimento integral dos valores pagos, situação prevista no artigo 53 no Código de Defesa do Consumidor, e considerada abusiva e nula de pleno direito.

Dessa forma, em que pese o Pacto não tenha entrado em vigor até o momento e, ainda, a regulamentação dos “distratos” esteja sem novos andamentos no Congresso Nacional, é possível se basear na previsão de perda do sinal mais 20% dos valores pagos, como sendo a melhor solução que, mesmo que não afaste eventual discussão, possui sólido respaldo nos Tribunais.

Averbação do contrato na matrícula do imóvel: publicidade

Outro ponto que merece destaque ao se tentar mitigar ações judiciais contra incorporadoras/construtoras se refere à averbação dos compromissos de venda e compra na serventia predial da (futura) unidade, tendo em vista o entendimento majoritário de que a transmissão da posse, sem a devida publicidade, sujeita a incorporadora/construtora à responsabilidade pelo pagamento de tributos e encargos incidentes sobre o imóvel.

Desse modo, com tal averbação teremos não somente a ciência inequívoca do condomínio, por exemplo, mas a publicidade erga omnes decorrente da Lei de Registros Públicos, a qual produz efeitos a todos, indistintamente.

A equipe especializada em Direito Imobiliário do Azevedo Sette encontra-se à disposição dos seus clientes para auxiliar na formalização destes contratos, bem como assessoramento nas questões processuais relacionadas.

*São respectivamente, sócio e advogadas do setor Imobiliário Azevedo Sette Advogados.