Contrato de abertura de crédito e modificação dos efeitos da alienação fiduciária em garantia


Contrato de abertura de crédito e modificação dos efeitos da alienação fiduciária em garantia


Por Alessandra Lima Ganz*

Como exposto em nosso artigo As cautelas para formalização de garantias sobre bens imóveis, um dos pontos mais sensíveis para os credores de obrigações contratuais e, mais comumente, de valores, é a busca de alternativas no intuito de mitigar os riscos do inadimplemento, os quais, por vezes, não se limitam a ausência de pagamento.

Todavia, para alcançar os objetivos plenos, não basta apenas cuidado no momento da formalização dessas garantias. Imprescindível também a avaliação da formatação do negócio jurídico, inclusive sob o ponto de vista da possiblidade, no momento de inadimplemento, de execução do contrato que embasa a dívida.

Nesse sentido, é muito comum que o segmento bancário utilize o formato de contrato de abertura de crédito como instrumento para disponibilizar linha de crédito para que o devedor realize suas atividades. Esse tipo de contrato, em sua essência, distingue-se do mútuo, uma vez que este se caracteriza pela efetiva transferência (total) do dinheiro ao mutuário.

Havendo inadimplência, as instituições financeiras normalmente encontram muita dificuldade em executar as quantias em aberto, dada a discussão sobre a ausência de liquidez do contrato devida a elementos futuros e extrínsecos ao pacto. Em síntese, a jurisprudência tem entendido que tais instrumentos não detêm de exequibilidade porque na maioria das vezes, os documentos que servem para subsidiar o débito são unilaterais.

Contrato Guarda Chuva

Esses assuntos podem ter nova abordagem com o advento da Lei nº 13.476/2017, que instituiu um regime jurídico especial quanto a formalização de garantia real na contratação de empréstimos e sua eventual execução em caso de inadimplência, ao regular a operação bancária de abertura de crédito com limite de valor, conhecida pelas expressões “contrato _umbrella_” ou “garantia guarda-chuva”.

Vale frisar que referida Lei aplica-se somente a operações do sistema financeiro similares ao contrato de abertura de crédito – por meio do qual o banco concede crédito em favor do creditado, a ser sacado até certo limite de valor e durante determinado período. Não há aplicabilidade, por exemplo, a financiamentos com alienação fiduciária para aquisição de moradia.

Essa Lei trata do “contrato mãe” que define as regras gerais para as operações de crédito ou “operações financeiras derivadas” – designação para cada mútuo celebrado, até o limite global do crédito aberto.

Em cada uma dessas operações derivadas, a taxa de juros pode variar entre os limites máximo e mínimo preestabelecidos, não havendo forma especial para a contratação – que inclusive poderão ser materializadas mediante emissão de Cédulas de Crédito Bancário, por exemplo, com juros capitalizados, entre outras formas usualmente admitidas.

A Lei nº 13.476/2017 está em consonância com o regime jurídico das garantias reais, que admitem a indicação do “valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo” nos contratos de penhor, e a contratação de hipoteca “em garantia de dívida futura ou condicionada” (de acordo com os artigos 1.424 e 1.487 do Código Civil).

Além disso, nos termos do art. 6º, ao dispor que “as garantias constituídas no instrumento de abertura do limite de crédito servirão para assegurar todas as operações financeiras derivadas, independentemente de qualquer novo registro ou averbação adicional”, põe fim a algumas das controvérsias antes enfrentadas: basta o registro do contrato mãe para que as garantias ali contidas tenham eficácia sobre todas as operações derivadas, independentemente de registro ou averbação dos instrumentos de contratação desses futuros mútuos no Cartório de Registro de Imóveis.

Sem contar que a Lei nº 13.476/2017 ainda prevê o vencimento antecipado de todas as operações derivadas, em caso de inadimplemento da obrigação do devedor em qualquer uma delas (cláusula de “cross default” ou vencimento cruzado), ocasião em que a dívida torna-se exigível em sua totalidade.

Todavia, a maior inovação trazida pela Lei nº 13.476/2017 foi a alteração da forma de realização das garantias, sobretudo quanto à consolidação e ao leilão de imóveis alienados fiduciariamente, ao tornar inaplicável — apenas às operações de abertura de limite de crédito sujeitas ao seu regime especial —, a regra prevista nos parágrafos 5º e 6º, do artigo 27 da Lei 9.514/1997, segundo a qual o devedor exonera-se do pagamento do saldo remanescente se o valor obtido em leilão for insuficiente para a quitação da dívida.

Ou seja, exclusivamente para operações bancárias de abertura de crédito com limite de valor, conhecida pelas expressões “contrato _umbrella_” ou “garantia guarda-chuva” – não se aplicando para fins habitacionais – o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados a pagar a diferença entre o valor apurado no leilão e o crédito remanescente.

Assim, a Lei nº 13.476/2017 trouxe necessária regulamentação para essa espécie de abertura de limite de crédito, conferindo eficácia abrangente ao registro das garantias e garantindo maior segurança jurídica capaz de contribuir para o aumento da oferta de crédito e para a redução do spread bancário.

A equipe especializada em Direito Imobiliário do Azevedo Sette encontra-se à disposição dos seus clientes para auxiliar no assessoramento das questões contratuais e implementação jurídica das operações imobiliárias relacionadas.

*Alessandra Lima Ganz é associada sênior da área Imobiliária Consultiva na unidade São Paulo Azevedo Sette Advogados.