Cláusulas restritivas na doação e no testamento


Cláusulas restritivas na doação e no testamento


O novo Código Civil de 2002, escudado no paradigma da Constituição de 1988, abandonou a estrutura eminentemente patriarcal, patrimonial e individualista do Código de 1916, para instituir um ordenamento civil voltado para os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da função social da propriedade, essa mudança de paradigma é perceptível em todos os princípios adotados pelo novo Código, refletindo-se também nas cláusulas restritivas ao direito de propriedade transmitido por doação ou testamento.

A bem da verdade, a doutrina mais abalizada defende que, com a nova ordem constitucional, não haveria mais espaço para tais cláusulas, porquanto estabeleçam bens fora do comércio, impedindo sua circulação e o cumprimento da função social da propriedade, uma vez que obstrui, em última análise, a própria economia, bem como os objetivos constitucionais de redução das desigualdades sociais e a promoção da igualdade.

De qualquer forma, porém, deve-se reconhecer e ressaltar os importantes avanços trazidos pelo Código Civil de 2002, como o que diz respeito à relativização dessas cláusulas restritivas.

Isso porque o artigo 1.911 do novo diploma legal inova em relação ao Código de 1916 ao permitir a alienação do bem gravado pela cláusula de inalienabilidade (que, quando imposta por ato de liberalidade – como a doação e o testamento – implica impenhorabilidade e incomunicabilidade), por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, transferindo-se a restrição para os outros bens que forem adquiridos com o produto da venda da propriedade onerada.

Essa hipótese deve ser feita mediante autorização judicial, após comprovação, pelo beneficiário (donatário ou herdeiro), da vantagem econômica que lhe irá advir de tal transferência.

Outrossim, no que diz respeito à legítima dos herdeiros necessários, o novel código coíbe e desestimula a instituição de tais cláusulas, na medida em que condiciona a sua estipulação ao registro, em testamento, de uma justa causa para tanto. Vale dizer, o testador deve declinar e comprovar em testamento, para posterior validação judicial, as razões e fatos que sustentam a sua motivação em gravar determinados bens com cláusulas restritivas ao direito de propriedade.

Assim é que os artigos 1.848 e 2.042 do Código Civil de 2002 reputam nulas as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade que forem instituídas após a vigência do novo código sem a exposição da justa causa e aquelas estipuladas na vigência do código anterior que não foram aditadas com a indicação da respectiva justa causa durante o prazo de 1 (um) ano que se transcorreu após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e findou-se em 11 de janeiro de 2004.

E, por fim e nessa linha, os estudiosos do direito e a jurisprudência vêm firmando o entendimento de que a interpretação literal da estipulação de tais cláusulas não pode se chocar com a motivação nobre que levou o legislador a criá-las e muito menos com os princípios, objetivos e garantias constitucionais, devendo ser amainada a tal ponto de se permitir, inclusive, a extinção de tais cláusulas restritivas antes da morte do beneficiário, desde que se prove judicialmente que as condições referentes à transferência graciosa do bem se alteraram de tal forma que estão a prejudicar o beneficiário, sendo impossível a manutenção das restrições, ainda que se realize a sub-rogação do gravame para outros bens.