Brasil avança em diferentes frentes no cenário tributário internacional


Brasil avança em diferentes frentes no cenário tributário internacional


Por Leandra Guimarães, Luiza Vidal e Daniel Mucci

Uma amostra da atuação do governo federal no plano tributário internacional nos últimos meses

Desde 2013, muito se tem comentado sobre projeto, e o relatório a ele vinculado, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com apoio do G20, visando o combate às estratégias internacionais de erosão de bases tributáveis e transferências de lucros por meio de planejamentos tributários agressivos, denominado Base Erosion- _and Profit ShiftingBEPS Project (Projeto BEPS – Erosão das Bases Tributáveis e Transferência de Lucros).

Em julho de 2013, durante um encontro do G20, foram divulgados os resultados dos estudos realizados no âmbito do Projeto BEPS e foi apresentado um Plano de Ação contendo 15 medidas para abordagem e enfrentamento da problemática a ele relacionada. Tais 15 medidas foram consubstanciadas em 15 Ações com recomendações para sua implementação pelos países membros da OCDE, bem como pelos países não-membros, mas integrantes do G20, entre eles o Brasil.

As 15 Ações recomendadas no âmbito do Projeto BEPS são baseadas em três pilares: (i) coerência; (ii) substância e (iii) transparência e são focadas nas seguintes principais áreas:

Ação 1 – Abordagem dos desafios fiscais da economia digital;
Ação 2 – Neutralização dos efeitos dos instrumentos híbridos;
Ação 3 – Reforço às regras de CFC – Controled Foreign Company;
Ação 4 – Limites à erosão da base tributável pela dedução de juros e outros pagamentos financeiros;
Ação 5 – Políticas de combate às práticas prejudiciais mais eficientes, com base na transparência e substância;
Ação 6 – Prevenção de abuso das convenções;
Ação 7 – Prevenção da fuga artificial ao status de estabelecimento permanente;
Ações 8 a 10 – Alinhamento das regras de preços de transferência com a criação de valores relativos a intangíveis, alocação de riscos e capital e serviços intragrupo;
Ação 11 – Adoção de metodologias para a recolha e análise de informações sobre o BEPS;
Ação 12 – Regras de divulgação obrigatória de planejamentos fiscais;
Ação 13 – Regras sobre documentação de preços de transferência e relatórios país a país;
Ação 14 – Desenvolvimento de mecanismos de resolução de conflitos mais eficazes e;
Ação 15 – Desenvolvimento de convenção multilateral para implementar medidas relacionadas com tratados tributários para impedir o BEPS.

Assim como outros países do G20, o Brasil se comprometeu a adotar os padrões mínimos (minimum standards) relacionados às Ações 5, 6, 13 e 14.

Ademais do cenário internacional acima retratado, vale ressaltar que no âmbito interno, nos últimos anos diversas iniciativas foram tomadas pelas autoridades competentes brasileiras que vão ao encontro ao Plano de Ação desenvolvido pela OCDE para implementação do Projeto BEPS, tais como a introdução ou aperfeiçoamento das seguintes regras: (i) Tributação em Bases Universais – TBU; (ii) Regras de Subcapitalização (Thin Capitalization rules); (iii) Divulgação da relação de países com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados (Black and Gray List); (iv) tentativa de introdução da declaração de planejamentos tributários através da Medida Provisória nº 684/2015 que no entanto, não foi convertida em lei; (v) ampliação da obrigação de registro no CNPJ de Sociedades em conta de participação – SCP, bem como introdução do conceito de atividade econômica substantiva para Holdings, ambas iniciativas através da Instrução Normativa nº 1.658/2016 que alterou a Instrução Normativa 1.037/201 e; (vi) introdução da Declaração País a País no contexto da documentação preços de transferências, entre outras.

Ademais, recentemente, duas outras iniciativas brasileiras no cenário tributário internacional ganharam destaque. São elas:

a) A assinatura do Protocolo que altera a Convenção entre Brasil e Argentina para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda, em julho deste ano, em meio à reunião da Cúpula do Mercosul. Para que inicie sua produção de efeito, no entanto, o Protocolo deverá ser submetido aos procedimentos legislativos internos do Brasil e;
b) Entrada em vigor da Convenção entre Brasil e Rússia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda, promulgada pelo Decreto Lei nº 9.115, de 31 de julho de 2017, após quase 13 anos de sua celebração, em 2004. A produção de efeitos dessa Convenção terá início em 01 de janeiro de 2018.

No caso do referido Protocolo que alterou a Convenção de 1980 entre Brasil e Argentina, vale ressaltar que embora o Brasil não seja signatário da Multilateral Convention to Implement Tax Treaty Related Measures to Prevent Base Erosion and Profit Shifting – MLI, assinada em Paris em junho/2017 as alterações à essa Convenção, introduzidas pelo Protocolo, vão ao encontro das sugestões articuladas pela OCDE no âmbito da MLI.

Com efeito, a MLI pôs em prática as diretrizes da Ação 151 do Projeto BEPS, na medida em que se trata de um instrumento multilateral que introduz alterações nos acordos bilaterais para evitar a dupla tributação e a evasão fiscal, firmados pelas diversas jurisdições entre si e baseados na Convenção Modelo da OCDE. E, de fato, o Protocolo firmado em julho também teve como objetivo a introdução de alterações na Convenção entre Brasil e Argentina, que é baseada na Convenção Modelo da OCDE, visando adequá-lo ao cenário internacional atual, muito mais complexo e exposto aos riscos do BEPS do que aquele cenário existente em 1980.

Dentre as alterações e novidades introduzidas por ambos diplomas, destacamos as seguintes:

I – Evidenciação através de adaptação do título e preâmbulo do Protocolo firmado com a Argentina do compromisso de se eliminar, ao invés de evitar, a dupla tributação, bem como, não criar oportunidades para a não tributação ou tributação reduzida mediante evasão ou elisão fiscal;
II – Introdução de limites à tributação de dividendos: no caso do Protocolo entre Brasil e Argentina as alíquotas máximas para tributação pelo estado onde resida a sociedade pagadora dos mesmos são: (i) 10%, caso o beneficiário efetivo seja sociedade que detenha ao menos 25% de participação no capital da sociedade que os paga, com o requisito de permanência de propriedade da participação por período mínimo de 365 dias e (ii) 15% nos demais casos. No caso da Convenção entre Brasil e Rússia a alíquota máxima é: de (i) 10% como o mesmo requisito de participação mínima no capital da investida, porém desta vez de o percentual mínimo é de 20% e sem período mínimo de permanência e (ii) 15% nos demais casos. Ainda, a Convenção com a Rússia prevê também alíquota máxima de 10% para retenções de dividendos de Estabelecimentos Permanentes.
III – Introdução de limites à tributação de juros: ambos diplomas possuem norma análogas e preveem que tais rendimentos poderão ser tributados pelo estado de que provêm até o limite de 15% do montante bruto dos juros.
IV – Introdução de limites à tributação royalties: no caso do Protocolo firmado com a Argentina foram introduzidas alíquotas máximas de 15% para royalties provenientes do uso ou da concessão de uso de marcas de indústria e comércio e 10% nos demais casos. Impende destacar que o Protocolo restringiu o escopo de aplicação da limitação de tributação à alíquota de 10%: (i) aos contratos relativos a transferência de tecnologia sempre que forem registrados ou autorizados conforme os requisitos das leis internas e; (ii) aos pagamentos pelo uso ou pela concessão do uso de obras literárias, teatrais, musicais ou qualquer outro trabalho artístico, incluindo o software, quando o seu beneficiário efetivo seja o autor ou seus herdeiros. De outro lado, houve introdução de norma específica para fins de estender o conceito e o tratamento fiscal de royalties aos rendimentos provenientes do uso ou da concessão de uso de software ou de notícias internacionais, e da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, estes últimos conforme definidos no Protocolo, à semelhança de legislação doméstica.

Já na Convenção entre Brasil e Rússia há previsão de uma alíquota máxima de 15% para tributação do montante bruto dos royalties pelo estado de que provêm.

Em tempo, também no caso da Rússia, assim como é habitual nos acordos para evitar a bitributação firmados pelo Brasil, passam a ter tratamento fiscal equiparado ao de royalties toda remuneração recebida em contraprestação pela prestação de serviços técnicos e assistência técnica. Por fim, a tributação incidente sobre as contraprestações relacionadas a quaisquer transações relativas a programa de computador serão tributáveis de acordo com a legislação dos estados.

V – Adoção de um único método para evitar a dupla tributação: outro ponto importante se refere ao método eleito para eliminação da dupla tributação. A dupla tributação ocorre quando os residentes em um dos Estados Contratantes obtêm rendimentos que são tributáveis também no outro Estado Contratante. Tanto na redação conferida pelo Protocolo que altera a Convenção entre Brasil e Argentina, quanto na Convenção entre Brasil e Rússia prevaleceu como método eleito para eliminação da dupla tributação o da imputação ordinária, isto é, a dedução do imposto pago no exterior, no cálculo do imposto a pagar na jurisdição do residente beneficiário do rendimento. Em tempo, esse já era o método previsto na redação atual da Convenção entre Brasil e Argentina, porém aplicável somente aos residentes no Brasil.
VI – Cláusulas de limitação de benefícios: tanto no Protocolo que altera a Convenção entre Brasil e Argentina, quanto na Convenção entre Brasil e Rússia, há cláusula de limitação de benefícios conferidos pelas convenções (Limits on Benefits – LOB clauses). O Protocolo entre Brasil e Argentina, dentre outras especificidades, dispõe que um benefício da Convenção não será concedido se for razoável concluir, com base em todos os fatos e circunstâncias, que a obtenção do benefício foi um dos objetivos principais de determinada operação ou acordo que resultou nesse benefício. Já a Convenção entre Brasil e Rússia determina que poderão ser negados benefícios da Convenção quando, na opinião das autoridades competentes de um dos estados contratantes, a concessão desses benefícios constituir um abuso da Convenção em vista de seus fins.

É certo que as normas de limitação de benefícios possuem caráter antielisivo, isto é, tem o propósito de enfrentar operações que possam ser interpretadas como abusivas, simuladas e afins. Vale ressaltar que normas dessa natureza em geral causam certa apreensão entre os jurisdicionados, dado o seu significativo grau de subjetividade, e a consequente insegurança jurídica gerada. Ora, por exemplo, é difícil prever quais operações ou acordos serão considerados pelas autoridades competentes “com base em todos os fatos e circunstâncias” (conforme redação dada pelo Protocolo entre Brasil e Argentina), como realizadas tendo como um dos principais objetivos a obtenção de benefício previsto na Convenção, ou ainda, quais operações constituirão abuso da Convenção. Quais os critérios serão adotados? São indagações para as quais ainda não há respostas…

VII – Trocas de informações: o Protocolo que altera a Convenção entre Brasil e Argentina e a Convenção entre Brasil e Rússia possuem normas análogas e preveem que as autoridades dos Estados Contratantes devem trocar entre si as informações necessárias para aplicar as disposições relativas as respectivas convenções. Da mesma forma, os estados também trocarão as informações necessárias para cumprimento da sua legislação interna relacionada aos tributos de qualquer espécie de ambos estados, não se limitando àqueles tributos cobertos pelas convenções.

No caso do Protocolo que altera a Convenção entre Brasil e Argentina há disposição ainda de que um estado não poderá se eximir de apresentar as informações solicitadas pelo outro estado em razão de estas não serem do interesse do primeiro no âmbito interno. Da mesma forma, não poderão recusar a entrega das informações somente por serem detidas por instituições financeiras, mandatário ou pessoa que atue na qualidade de agente ou fiduciário, ou por estarem relacionadas com direitos de participação na propriedade de uma pessoa.

Outrossim, ainda no que se refere ao cenário tributário internacional, além das mencionadas alterações nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação com a Argentina e Rússia, destaca-se como uma medida que poderá afetar futuramente as relações brasileiras no cenário tributário internacional a aprovação, em 29 de setembro, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Acordo Internacional entre o Brasil e a Suíça para o Intercâmbio de Informações sobre Matéria Tributária, que foi assinado em 23 de novembro de 2015 entre os dois países. Os termos do acordo estão previstos no Projeto de Decreto Legislativo (PDL) do Senado Federal n° 179, de 2017.

A aprovação na Câmara dos Deputados consistiu em apenas mais um passo do trâmite legislativo do Acordo, que ainda deve ser submetido à aprovação das comissões responsáveis e do plenário do Senado Federal.

Por fim, não se pode olvidar da introdução, também em 2017, através da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.681/2016, da obrigatoriedade de transmissão da Declaração País a País – DPP, que visa a troca automática entre jurisdições de informações tributárias relacionadas a grupos econômicos multinacionais.

A introdução da DPP e a troca automática de suas informações visa atender aos minimum standard previsto na Ação 13 do Projeto BEPS.

As iniciativas ora comentadas são apenas uma amostra da pujante atuação do governo federal no plano tributário internacional nos últimos meses, sinalizando um caminho sem retorno no posicionamento do Brasil quanto às políticas fiscais e tributárias internacionais. Pode até parecer singelo e lento este movimento, mas fato é que, aqueles princípios do Projeto BEPS, de coerência, substância e transparência, em maior ou menor grau, envolvem todas as economias globalizadas, e assim, uma empresa que seja parte de um Grupo Multinacional (Multinational Enterprise Groups – MNE) ou um indivíduo brasileiro, estão igualmente inseridos em um complexo ambiente de transações internacionais, que demanda a transparência e a segurança das informações, e é suportado por legislações, no âmbito nacional e internacional, cada vez mais dinâmicas e orientadas para a tributação dos lucros, rendimentos, ganhos e capitais por seus efetivos beneficiários, que se instrumentalizam através da novas obrigações assessórias, troca de informações entre jurisdições e outras iniciativas, que permitem constante monitoramento pelas autoridades fiscais dos países envolvidos.

https://www.jota.info/artigos/brasil-avanca-em-diferentes-frentes-no-cenario-tributario-internacional-17122017