A Internet como ferramenta na prática do Direito


A Internet como ferramenta na prática do Direito


Seria vedada a prática da profissão de advogado pela Internet?

A resposta é não, na minha modesta opinião, porque não há lei que proíba, no Brasil, que advogados usem a Internet como ferramenta de trabalho, um simples meio físico que na essência ela é, como bem acentuou o advogado em São Paulo, Dr. Horácio Bernardes, presidente da IBA – International Bar Association. Marco Aurélio Greco, em seu livro “Internet e o Direito” (Ed. Dialética, 2.000, pags. 12 e seguintes) ressalta a atual distinção entre meio e mensagem (informação), dizendo que a grande mudança havida com a nova tecnologia, foi que a mensagem adquiriu valor próprio, diferente do suporte físico pelo qual é veiculada e que este é o fator básico de influência e transformação nos conceitos do mundo jurídico.

Esta nova realidade, diz Greco, demanda ingente esforço de interpretação do direito positivo, ou sua adaptação a este novo perfil do exercício da atividade econômica.

Na verdade, a imprensa nacional tem publicado matérias ditas oriundas da OAB sustentando que seria vedada a prática do direito pela Internet, mas quando se lê as notícias vê-se que as manchetes divergem dos textos, porque tratavam de abusos praticados na propaganda ou publicidade de advogados na Internet, o que é bem distinto.

O que é a Internet? É uma rede mundial, é um meio físico de acesso dos usuários desse sistema a dados e comunicação, via computadores, telefonia (WAP), palmtops, iPhones, televisão a cabo (banda larga) e outros equipamentos.

Por que seria proibido aos advogados usar esse moderno meio de comunicação no exercício da profissão, aliás como por sinal já é amplamente usado pela maioria dos meus colegas, seja via e-mail, seja pela Internet propriamente dita?

Pratica-se o direito nos escritórios, nos tribunais, pessoalmente ou por via epistolar (pelos Correios), via fax, via telefone e via Internet, assim como antes se praticava também por telex e telegrama.

As partes e os advogados comunicam-se pelos meios físicos ou virtuais de que dispõem e isso é lícito e incontestável. O que se exige para legitimar a prática da profissão de advogado é que o prestador de serviços seja formado em direito, por faculdade reconhecida, tenha feito exame de ordem e esteja inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, nada mais. Se o advogado comunica-se com os seus clientes e vice-versa, pessoalmente, pelo correio, por telegrama, por fax, telex, telefone ou outro meio, inclusive Internet, trata-se de uma questão organizacional, de foro íntimo que não está legalmente restringida.

Se existem deturpações no uso da Internet, se a publicidade ou propaganda é desmedida ou se são oferecidos serviços gratuitos, isso é questão de abuso, de desvio de conduta, ou de violação ao Código de Ética, que devem ser punidos pelas Comissões ou Tribunais de Ética e Disciplina da OAB, da mesma forma que já são punidos tais abusos via imprensa falada, televisada ou escrita, por telefone (através dos 0800). Trata-se de má utilização desses meios de comunicação.

A Internet não é menos ou mais confidencial que os demais meios de comunicação, tudo depende dos mecanismos de proteção utilizados. Dizer-se que o uso da Internet violaria o sigilo profissional é desconhecer-se as regras básicas da mesma e toda a proteção existente, que embora sempre insuficiente é a disponível para todos os usuários da internet. Hoje há escutas telefônicas em todas as partes, violação de correspondência a toda hora, invasão de privacidade por meios tecnológicos indescritíveis. Hackers cada dia mais invasivos e criativos. Tudo isso, de fato, dificulta o sigilo e a confidencialidade que deve nortear as relações entre advogados e clientes, mas não a ponto de vedar ou restringir o uso de tais meios de comunicação por estes, no seu dia a dia.

A Internet é um meio ou ambiente privado que, ainda no dizer do Prof. Marco Aurélio Greco, está protegida, em princípio, pelo sigilo que resguarda as comunicações, nos termos do inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal.

O acesso à Internet é feito ou comandado sempre por pessoas, via computador ou outro equipamento, mas não deixa de haver, na essência, um contato virtual entre pessoas, donde não se pode dizer, também, que inexistiria pessoalidade na relação advogado e cliente via Internet.

Mas eu gostaria de estar antevendo novos tempos e pregando uma mudança de padrões e conceitos que acham-se entranhados nos meios jurídicos e principalmente o meio judicial brasileiro.

Somos um país que adota um sistema jurídico rígido, baseado no regime de leis e códigos que, como é sabido, remonta aos tempos da Roma antiga e tem seus fundamentos básicos no Direito Romano. Obviamente tivemos inovações à antiga Lex Romana, mas quase nada comparativamente ao sistema da Common Law dos anglo saxões, que inovou e muito em relação aos princípios do direito então dominantes e oriundos da Roma antiga.

Talvez por isso e pela relativa flexibilidade que o regime jurídico da Common Law permite a seus aplicadores e interpretes, a “era digital” tenha mais rapidamente adentrado ao meio jurídico dos países que adotam tal sistema, como por exemplo os Estados Unidos da América e o Reino Unido.

No nosso Brasil, infelizmente, nada acontece com a velocidade necessária e inovações no meio jurídico caminham a passos de tartaruga. Creio, como já disse o famoso cientista político Bolivar Lamounier, em excelente pesquisa nacional que levou a efeito em 2015, que o profissional do direito brasileiro é conservador e refratário a grandes mudanças.

Nesse quadro incluem-se também, obviamente, não apenas os advogados, mas também os integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário. A maioria se apega ao presente e não tem o hábito de planejar para o futuro, como a minha experiência de mais de 40 anos na profissão de advogado me leva concluir.

Eu até me atreveria a dizer que, até bem pouco tempo, o meio jurídico rejeitava a internet como ferramenta por medo do desconhecido. Mas, hoje, ninguém mais deve ignorar o que seja a internet e seu uso é universal.

Como escreveu Luís Nassif, em artigo na Folha de São Paulo, intitulado “A Internet e o Xerife”:

“A economia sempre caminha na frente do Direito. A Internet brasileira já está suficientemente madura para demandar leis e regulamentos que garantam direitos e contratos, mas não sufoquem a criatividade do setor.”

Na nossa profissão o mesmo deve acontecer. Temos que regulamentar a prestação de serviços jurídicos via Internet, sem proibições e sem medo do desconhecido, pois o presente já caminha pelo meio de comunicação eletrônico e ninguém conseguirá deter a marcha do fato econômico.

  • O autor é sócio fundador do Azevedo Sette Advogados. Profissional com 50 anos de experiência em compliance, governança e prevenção de fraudes nas empresas, negociações comerciais e internacionais, fusões e aquisições, joint ventures, financiamento de projetos e privatização Foi Presidente da Câmara Internacional de Comércio do Brasil (CIC-BR), é Consultor externo da ONU, Membro do Advisory Board do Conselho das Américas e do CONSEA – Conselho Superior de Estudos Avançados da FIESP e membro do BIAC – Business Industries Advisory Council da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris, França. Eleito em 2014 “Executivo do Ano” pelo IBEF-MG.