Série Saneamento Básico | Abertura do mercado de saneamento no Brasil


Série Saneamento Básico | Abertura do mercado de saneamento no Brasil


Por que a aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico pelo Senado foi recebida com tanta euforia? 

A resposta pode ser sintetizada pela oportunidade que se apresenta para a universalização dos serviços de saneamento básico no Brasil, mediante o incentivo à entrada de novos operadores e investidores nesse mercado. Estima-se serem necessários investimentos aproximados de R$ 700 bilhões para universalizar o acesso e, daí, a importância da atração do capital privado para o alcance deste objetivo. Sabe-se que o setor público não será capaz de, sozinho, realizar investimentos tão vultosos, especialmente se considerada a atual situação fiscal dos entes públicos brasileiros.

Ademais, o cenário econômico mundial, marcado pelo excesso de liquidez e pelas baixas taxas de juros, favorece o ambiente de investimentos em ativos reais e novos projetos. Em adição, há o compromisso cada vez maior de empresas e governos com metas de sustentabilidade. O acrônimo “ESG” está mudando o mercado de investimento. As preocupações ambientais, sociais e de governança demonstram que a aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico veio em excelente hora. 

A tese da abertura do mercado de saneamento veio fortemente incutida na nova lei. Dentre as principais medidas estão a obrigatoriedade de concorrência para as contratações de serviços de água e esgoto e as restrições à celebração de novos contratos de programa. Some-se a isso o incentivo à prestação regionalizada dos serviços, como forma de possibilitar a estruturação de projetos atrativos que incluam municípios menores, que teriam dificuldade de atrair investidores em um projeto isolado1. A tendência é que haja ampliação da participação privada no setor.

Por outro lado, essas medidas não significam o fim das companhias estatais de saneamento. Afinal, elas podem (i) participar e até vencer as novas licitações; (ii) renovar os atuais contratos de programa por comum acordo com os municípios; e (iii) formalizar concessões nos casos em que os serviços são prestados sem contrato (situações de fato). Estas renovações e formalizações devem ser feitas até março de 2022, pelo prazo máximo de 30 anos, e estão condicionadas à incorporação de metas de universalização (99% dos serviços de água e 90% dos serviços de esgoto até 2033) e à comprovação da capacidade econômico-financeira para atendimento desta meta.

É notório que a aludida renovação dos contratos de programa está longe de ser o desejo do setor privado, mas, nos alinhamentos políticos para a criação do novo marco, ela se firmou sob o argumento de estabelecer um cenário de transição e como forma de assegurar a (maior) atratividade de projetos de privatização das empresas estatais de saneamento. Para estes casos, o novo marco legal prevê a possibilidade de os contratos de programa ou de concessão em execução serem substituídos por novos contratos de concessão, observado o Programa Estadual de Desestatização, quando aplicável. 

Aqui, ao tratar da alienação de controle das estatais de saneamento, o novo marco do saneamento dispõe que a conversão de contrato de programa em contrato de concessão não necessariamente precisa do consentimento do titular dos serviços quando não houver a necessidade de alteração de prazo, de objeto ou de demais cláusulas do contrato no momento da alienação. Isso asseguraria maior agilidade nos processos de desestatização. Porém, conforme foi antecipado pelo relator do projeto de lei no Senado, é possível que tal previsão seja objeto de veto pelo Presidente da República.

O novo marco também estabelece – em prol da segurança jurídica almejada para o setor – que os contratos de parcerias público-privadas ou de subdelegações que tenham sido firmados por meio de processos licitatórios sejam mantidos pelo novo controlador, mediante sucessão contratual direta, em caso de alienação de controle das empresas estatais

Ainda como forma de disciplinar, atrair e otimizar os necessários investimentos privados para o alcance das metas de universalização, mesmo num cenário em que as companhias estatais de saneamento continuam atuando no setor, o novo marco tratou de regular as subdelegações realizadas por tais empresas, estabelecendo regras que visam a evitar a manutenção de empresas estatais “esvaziadas” operacionalmente, o que apenas somaria custos à prestação dos serviços. 

Para tanto, o marco dispôs que a empresa estatal prestadora dos serviços poderá subdelegar o objeto contratado, desde que observado o limite de 25% do valor do contrato original e haja benefício em termos de eficiência e qualidade dos serviços públicos de saneamento básico. Vale notar que esta limitação de 25% não é absoluta e não será aplicável para o caso dos Municípios, pertencentes a uma região metropolitana, que estiverem com estudos para concessões ou parcerias público-privadas em curso atualmente, desde que os contratos sejam assinados em até um ano da publicação da lei. A limitação também não será aplicável quando o contrato de subdelegação contiver a obrigação expressa de a empresa estatal reverter eventual valor por ela recebido em razão da subdelegação para investimentos na universalização do saneamento básico ou para pagamento de incentivos financeiros aos seus servidores que aderirem a Programa de Desligamento Voluntário. 

Ainda, seja no cenário de concessões ou de subdelegações, o novo marco tratou de estabelecer o cabimento da cobrança de taxas quando da disponibilização dos serviços, ainda que a edificação não esteja conectada à rede, sendo assegurado ao prestador, neste caso, a cobrança de um valor mínimo. Tal previsão se faz de grande valia para melhorar a financiabilidade dos projetos. Neste ponto, essencial dizer que o BNDES se manifestou no sentido de que não faltarão recursos para o financiamento de projetos de saneamento. 

Por fim, também de forma favorável à abertura do setor, o BNDES, atuando como estruturador de diversos projetos de desestatização, cuidou de estabelecer regras de habilitação capazes de permitir a entrada de novos players no mercado de saneamento. Não se está exigindo, nos projetos por ele modelados, atestação de operação de saneamento para fins de habilitação. Como critério de habilitação, exige-se apenas atestação da capacidade e experiencia na realização de investimentos em empreendimentos de infraestrutura em qualquer setor. A comprovação da experiência técnico-profissional para operação de sistemas de distribuição de água e coleta domiciliar e tratamento de esgotos sanitários apenas será exigida da licitante vencedora como condição para a assinatura do contrato. Este fato ilustra bem o desejo do governo de abrir o mercado de saneamento, já que os critérios de habilitação aditados asseguram a possibilidade de que empresas atuantes em outros setores da infraestrutura e os mais diversos investidores possam participar dos certames e adentrar no setor de saneamento. 

Portanto, a euforia em torno do novo marco legal tem seus fundamentos. A nova legislação adota medidas em favor da abertura do mercado de saneamento com o claro objetivo da universalização dos serviços e atração de investimentos. Estão sendo aventadas oportunidades para parceiros privados em novos projetos de concessão, subconcessões e privatização de empresas estatais de saneamento. Espera-se que, colocadas em prática, estas iniciativas possam trazer a competitividade e qualidade dos serviços para o setor, com ganhos para todos os envolvidos.

A respeito dessas medidas do novo marco legal, vejam-se os textos anteriormente publicados nesta série.