Revenge Porn – A pornografia de vingança


Revenge Porn – A pornografia de vingança


Coautoria da estagiária Isabel Pereira Bispo*

Na atualidade, com a facilidade de transmissão de informação e comunicação pela internet, muitos casais trocam mensagens contendo fotos e/ou vídeos de cunho sexual.

O revenge porn acontece justamente neste contexto, quando uma das pessoas envolvidas na relação, geralmente homens, divulgam sem o consentimento, a mídia íntima da outra pessoa, com o intuito de alguma forma de vingança e/ou satisfação.

Nesse sentido, cumpre diferenciar o “revenge porn” (do inglês: pornografia da vingança) e o “sexting” (do inglês: sex - sexo e texting - troca de mensagens e imagens pelo celular). Segundo Serrute (2017, apud Paniago, 2020) o revenge porn diz respeito ao ato de divulgar, através da internet, fotos ou vídeos contendo cenas de nudez ou sexo, sem autorização da pessoa que está sendo exibida, com o propósito de causar dano à vítima  

Já o “sexting” refere-se ao termo utilizado nas situações em que pessoas produzem e enviam fotos e/ou vídeos de seu corpo nu ou seminu. Isto é, o termo significa o ato de divulgar seu próprio conteúdo íntimo de forma restrita, em uma relação de confiança, seja com um parceiro ou possível parceiro. Nota-se que existe o consentimento da pessoa que envia as próprias fotos por fetiche (Paniago, 2020).

Adentrando ao conceito do revenge porn, podemos destacar quatro elementos para a sua configuração: (i) Mídia- foto, vídeos, áudio; (ii) Sentimento de que é um momento íntimo / privado; (iii) Não autorização / consentimento, podendo ser este parcial; e (iv) Disseminação intencional na internet.

Vale ressaltar, que o relacionamento entre vítima e agente nem sempre precisa ser afetivo, pode por exemplo ser por vazamento ou sequestro de senhas, grupos que exploram falhas de segurança. Contudo, o mais comum são ex-parceiros.

Outro ponto importante a ser destacado, é que na maioria dos casos as vítimas são mulheres, porém também estão sujeitos a sofrer o constrangimento os homens, os transexuais e os travestis.

A falta de controle na disseminação das imagens das vítimas, em razão da voracidade da internet, agrava ainda mais a situação. Tendo as vítimas que acionar o Poder Judiciário para ver seu direito garantido, sua imagem retirada do mundo virtual, e tornarem a desfrutar de uma vida plena (Burégio, 2015).

As consequências dessas condutas, são graves, em virtude da repercussão e da propagação dessas imagens nas redes, que pode ser vista por dezenas de pessoas intensificando ainda mais o trauma (Paniago, 2020). Os danos sofridos afetam consideravelmente as vítimas podendo desencadear: depressão, inseguranças, preconceitos, agressões, ofensas, ansiedade, perda de emprego, inclusive o suicídio. 

Exemplo disto, aconteceu com a jornalista Rose Leonel, que em outubro de 2005 após colocar fim em um relacionamento, teve suas fotos íntimas divulgadas pelo seu ex-namorado, que antes de divulgar a ameaçou para que reatassem e caso isso não acontecesse, ele destruiria a sua vida. 

E assim o fez, ele enviou e-mails com fotos nuas de Rose a familiares e colegas de trabalho. O conteúdo, divulgado inicialmente através de e-mail era acompanhado de dados pessoais da vítima, como número de telefone, e-mail pessoal e celular. Cerca de 15 mil pessoas receberam esses e-mails. (Rocha, 2017). 

Rose afirma: “Sofri um assassinato moral e psicológico, perdi tudo”. Além disto, perdeu o emprego, foi quase linchada na cidade e sofreu exclusão social, e ainda, ouvia cantadas ridículas e sofria as piores abordagens. Com tudo isso, teve depressão e não tinha mais vontade de continuar a viver (Paniago, 2020).

Hoje em dia, Rose se tornou um símbolo de combate à pornografia de vingança, tendo criado uma ONG com o nome de Marias da Internet, com profissionais especializados em crimes virtuais que realizam trabalho voluntário para auxiliar as vítimas da pornografia de vingança. Aliás, foi uma das primeiras brasileiras a ganhar no judiciário um processo contra o ex-parceiro pela prática do revenge porn (Buzzi, 2015).

No passado, como não havia previsão específica dessa conduta como crime no direito penal brasileiro, a prática do revenge porn era punida muitas vezes como difamação ou injúria, crimes cujas penas são consideradas brandas (Assunção, 2015).

Somente em 24 de setembro de 2018, foi editada a Lei nº 13.718/18, que apesar de não enquadrar especificamente o revenge porn como um crime, o tipificou como causa de aumento de pena do crime de divulgação de cena de sexo ou nudez sem o consentimento da vítima, incluído no Código Penal através do art. 218-C:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave

Aumento de pena

1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Neste aspecto, cumpre analisar a previsão do parágrafo 1º, além do dispositivo em si, pois o aumento da pena previsto pune não só a afetividade utilizada como vantagem pelo agente para cometer o delito, mas também o fim especifico da prática, apenando de forma eficaz os casos que até o momento não podiam ser tipificados.

No âmbito do Direito Civil Brasileiro, essa propagação é suscetível de indenização moral e material. E para a Constituição Federal, a divulgação não consensual de conteúdos sexuais íntimos fere os direitos constitucionais elencados na carta Magna no art. 5, X, da CF/88.

Cabe mencionar, ainda, o caso da atriz Carolina Dieckmann, que vivenciou uma extorsão quando hackers invadiram seu computador, pegaram suas fotos íntimas e cobraram um pagamento para não divulgarem. Com a repercussão do caso e das imagens da atriz, foi criada em 2012 a Lei nº 12.737/2012 com o objetivo de tipificar criminalmente os delitos virtuais (Silva, 2017). 

Após isso, em 2014, foi criado o Marco Civil da Internet, com o intuito de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres no âmbito virtual, dispondo que em casos de exposição de pornografia de vingança, após solicitação da vítima, poderá esta requerer a remoção dos materiais sexuais dos sites e aplicativos que estão hospedando. Caso não retirem, os provedores do conteúdo também serão considerados corresponsáveis pela divulgação (Silva, 2017).

Assim, a pornografia de vingança se caracteriza quando acontece o compartilhamento de áudios, fotos e/ou vídeos de conteúdo íntimo sem o consentimento da vítima como forma de vingança. A exposição desse conteúdo íntimo e a humilhação para a vítima é tão grave que se torna difícil encontrar uma solução que irá reparar todos os danos causados.

Infelizmente, ainda não existe uma solução eficaz para o fim do revenge porn, mas caso seja vítima, poderá recorrer ao judiciário para ter seus direitos minimamente garantidos.

REFERÊNCIAS

ASSUNÇÃO, Rierison Bruno. A prática de Revenge Porn e a lei 13.718/2018. Jusbrasil, [S.l.], 2019.  Disponível em: https://rierison.jusbrasil.com.br/artigos/646847263/a-pratica-de-revenge-porn-e-a-lei-13718-2018. Acesso em: 02 mar 2021.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 19 mar 2021

BUZZI, Vitória Macedo. Pornografia de vingança: Contexto histórico-social e abordagem no direito brasileiro. Disponível em:  https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/133841/TCC%20Vit%C3%B3r ia%20Buzzi%20Versao%20Repositorio.pdf?sequence=1> Acesso em: 10 mar 2021.

BURÉGIO, Fátima. Pornografia da Vingança. Você sabe o que é isto? Jusbrasil [S.l.], 2015. Disponível em: https://ftimaburegio.jusbrasil.com.br/artigos/178802845/pornografia-da-vinganca-voce-sabe-o-que-e-isto. Acesso em: 16 mar 2021.

CASTRO, Marina. Consequências psicológicas de Revenge Porn são maiores em mulheres, afirma professora. Disponível em: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/12/consequencias-psicologicas-de-revenge-porn-sao-maiores-em-mulheres-afirmaprofessora/ Acesso em: 19 mar 2021.

GOMES, Maria Cecília Oliveira. Revenge Porn e Sexting: parâmetrosda pornografia virtual. Justificando, [S.l.], março de 2015. Disponível em: www.justificando.com/2015/03/28/revenge-porn-e-sexting-parametros-da-pornografia-virtual/. Acesso em: 02 mar 2021.

PANIAGO, Isabella Pereira Rosa. “Revenge Porn”: não seja a próxima vítima. Âmbito Jurídico, [S.l.], 2020. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/revenge-porn-nao-seja-a-proxima-vitima/. Acesso em: 24 fev 2021.

ROCHA, Raissa Pereira. A pornografia de vingança virtual frente ao direito penal, o papel da Lei nº 11.340/2006 na proteção das vítimas, 2017. Dissertação – Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2017. Disponível em: https://rosario.ufma.br/jspui/handle/123456789/1793. Acesso em: 18 mar 2021.

SILVA, Larissa Soares Duarte de Lima e. Pornografia de vingança e sua fragilidade no ordenamento jurídico penal. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 23 nov 2017. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/51055/pornografia-de-vinganca-e-sua-fragilidade-no-ordenamento-juridico-penal. Acesso em: 02 mar 2021.