Regulação do Saneamento Básico: Para além do Novo Marco


Regulação do Saneamento Básico: Para além do Novo Marco


A regulação pode ser ferramenta decisiva para mudar o cenário, alavancar investimentos e universalizar os serviços de saneamento básico no Brasil. Dados da organização Trata Brasil indicam que 17% da população não tem acesso a água tratada e 47% não tem acesso a tratamento de esgoto. Seriam necessários R$ 303 bilhões em 20 anos para a universalização dos serviços1.

O atual modelo regulatório-institucional prioriza o investimento público e a exploração de serviços por empresas estatais ou autarquias, tendo se mostrado insatisfatório e insustentável no longo prazo. Por outro lado, não estão sendo colocadas em prática estruturas regulatórias que incentivem os investimentos privados e quebrem a inércia do setor.

Majoritariamente, os serviços de saneamento são prestados por empresas estatais detidas pelos Estados, que se encarregam dos serviços mediante contrato de programa firmado junto aos municípios, ou, ainda, sem qualquer tipo de formalização. Via de regra, os serviços passam a ser explorados sem a realização de procedimento licitatório prévio e competitivo. E isso tudo com chancela da legislação atual. 

Essa contratação direta de empresas estatais se mostrou deletéria, tendo gerado ausência de estímulo à inovação e à eficiência, bem como baixa capacidade de evolução de indicadores por parte dos operadores públicos. Por outro lado, a dificuldade de acesso de operadores privados à prestação dos serviços também inibe melhorias dos serviços e novos investimentos.

Em que pese ser este o cenário hoje vivenciado, há vasto campo para mudanças regulatórias no setor de saneamento, com a possibilidade de se construir um contexto mais positivo aos investimentos. 

Em uma primeira vertente, pode ser adotada a estratégia da regulação por agências para os serviços executados por operadores que não participaram de procedimentos competitivos para assunção do serviço. Nesta estratégia, a cada ciclo regulatório (cerca de 4 ou 5 anos) são revistos os critérios das receitas das empresas para reenquadramento das tarifas frente às condições econômicas e os investimentos a serem realizados. 

Pode se lançar mão de técnicas como a yardstick regulation e a benchmark regulation, pelas quais a empresa regulada é comparada com outras empresas (reais ou fictícias) a fim de estabelecer parâmetros de eficiência. Espera-se, assim, que a eficiência econômica não capturada pelo procedimento licitatório possa ser absorvida a cada revisão tarifária.

Neste percurso, o desafio é a multiplicidade de entes reguladores na matéria, que deve ser reduzida. No limite, cada município do país detém autonomia administrativa para adotar sua política e técnica regulatória própria. Ademais, os entes reguladores deverão ter a confiança dos operadores de que são utilizados critérios técnicos adequados para o estabelecimento de tarifas e obrigações.

Numa segunda estratégia, para os serviços que foram delegados via concessões, pode se fazer o uso de regulação contratual. Aqui, o contrato é quem ditará a tarifa, cujo valor foi definido em ambiente competitivo entre empresas licitantes. Com isso, será possível converter a eficiência das empresas em redução de tarifas, somada ao cumprimento de investimentos e metas de qualidade dos serviços prestados.

Por fim, veja-se que a regulação contratual deverá conviver com a permanente incompletude de contratos complexos e de longo prazo. As imprevisões, incertezas e concretização de riscos durante a execução contratual poderão levar à necessidade de revisões não só tarifárias, mas de toda a governança da relação. Disso também decorrem riscos de exercício de posições oportunísticas entre as partes, com possível prejuízo para a eficiência na prestação de serviços. Faz-se necessário regular as incertezas que inarredavelmente ocorrerão, evitando-se renegociações indevidas nos contratos – prática infelizmente usual neste setor e em outros setores de infraestrutura. O país possui ampla experiência nesta seara, mas acreditamos que possa/deva ser aprimorada.

É diante deste cenário aqui traçado em suas grandes linhas que o Novo Marco do Saneamento Básico – Projeto de Lei 4.162/2019 – terá de se colocar. Estas estratégias regulatórias, somadas e colocadas em prática, poderão trazer soluções e respostas para o setor e, enfim, permitir a universalização dos serviços para toda a população.

http://www.tratabrasil.org.br/

Material informativo deste artigo, disponível para download em anexo.