Processos seletivos e a inclusão de gênero: É possível conciliar?


Processos seletivos e a inclusão de gênero: É possível conciliar?


As questões relativas a uma força de trabalho diversificada e inclusiva estão cada vez mais em alta e tem se percebido uma forte tendência das empresas a se adequarem, especialmente para se manterem em conformidade com as práticas ESG - três letrinhas que vêm movimentando o mercado: Environmental, Social, and Corporate Governance, ou, na versão em português, ASG - Ambientais, Sociais e de Governança.

Cada uma das letras da sigla ESG representa um pilar utilizado para examinar a sustentabilidade de um modelo de negócio - e a diversidade do quadro de empregados é um aspecto relevante na análise do impacto social de uma empresa. 

O maior foco na personalização de políticas de diversidade e inclusão para refletir o comprometimento com as políticas atreladas ao ESG, ou mesmo a busca de reparação histórica da exclusão de minorias do mercado de trabalho digno, já foi iniciado. No Brasil, os novos processos seletivos anunciados pela XP Inc. e pelo Magazine Luiza chamaram atenção no último ano e, ao que tudo indica, serão uma tendência em grandes empresas.

Em 17 de julho de 2020, a XP Inc., que concentra diversas marcas do mercado financeiro - como a própria XP Investimentos - anunciou um compromisso público de atingir a equidade de gênero em seu quadro de colaboradores até 2025, em todos os níveis hierárquicos. Em janeiro de 2021, em consonância com o compromisso firmado, a empresa anunciou 100 vagas exclusivas para mulheres, em especial nos setores de negócios e tecnologias.

No mesmo ano, em 18 de setembro, o Magazine Luiza lançou um programa de trainee cujas vagas foram destinadas exclusivamente para pessoas negras. A iniciativa da varejista foi tomada após a constatação de um enorme desequilíbrio em seu quadro de empregados, haja vista que, apesar de 53% de sua força laboral serem pretos ou pardos, apenas 16% desses ocupavam cargos de liderança.

E, não obstante os conhecidos benefícios de uma força de trabalho diversificada, como a maior inovação e competitividade, os processos seletivos direcionados a determinado grupo ou gênero são raros, porém crescentes as dúvidas a esse respeito, em razão da contemporaneidade do assunto e da conscientização sobre o tema.

Em que pese a ausência de legislação específica que regulamente os processos inclusivos de gênero, é possível constatar a validação de referidas políticas através de entendimentos já proferidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao examinar a constitucionalidade de ações afirmativas.

A título exemplificativo, cita-se o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, que analisou a adoção de cotas raciais na Universidade de Brasília, em que o STF destacou que ações afirmativas não só estão de acordo com a Constituição Federal, mas também atuam confirmando o princípio da igualdade, previsto no artigo 5º do texto constitucional. Do mesmo modo, ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 41, que analisou a Lei de Cotas (Lei 12.990/2014) no serviço público federal, o STF decidiu pela constitucionalidade da lei, afirmando que a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia”, em razão da desigualdade estrutural e institucional presente na sociedade brasileira.

Do mesmo modo, a própria Constituição Federal, em seu artigo 170, VII, estabelece como um dos princípios que regem a ordem econômica a “redução das desigualdades regionais e sociais”, o que confirma o caráter constitucional de processos seletivos de inclusão. Além disso, a Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 373-A, ampara e incentiva a adoção de condutas discriminatórias positivas

Para que não restem dúvidas sobre o tema, é importante se ter claro o conceito de discriminação positiva que, no âmbito das relações trabalhistas, consiste na criação de ações afirmativas traduzidas especialmente em processos seletivos específicos visando o alcance da igualdade constitucional, como, aliás, já tratou o Ministério Público do Trabalho, na Nota Técnica do GT de Raça nº 001/2018, e na Convenção Internacional da ONU Contra a Discriminação Racial, em seu art. 1º, §4º.

Assim, apesar da ausência de expressa previsão legal quanto ao processo seletivo de inclusão de gênero, que desperta elogios e também duras críticas, salvo melhor juízo, entendemos que a sua adoção está amparada no ordenamento jurídico, sendo, contudo, necessário observar certos cuidados em sua adoção.

Antes de tudo, é importante que o processo seletivo de inclusão tenha um objetivo definido, de forma que fique claro aos candidatos que a restrição de gênero se dá com o único propósito de redução da desigualdade e, ainda, que as vagas destinadas sejam aquelas em que notoriamente aquele grupo ou gênero é minoria, de forma a se alcançar verdadeiramente o objetivo de inclusão.

Vale lembrar que a transparência na seleção e sua adequação aos propósitos e valores da empresa devem ser observadas e é peça chave para que o processo seletivo corra sem maiores entraves.