PPPs em alta, apesar do saneamento


PPPs em alta, apesar do saneamento


Fonte: Portal Valor (04/08/2021)

Rodrigo Carro

Criadas em 2004, a partir de uma lei sancionada no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as parcerias público-privadas (PPPs) ganharam visibilidade no período que antecedeu a Rio 2016, como forma de tirar do papel o Parque Olímpico. Cinco anos depois, esse segmento de mercado está em aparente ebulição. O período de janeiro a junho deste ano foi o melhor primeiro semestre desde 2017. Foram lançados 318 novos projetos de PPPs e concessões no país, segundo levantamento da consultoria Radar PPP.

O total é 20,5% superior ao registrado no primeiro semestre do ano passado (264 PPPs). E quase 41% maior do que o contabilizado no mesmo período de 2019, quando a consultoria identificou o lançamento de 226 parcerias. Chama a atenção o fato de estarmos ainda no primeiro ano de mandato dos prefeitos eleitos em 2020. A título de comparação, em 2017, primeiro ano da gestão municipal anterior, foram lançados 143 projetos de janeiro a junho.

De janeiro a junho, foram lançadas 318 novas parcerias

O primeiro ano de mandato, nos casos em que não há reeleição, costuma se caracterizar por um processo de reconhecimento do terreno pela prefeito entrante. É natural que o candidato vitorioso gaste ao menos os primeiros meses de mandato para tomar pé da situação operacional e financeira da prefeitura. Em 2021, ao que tudo indica, a cautela foi amenizada pelo fato de 40,4% das cidades brasileiras terem reeleito seus prefeitos. O percentual consta de um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgado em novembro de 2020.

Sócio da Radar PPP, Bruno Pereira enxerga no total de PPPs lançadas no primeiro semestre deste ano algo mais que os efeitos da continuidade política. A adesão dos prefeitos a esse tipo de parceria - das 318 PPPs lançadas entre no primeiro semestre, cerca de 200 são de municípios - reflete uma mudança “cultural” em curso, argumenta ele. Diante da escassez de recursos públicos para investimento, tanto eleitores como gestores públicos estariam mais propensos a aceitar formas de tornar os serviços públicos mais eficientes com a participação do setor privado.

A relativa popularização do formato está levando prefeituras - como a de Florianópolis - a discutir a concessão à iniciativa privada de serviços de gestão de cemitérios públicos. A prefeitura da capital catarinense publicou em 16 de julho um chamamento de estudos de viabilidade com essa finalidade.

O avanço das parceria público-privadas, em termos quantitativos, é evidenciado pelo número de projetos monitorados pela Radar PPP. Desde 2016, a quantidade quase quadruplicou. Em 2 de julho deste ano eram 3.111.

Os números encorajadores dos últimos anos, no entanto, contam apenas parte da história. Por detrás dos dados favoráveis se esconde um problema generalizado de qualidade. Das cerca de 1.500 novas PPPs lançadas nos últimos quatro anos, só um quinto resultou em contatos assinados - a frustração foi de 80%.

Longe de serem uma panaceia capaz de alavancar investimentos com participação mínima do Estado, as PPPs se assemelham mais a uma compra parcelada. O poder concedente continua a desembolsar recursos no médio e longo prazos mesmo depois de concluído o projeto.

Inaugurado dois meses antes do início dos Jogos Olímpicos do Rio, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) consumiu R$ 1,69 bilhão até o fim do ano passado. Para os próximos nove anos, a projeção oficial é de que o trem movido a eletricidade receba mais R$ 1,04 bilhão em aportes da Prefeitura.

Legado olímpico à parte, o setor de saneamento - destaque em 2021 por conta do leilão de concessões de serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) - não demonstra a mesma vitalidade em termos de PPPs. No intervalo de janeiro a junho deste ano, foram lançadas 34 parcerias nos segmentos de água e esgoto. Isso é praticamente o dobro do que foi contabilizado no primeiro semestre do ano passado (18).

Ainda assim, houve queda expressiva em relação a 2019, quando o total de PPPs chegou a 39 na primeira metade do ano. O resultado pode parecer surpreendente se considerarmos a aprovação do novo marco do saneamento básico em junho do ano passado.

Mas, apesar dos R$ 22,7 bilhões arrecadados com a licitação de concessões da Cedae, em 30 de abril, a mudança estrutural ainda está sendo digerida pelo mercado.

Isso não significa em absoluto que o setor esteja parado. Está marcado para 2 de setembro o leilão da concessão plena de serviços de água e esgoto para as áreas urbanas dos 16 municípios que compõem o Estado do Amapá. O investimento estimado é de R$ 3 bilhões. Em Alagoas, os editais de dois novos blocos de cidades estão em fase de consulta pública, num total de 89 municípios.

Já existe espaço considerável para os projetos tocados com recursos privados decolarem e, de fato, há um estoque de projetos de saneamento em gestação, constata Leonardo Moreira Costa de Souza, sócio do escritório Azevedo Sette Advogados.

Se por um lado Souza vê um estoque de possíveis concessões e PPPs de saneamento em formação, por outro ressalta que há questões regulatórias pontuais em discussão.

Como exemplo, o advogado cita dificuldades a serem superadas na definição das estruturas de governança na formação de regiões compostas por vários municípios diferentes. “Você tem vetores jurídicos, políticos e sociais envolvidos”, diz o advogado, para depois acrescentar que não há questões regulatórias comprometendo de forma absoluta a evolução do mercado.

A regionalização, com o agrupamento de cidades não atendidas por estatais estaduais, evidencia que a solução para a falta de água potável e de esgotamento sanitário passa inevitavelmente pelos municípios, titulares dos serviços de saneamento. Mas, a julgar pelos números deste ano, ainda há um longo caminho a ser percorrido, especialmente num país com 5.570 cidades.

https://valor.globo.com/brasil/coluna/ppps-em-alta-apesar-do-saneamento.ghtml