O STJ e os meios atípicos de execução


O STJ e os meios atípicos de execução


Ao lado dos meios de execução típicos ou diretos, como o bloqueio de valores em conta e a penhora de outros bens, o artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil deu poderes ao magistrado para adotar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para garantir ao credor a satisfação de seu direito.

Com base nesse dispositivo os juízes passaram a adotar os chamados meios atípicos de execução, medidas consideradas de coerção indireta e psicológica para obrigar o devedor a cumprir determinada obrigação. Entre as medidas que a Justiça vem adotando com essa finalidade estão a apreensão de documentos e o bloqueio de cartões de crédito.

Os meios de execução atípicos ocasionaram um debate acirrado sobre as condições e os limites de sua utilização, mas já foram analisados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No julgamento do REsp 1.864.190, a Terceira Turma decidiu que os meios de execução indireta têm caráter subsidiário em relação aos meios típicos e, por isso, o juízo deve observar alguns pressupostos para autorizá-los, como, por exemplo, indícios de que o devedor tem recursos para cumprir a obrigação e a comprovação de que foram esgotados os meios típicos para a satisfação do credor.

Na execução que deu origem ao recurso especial, o credor pediu a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), a apreensão do passaporte e o cancelamento de cartões de crédito do devedor. Os pedidos foram indeferidos em primeira e segunda instâncias.

No julgamento do recurso, a relatora, Min. Nancy Andrighi, argumentou que, no CPC/2015, o legislador optou por conferir maior elasticidade ao desenvolvimento da execução, de acordo com as circunstâncias de cada caso. Porém, lembrou que isso não significa que qualquer modalidade executiva possa ser adotada de forma indiscriminada, sem balizas ou meios de controle efetivos.

Por outro lado, a relatora apontou ser necessário diferenciar a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica (que são apenas medidas executivas indiretas) em relação às sanções civis de natureza material, essas últimas com capacidade de ofender a proteção patrimonial, já que configuram sanções em razão do não pagamento da dívida.

Segundo a relatora, "A diferença mais notável entre os dois institutos enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado têm como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indiretos".

Para ela, a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas, posto que essas medidas apenas pressionam psicologicamente o devedor para que ele se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação.

A Min. Nancy ressaltou, também, que para a medida atípica ser adotada, o juiz deverá intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo e, na sequência, caso não haja o pagamento, realizar os atos de expropriação típicos.

Apenas depois de esgotar os meios diretos de execução é que, segundo a relatora, o juízo poderá autorizar, em decisão fundamentada, a utilização das medidas coercitivas indiretas – não bastando, como fundamento, a mera repetição do texto do texto do artigo 139 do CPC.

E concluiu: "Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo".

Em outros arestos (REsp 1.782.418 e REsp 1.788.950), a mesma Terceira Turma adotou entendimento convergente, definindo que as medidas atípicas, sempre em caráter subsidiário, só devem ser deferidas se houver no processo sinais de que o devedor possui patrimônio expropriável, pois, do contrário, elas não seriam coercitivas para a satisfação do crédito, mas apenas punitivas.

A mesma posição tem prevalecido nas duas turmas de direito privado do STJ quanto à possibilidade de retenção ou suspensão dos documentos (CNH e passaporte por exemplo), desde que por decisão fundamentada e após o esgotamento das vias executivas típicas. 

Em 2018 a Quarta Turma adotou precedente importante no sentido de que é ilegal e arbitrária a retenção do passaporte em decisão judicial não fundamentada e que não observou o contraditório.

Na ocasião, o relator do recurso, Min. Luis Felipe Salomão, esclareceu que o STJ reconhece a validade da utilização do habeas corpus para questionar a apreensão de passaporte, como no caso analisado, pois a medida limita a liberdade de locomoção.

O Ministro ponderou que, em relação aos instrumentos executivos atípicos, o mérito das inovações trazidas pelo CPC/2015 foi a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional, mas que essa circunstância não pode afastar as regras constitucionais, em especial a restrição injustificada de direitos individuais.

No caso dos autos, o relator destacou que o juízo da execução se limitou a deferir o pedido de suspensão do passaporte, sem se preocupar em demonstrar a necessidade e utilidade da medida. Como consequência da falta de fundamentação da decisão e da ausência do exercício do contraditório pelo devedor, o Min. Salomão considerou arbitrária a retenção do documento.

Para ele, "O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência" (RHC 97.876).

Com base nesses mesmos requisitos, no HC 597.069, a Terceira Turma manteve a apreensão de passaporte determinada em uma execução de dívida de aluguéis. A medida foi determinada em primeiro grau, após o não pagamento voluntário e o insucesso das tentativas de localização de bens. 

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou a ordem judicial, mas limitou os seus efeitos até o oferecimento de bens pelo devedor ou a realização de penhora.

No habeas corpus, a defesa alegou que as medidas restritivas seriam ilegais, desproporcionais e arbitrárias, pois somente o patrimônio da devedora deveria responder pelas dívidas, e ela se encontrava em Portugal, impedida de retornar ao Brasil por motivos financeiros.

O relator do HC, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, esclareceu que, segundo o próprio advogado, a devedora teria a intenção de morar fora do Brasil. "Pode-se daí extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio, não deixando, pelo que se verificou no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, e vindo a pretender residir fora do país e para lá levar o seu patrimônio e, quiçá, lá incrementá-lo, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro”.

O relator considerou legítimas e razoáveis as medidas coercitivas adotadas pelo juiz da execução.

Execuções Fiscais

No âmbito do direito público, a Primeira Turma, ao julgar o HC 453.870, firmou o entendimento de que a apreensão de passaporte em execução fiscal é desproporcional e inadequada à satisfação do crédito.

Segundo o relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), a adoção dos meios indiretos de execução visa não apenas garantir o direito da parte exequente, mas também salvaguardar o prestígio da Justiça, tendo em vista que o não cumprimento de uma decisão judicial atenta contra a sua dignidade.

Todavia, o relator apontou que essas medidas atípicas se situam eminentemente no mercado de crédito.

No caso das execuções fiscais, o Min. Napoleão lembrou que o Estado já é "superprivilegiado" em sua condição de credor, dispondo de varas especializadas para a condução das ações, um corpo de procuradores voltado para essas causas e uma lei própria para regular o procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais específicos.

E concluiu: "Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos".

Improbidade Administrativa

Em julho deste ano, a Segunda Turma considerou possível a determinação de medidas atípicas no cumprimento de sentença condenatória por improbidade administrativa, ao julgar o (REsp 1.929.230).

A tese foi fixada em processo no qual, após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o valor referente à sanção pecuniária aplicada ao agente público. Diante disso, o juízo determinou a apreensão da CNH e do passaporte do executado. Em segunda instância, contudo, o tribunal reverteu a decisão, por entender que a medida atentaria contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.  

O relator, Ministro Herman Benjamin, afirmou que, nas ações de improbidade, não é possível admitir a realização de manobras para escapar das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta.

De acordo com o relator, os parâmetros construídos – especialmente pela Terceira Turma, que julga processos de direito privado – para a verificação da validade das medidas atípicas de execução são adequados também para a avaliação dos requisitos na ação de improbidade.

E asseverou: "Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão". 

A equipe de Direito Bancário e Financeiro do Azevedo Sette Advogados se coloca à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.

Fonte: STJ