O imbróglio da PPP de iluminação pública paulistana


O imbróglio da PPP de iluminação pública paulistana


Mesmo aqueles que não acompanham o cenário de concessões e PPP’s já ouviram alguma coisa a respeito da contratação da concessão administrativa da iluminação pública do Município de São Paulo. É que, além de se tratar da iluminação pública na maior e mais importante cidade do país, o valor da contratação está estimado em cerca de 7 bilhões de reais!

Mas, quem estava esperando que a história percorresse caminhos menos tortuosos após a determinação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de anulação da Concorrência Internacional nº 01/SES/2015 e de preparação de um novo procedimento licitatório, foi surpreendido com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em meados de abril, o Presidente do STJ considerou que a manutenção da decisão da justiça paulista afrontaria o interesse público e poderia gerar grave lesão ao Município, tendo em vista o caráter essencial do serviço de iluminação pública.

Concorrência

Os seguintes licitantes participaram da concorrência internacional nº 01/SES/2015: (i) Consórcio FM Rodrigues/CLD, formado pelas empresas FM Rodrigues & Cia Ltda. e CLD Construtora, Laços Detetores e Eletrônica Ltda.; (ii) Consórcio Walks, formado pelas empresas KS Brasil Led Holdings Ltda., WPR Participações Ltda. e Quattro Participações S.A.; e (iii) Consórcio Ecobraslux, formado pelas empresas Shanghai Yaming Lighting Co., LTD e Agroenergia do Norte S/A e Santa Edwigis Empreendimentos e Participações S.A. 

Após a análise da garantia da proposta, a Comissão Especial de Licitação julgou regulares os documentos apresentados pelos licitantes (i) e (ii). No curso do certame, porém, a Comissão inabilitou o Consórcio Walks devido à extensão da sanção de inidoneidade aplicada pela Controladoria Geral da União a uma pessoa jurídica integrante do Consórcio e, em sede recursal, reviu seu posicionamento original e decidiu pela deficiência da garantia de proposta apresentada.

Percalços

Durante dois anos (entre fevereiro de 2016, data em que foram recebidos os envelopes, e fevereiro de 2018, data em que o objeto da licitação foi adjudicado ao Consórcio FM Rodrigues/CLD) o procedimento licitatório foi bombardeado, seja por licitantes, seja por terceiros interessados, tanto no âmbito judicial quanto no administrativo. Grande parte das medidas tinham como ponto central a discussão da inabilitação do Consórcio Walks e o julgamento antecipado da habilitação, inaceitável em procedimento que previa a inversão de fases.

A confiabilidade do certame foi ainda mais abalada com a instauração, pelo Ministério Público de São Paulo, de investigação para apurar suspeitas de pagamento de propina ao Departamento de Iluminação Pública da capital paulista – ILUME¹.

Decisão TJSP

Foi considerando este panorama que o TJSP entendeu que mesmo sanadas as irregularidades presentes no certame (de acordo com o Tribunal, havia vício formal quanto à decisão que estendeu ao Consórcio Walks a sanção de inidoneidade e a garantia da proposta apresentada estava de acordo com as exigências editalícias), restaurado o princípio da legalidade e restabelecida a ampla competição, a contratação da PPP não poderia prosperar.

Isso porque, segundo a justiça paulista, o contexto tumultuado e tormentoso em que se (des)enrolou o procedimento licitatório revelou decisões conflituosas, prejudicando de morte a credibilidade do certame. Além disso, o TJSP alertou para os “indícios sérios e concatenados de licitação desviada do rumo ordinário”, bem como para a afronta aos princípios de legalidade e de concorrência, que, segundo o órgão julgador, restou “substancialmente frustrada por falta de competitividade”. Tudo isso apontou para a insubsistência do certame em seu todo, sendo necessária, assim, a instauração de um novo procedimento licitatório, livre de mácula.

A anulação provocou um efeito cascata, ou seja, anulado o procedimento licitatório, o contrato de PPP firmado seguiu o mesmo destino. A fim de que não houvesse o comprometimento da prestação de serviço público de caráter essencial, o TJSP modulou a decisão e determinou a manutenção provisória do contrato quanto aos serviços de manutenção da iluminação pública, evitando-se, desta forma, calamidade pública no Município.

STJ

O que se viu, no entanto, foi mais uma reviravolta: o STJ, ao acolher o pedido da Concessionária Iluminação Paulistana SPE S.A., considerou que a anulação do certame, além de contrária ao interesse público, poderia causar lesão ao Município, uma vez que o contrato de PPP já havia sido assinado.

Não obstante a modulação dos efeitos do contrato adotada pelo TJSP, o STJ entendeu que a anulação “causa prejuízos ao interesse público e potencializa o risco para a continuidade do serviço prestado pela requerente, que havia vencido certame, adjudicado objeto e assinado contrato para concessão administrativa de 20 anos”.

Insegurança jurídica

De fato, o estado de insegurança é altíssimo para todos os stakeholders

De um lado, a Concessionária de serviço público executa o contrato com parcimônia, aguardando posição firme para mobilização e realização dos investimentos obrigatórios. 

De outro, o Consórcio Walks se beneficia da fundamentação do TJSP acerca da ilegalidade de sua exclusão do certame, podendo, com isso, cavar uma oportunidade de voltar ao jogo. 

Temos ainda o Município de São Paulo que, amargando os efeitos negativos do desgaste político, remodelou a concessão do serviço de iluminação pública e colocou na praça consulta pública para construção de um modelo competitivo que atenda ao interesse público. Ademais, diante de tantas incertezas, a tão aguardada economia na conta de energia não tem data prevista.

Há os potenciais licitantes que, mesmo diante do cenário desafiador, se preparam para concorrer para prestação do serviço de iluminação pública (se, de fato, houver novo procedimento licitatório).

E não se esqueça da população paulistana, maior prejudicada na atual conjuntura, eis que restou sem a melhoria do serviço em questão, tão essencial per se, como também para promoção de segurança pública.

No aguardo das cenas dos próximos capítulos!


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¹ O Ministério Público arquivou a investigação devido à inexistência de provas da materialidade delitiva e indícios de autoria dos crimes de organização criminosa, corrupção e delitos licitatórios.