Nova ADI contra o Novo Marco do Saneamento: Inconformismo jurídico ou político?


Nova ADI contra o Novo Marco do Saneamento: Inconformismo jurídico ou político?


As discussões sobre o Novo Marco do Saneamento Básico (Lei 14.026) continuam e estamos apenas no início da estruturação jurídica e institucional de um novo modelo regulatório e de intervenção estatal para o setor. E como toda inovação, o Novo Marco ainda está sujeito à críticas. 

Contrários às mudanças implementadas, quatro partidos políticos vencidos nas votações do Novo Marco – PC do B, PT, PSOL e PSB – ajuizaram ação direita de inconstitucionalidade (ADI) em face de disposições da nova legislação. Essa ação soma-se à ADI proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) há menos de um mês. Recentemente, em 05 de agosto, o Ministro Luiz Fux negou medida liminar para suspender a aplicação da referida lei por entender que não há qualquer violação à Constituição.

A peça inicial apresentada ao STF é bastante extensa e combina argumentos estritamente jurídicos e técnicos com argumentos de cunho político e principiológico, ora para questionar as razões que sustentam o modelo regulatório proposto pelo Novo Marco, ora para questionar dispositivos específicos do texto legal. Vejamos abaixo alguns dos argumentos jurídicos levantados e a análise de seus fundamentos.

  • Seria inconstitucional a atribuição de competências regulatórias sobre o saneamento básico à Agência Nacional de Águas (ANA), visto que esta é originalmente competente e preparada para lidar com “águas brutas”, e não serviços de saneamento.

Análise: Não há previsão constitucional específica sobre as matérias de competência da ANA ou sobre a impossibilidade da cumulação de competências regulatórias sobre mais de um setor. Cabe aos governos instituírem e organizarem as agências reguladoras conforme entenderem melhor adequado ao interesse público e ao programa de governo. Nesse sentido, o papel do Novo Marco é de fortalecer e instrumentalizar a ANA para que ela tenha capacidade técnica para cumprir suas competências. 

  • A atribuição de competências para estabelecer “normas de referência” para o setor de saneamento violaria o princípio da autonomia municipal, já que se tratam de regras coercitivas e impositivas ao condicionarem repasses da União à adesão a essas normas referenciais.

Análise: Esta mesma argumentação foi levantada pela ADI apresentada pelo PDT e foi rechaçada pela decisão monocrática do Ministro Luiz Fux. Vale lembrar que a Constituição prevê competência da União para estabelecer diretrizes gerais do saneamento básico (art. 21, XX). E essas regras não são coercitivamente impostas aos municípios, funcionando o condicionamento dos repasses apenas como incentivo financeiro à adesão dos entes subnacionais e como a criação de limites legais para a União dispor de seus recursos, a exemplo do que já existe na Lei de Responsabilidade Fiscal.

  • Ainda com relação à competência reguladora da ANA, alega-se a inconstitucionalidade da transferência do exercício de competência legislativa para a autarquia federal, a ser exercida por meio de instrumentos infralegais.

Análise: Observe-se que a competência legislativa da União não está sendo transferida para outro ente (um Estado-Membro, por exemplo), mas sendo exercida pelo próprio Congresso Nacional. Ocorre, porém, que a nova legislação remeteu parte da regulação sobre o saneamento ao poder regulamentar da ANA, respeitados as balizas legais e constitucionais. Até porque seria impossível à legislação ordinária prever exaustivamente toda a regulação de um setor da economia. Essa técnica legislativa é amplamente empregada e já foi validada pelo STF na ADI 1668.

  • A legislação teria criado um novo requisito para a formação de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões além do previsto no artigo 25, §3º da Constituição ao exigir o compartilhamento de infraestruturas entre os municípios (art. 3º, XIV do Novo Marco).

Análise: O teor do referido artigo do Novo Marco não exige o compartilhamento de infraestruturas como condição para a formação de região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião. Apenas estabelece que, dentro dessas estruturas regionais, caso efetivamente haja o compartilhamento de infraestruturas de saneamento, o serviço será considerado de interesse comum e sujeito à titularidade do Estado e dos Municípios envolvidos para que o serviço seja organizado em conjunto. 

  • Seria inconstitucional a vedação legal à formalização de contratos de programa entre os municípios (ou consórcios municipais) e as companhias estaduais de saneamento, em violação à autonomia municipal e, supostamente, numa tentativa de desestruturar o setor no país.

Análise: Essa argumentação também é semelhante à levantada pelo PDT em sua ação. Primeiramente, observe-se que é competência da União para dispor regras gerais sobre contratos administrativos, o que, no caso, foi feito excepcionando o uso do contrato de programa em uma determinada situação. Ademais, a autonomia municipal não se conforma no poder de firmar tal ou qual tipo de contrato, mas sim no poder de organizar seus serviços públicos segundo a legislação vigente. Por fim, diga-se que a tentativa do Novo Marco é de estruturar juridicamente o setor de saneamento, visto que os contratos de programa não oferecem a segurança jurídica necessária à realização de investimentos e à obrigatoriedade no cumprimento de metas pelas empresas estaduais.

Pelo exposto, e sem prejuízo de outros argumentos dispostos na ação, entendemos que não existem fundamentos relevantes para a declaração de inconstitucionalidade do Novo Marco do Saneamento. Parece-nos que as investidas contra a nova legislação junto ao STF buscam um “terceiro turno de votação”, visto que as alegações trazidas pelos partidos tem fundamento político, fazem parte do jogo democrático, mas foram derrotadas em votação nas duas casas do Congresso Nacional.

Dessa forma, mantemos nosso viés positivo e favorável ao Novo Marco do Saneamento Básico. A legislação traz importantes alterações estruturais no setor, especialmente para implementar a concorrência, eficiência e qualidade dos serviços prestados mediante parcerias entre entes públicos e privados. Começa, assim, um novo modelo para o setor de saneamento, que visa correr atrás do tempo perdido em busca da universalização dos serviços.