Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | O que o testamento vital pode fazer por você?


Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | O que o testamento vital pode fazer por você?


Ana Paula Terra e Luiza Elena Cardoso*

A morte é talvez o maior medo humano no ocidente. Assim sendo, muitos evitam falar ou sentem desconforto em discutir sobre o tema planejamento sucessório. E, quando se cria coragem para planejar a sucessão, na maioria das vezes, o foco reduz-se principalmente à transmissão de patrimônio entre gerações. Em alguns casos, o planejamento sucessório vai além e inclui também a preparação de herdeiros para assumir a gestão da empresa familiar, quando assuntos de regulação da governança corporativa da empresa são discutidos em família. Todos esses assuntos são importantíssimos para serem discutidos em vida de forma a preservar a perenidade da empresa e a unidade familiar. E vários instrumentos jurídicos são utilizados para esse fim, tais como testamentos, contratos de doação, constituição de holdings familiares, acordo de acionistas, protocolos familiares, entre outros.

Sem prejuízo, há um outro instrumento ainda pouco utilizado em planejamentos sucessórios que não por isso deixa de ser relevante para reflexão individual. Trata-se das Diretivas Antecipativas de Vontade dos Pacientes, que se dividem em duas categorias: o mandato duradouro e o testamento vital. O primeiro consiste na nomeação de uma pessoa pelo enfermo, a qual deverá ser consultada pelos médicos, quando o outorgante não puder mais manifestar sua vontade e for necessário se posicionar sobre os cuidados médicos ou esclarecer alguma dúvida sobre o testamento vital. O testamento vital, sobre o qual escrevemos nesse artigo, difere-se do testamento convencional previsto no Código Civil, que tem caráter patrimonial e eficácia após o falecimento, já que o testamento vital está relacionado a questões existenciais relacionadas à saúde e vida daquela pessoa, e eficaz quando ainda vivo o declarante.

Não há previsão em lei sobre as Diretivas Antecipativas de Vontade dos Pacientes, e o instituto do testamento vital é regulamentado pela Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1.995/2012. Nada mais é do que uma declaração individual referente aos cuidados médicos que a pessoa deseja receber em virtude de eventual incapacidade proveniente de saúde física ou mental. Permitiu-se ao médico limitar ou suspender procedimentos ou tratamentos que prolonguem a vida do doente, mas sem trazer resultados em relação à cura do paciente em fase terminal, quando há seu consentimento. Veja que não se trata de eutanásia vedada pela nossa legislação, uma vez que não há a utilização de condutas ativas para o favorecimento da morte. 

O instituto fundamenta-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada e da liberdade individual para negar o tratamento, referindo-se, portanto, ao que pelos termos técnicos se chama de ortotanásia (não prolongamento de forma artificial do processo de morte). Busca-se preservar a vida com qualidade pela renúncia ao excesso de intervenções médicas, buscando-se evitar o prolongamento do processo da morte, de modo a não gerar ao paciente maior sofrimento físico e psicológico. A linha que determina a manutenção artificial da vida é tênue, mas quando ela for possível de ser atestada, o testamento vital servirá como orientação do paciente aos seus médicos e cuidadores. Bom senso, prudência e razoabilidade devem ser considerados na execução do testamento vital, tanto pelos médicos quanto pelos colaboradores do paciente.

Por força da resolução, o médico deverá levar em consideração as Diretivas Antecipadas de Vontade do paciente feitas enquanto este detinha do pleno gozo de suas faculdades mentais – seja o testamento vital, o mandato duradouro, ou os dois -  nas decisões a serem tomadas sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram com doenças ameaçadoras da vida, incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades. 

Para elaboração do testamento vital, recomenda-se que haja participação de médico familiar ou que acompanhe o indivíduo e que este seja feito por instrumento público ou levado a registro perante ofício de registro de títulos e documentos da residência do declarante.

A relevância desse instrumento faz-se a cada dia maior, tendo em vista, felizmente, os grandes avanços tecnológicos da medicina que nos permitem o prolongamento artificial cada vez maior da vida. Sem prejuízo, a decisão sobre a qualidade da sobrevida deve ser preservada para cada indivíduo, sendo uma escolha individual e pessoal o limite de utilização dessas novas tecnologias.


*Ana Paula Terra Caldeira é sócia da área Societária M&A e mãe da Luisa e da Helena. A Luiza Elena Cardoso é advogada associada, do mesmo departamento, e filha da Eni.