Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | O assédio sexual na visão da Justiça do Trabalho


Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | O assédio sexual na visão da Justiça do Trabalho


Por Luanna Vieira de Lima Costa e Sofia Pinheiro Chagas Góes Monteiro* 

Os escândalos sexuais tomaram as manchetes no mundo inteiro: políticos de diversos países, a indústria de filmes e séries nos Estados Unidos, grandes indústrias e até mesmo organizações não governamentais foram recentemente atingidas por escândalos dessa natureza, alguns caracterizadores do assédio sexual e outros de conduta sexual inadequada.

Mas como a legislação brasileira e, em especial, a Justiça do Trabalho vem tratando deste assunto?

A vedação a comportamentos de cunho sexual inadequados dentro do ambiente de trabalho não é nova na legislação trabalhista. 

A CLT, em seu texto original, publicado em 1º de maio de 1943, trouxe em seu bojo a previsão da dispensa por justa causa do empregado que cometesse “incontinência de conduta”, que nada mais é do que a prática de atos imorais, de cunho sexual. 

A incontinência de conduta pode ser praticada por qualquer empregado, independentemente de sua posição hierárquica no local de trabalho, contra outro(a) trabalhador(a) ou de forma que atinja a coletividade. Como exemplo, podemos citar o envio de mensagens de cunho sexual ou pornográfico a uma pessoa ou a um grupo de pessoas; a prática de atos e/ou gestos sexuais no ambiente de trabalho.

Já o assédio sexual recebeu a sua tipificação criminal através da Lei nº 10.224/2001, que caracterizou como crime o ato de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos” (art. 216-A do CP).

Da referida norma legal depreende-se que o assédio sexual é todo o ato destinado a constranger a liberdade sexual do indivíduo, seja ele homem ou mulher, mediante comportamentos físicos ou verbais repelidos pela vítima em seu ambiente de trabalho.

Para a caracterização do assédio sexual, no âmbito penal, é necessária a ocorrência do uso abusivo do poder de uma parte em relação à outra, necessário que o autor (assediador) seja superior hierárquico da vítima (assediado), ou que em relação a ela tenha ascendência, significando dizer que, na esfera penal, ele só ocorre de cima para baixo dentro da escala hierárquica, e nunca o contrário. A ofensa também deve ser grave, séria, desrespeitosa e causadora de considerável constrangimento à vítima, causando-lhe consequências prejudiciais no emprego.

Todavia, no âmbito da Justiça do Trabalho, à míngua de legislação específica sobre o tema, a caracterização do assédio sexual ultrapassa os limites traçados pelo Código Penal, considerando-se como tal todas as condutas de natureza sexual propostas ou impostas a alguém contra a sua vontade, causando-lhe constrangimento, podendo ocorrer com superioridade hierárquica ou por trabalhador do mesmo nível (assédio sexual horizontal) ou, mais ainda, pode ser realizado até mesmo por inferior hierárquico (assédio sexual vertical ascendente).

Diferentemente da esfera penal, cuja tipificação do crime de assédio sexual exige a prática repetida ou reiterada do ato, na esfera trabalhista não há este requisito, ampliando-se, mais uma vez, o conceito para reconhecer a sua caracterização com base em ato único e isolado.

No atual contexto, comentários sobre a aparência física e atributos pessoais do(a) trabalhador(a), podem ser caracterizados como assédio sexual, assim como comportamentos jocosos de cunho sexual ou sexistas; o que vem gerando diversas alterações nas culturas corporativas.

Feita a conceituação do instituto sob a ótica trabalhista, o assédio é considerado motivo ensejador da dispensa por justa causa daquele que assedia, nos termos da alínea “b”, do artigo 482 da CLT (incontinência de conduta). Do ponto de vista do empregado (vítima), a prática de assédio sexual constitui motivo para a rescisão indireta do contrato de trabalho (alínea “e” do artigo 483 da CLT).

Além disso, considerando-se que o assédio sexual constitui conduta que viola a intimidade, a vida privada e a honra do empregado, institutos de proteção constitucional (inciso X, do artigo 5º da CR/88), a sua prática é passível de indenização por danos morais.

Nesse contexto, sabendo-se que a responsabilidade do empregador pelos atos de seus empregados ou prepostos é objetiva (art. 932, III, do Código Civil/2002 e Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal), sendo presumida a sua culpa, salutar que as empresas estejam bastante atentas ao tema.

Para isso, a fim de que possa cumprir a sua obrigação no tocante à manutenção de um meio ambiente de trabalho saudável, aos empregadores em geral recomenda-se a adoção de políticas de conscientização, com a inclusão do tema em treinamentos, palestras e códigos ou manuais internos de conduta, bem como a criação de canais de comunicação eficazes, que assegurem o sigilo do(a) denunciante e, principalmente, a apuração e o correto tratamento dos fatos.

A necessidade de maior atenção das empresas quanto ao tratamento preventivo do tema, decorre não apenas do interesse na mitigação dos riscos de condenações desta ordem na Justiça do Trabalho e da perda dos talentos daí decorrentes, mas dos possíveis danos que o assédio sexual acarreta para sua imagem perante o mercado global, cada dia mais exigente e vigilante.


*Luanna Vieira de Lima Costa é sócia da área Trabalhista e mãe do João. A Sofia Pinheiro Chagas Góes Monteiro é gerente na mesma área e apaixonada por seus cachorros, Juca e Nina.


Este artigo é parte da série "Profissionais Azevedo Sette", que divulgará textos com temas relevantes, durante todo o mês de março, redigidos por nossas advogadas e estagiárias das seis unidades Azevedo Sette Advogados, em comemoração especial ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março.

Leia ainda, os outros artigos da série especial já publicados

"O direito de laje e descerramento de novas fronteiras", redigido por Alessandra Lima Ganz, advogada coordenadora da equipe de Direito Imobiliário do Azevedo Sette São Paulo, que é formada apenas por mulheres, filha de Neuza.

"Inovações da Lei nº 13.303/16: compliance e governança corporativa nas Estatais", redigido pelas advogadas associadas da unidade Brasília Azevedo Sette, Paolla Ouriques, filha da Salete, e a Juliana de Fátima Moreira Costa, mãe da Alice. 

"O que o testamento vital pode fazer por você?", de autoria da Ana Paula Terra Caldeira, sócia da área Societária M&A e mãe da Luisa e da Helena, redigido em parceria com a Luiza Elena Cardoso, advogada associada do mesmo departamento e filha da Eni.