Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | Moedas virtuais e o financiamento de atividades de mineração no Brasil


Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | Moedas virtuais e o financiamento de atividades de mineração no Brasil


Por Gabriela Salazar*

As atividades de mineração demandam, em regra, vultuosos investimentos, sendo caracterizadas pelo seu alto risco.  Projetos de mineração em suas fases iniciais de reconhecimento geológico, prospecção e pesquisa mineral absorvem consideráveis recursos financeiros e aqueles projetos que avançam à fase de lavra (porcentagem mínima das áreas pesquisadas) oferecem um retorno financeiro tardio ao investidor.  E no que se refere à obtenção de recursos financeiros, o empreendedor enfrenta inegáveis desafios no Brasil.

Nesse contexto, o tradicional caminho de se recorrer às instituições financeiras para a negociação de contratos de financiamento e empréstimo encontra barreiras na dificuldade do minerador ofertar garantias hábeis a lastrear o montante requerido. Se por um lado o minerador nas fases iniciais de sua pesquisa mineral não dispõe, em geral, de ativos (tais como máquinas e equipamentos) para oferecer à instituição credora, tais instituições, por outro lado, não consideram os alvarás de pesquisa mineral (títulos minerários dotados de valor econômico e financeiro) como ativos aptos a subsidiarem a operação financeira. Por força do Código de Mineração (Decreto-Lei 227/1967), apenas as portarias de lavra são objeto de oneração ou gravame (art. 55), devendo tais operações serem objeto de averbação no Departamento Nacional de Produção Mineral (transformado em Agência Nacional de Mineração conforme Lei Federal nº 13.575/2017, mas ainda pendente de instalação por decreto ainda não publicado).

A expectativa de alteração deste cenário restou frustrada com a caducidade da Medida Provisória nº 790/2017 que, prevendo modificações no Código de Mineração, abrira a possibilidade de que as votações de seu texto introduzissem na legislação minerária mecanismos de financiamento das atividades de mineração (vide, por exemplo, o texto da emenda substitutiva global à Medida Provisória nº 790/2017).
  
Frente a tal cenário, o minerador recorre a outras alternativas de obtenção de capital, alternativas essas que podem variar a partir de diversos fatores, tais como o porte da empresa e do projeto minerário. Nessa linha, grandes empresas optam, muitas vezes, pelo levantamento de capital em oferta pública de ações (initial public offerings - IPOs, por exemplo), cientes de que tais operações demandam tempo, trabalho (preparação de relatórios técnicos e jurídicos) e gastos. A não-adoção de um código de recursos e reservas no Brasil (tais como JORC Code adotado na Austrália, NI 43-101 adotado pelo Canadá ou SAMREC adotado pela África do Sul) também afasta a ocorrência de tais operações na Bolsa de Valores brasileira e direciona as empresas brasileiras a buscarem recursos financeiros nas Bolsas de Valores estrangeiras (com grande destaque para as Bolsas do Canadá). 

Outras medidas, tais como project finance ou sindicated loans também são operacionalizadas por determinados empreendedores, mas igualmente demandam uma estruturação complexa e muitas vezes não acessível a todos os formatos e portes de projetos. Contratos off-take, por sua vez, em que o minerador negocia produções futuras também podem contribuir para o recebimento antecipado de recursos, sendo recomendável que tal negociação seja precedida de auditorias legais e técnicas. 

Fato é que nem todos os empreendedores dispõem de “fôlego financeiro” para arcar, por exemplo, com as despesas e gastos inerentes a operações de abertura de capital ou com as estruturações mais complexas viabilizadas por project finances, que também podem não ser compatíveis com a estrutura de negócio planejada.  

Nessa linha, outra possibilidade de obtenção de investimentos apresenta-se como uma nova oportunidade a ser avaliada por empreendedores de mineração, sobretudo junior companies: o levantamento de recursos financeiros via initial coin offerings (ICO), que podem ser entendidas como captações públicas de recursos com a emissão, em favor dos investidores, de ativos virtuais (tokens ou coins, tais como as Bitcoins e Ether). O investidor, ao participar de determinada ICO e aplicar recursos financeiros (moeda real) em certo projeto, torna-se detentor de moedas virtuais (cujo valor em dinheiro real pode sofrer variações) que podem conferir aos seus titulares diferentes benefícios.

As operações de ICOs transcorrem em ambientes virtuais em que o investidor é detentor de uma senha (chave de acesso) para movimentar e realizar aplicações por meio de uma carteira virtual (wallet). Os lançamentos de ICOs são acompanhados, comumente, pela disponibilização dos chamados whitepapers que, embora não correspondam aos prospectos essenciais às ofertas públicas registradas na Comissão de Valores Imobiliários (“CVM”), apresentam dados e informações sobre o projeto e a empresa e aspectos do negócio objeto do investimento. 

As ICOs e moedas virtuais exemplificam como a realidade tecnológica avança a passos rápidos, cabendo ao direito o papel de se amoldar ao novo, de modo a propiciar segurança jurídica às relações. No que se refere às ICOs e moedas virtuais, pairam ainda no ar certas indefinições legais e incertezas jurídicas. Em primeiro plano, há opiniões que se dividem entre considerar as ICOs como modalidades de crowdsale ou de crowdfunding (objeto da Instrução CVM nº 588, de 13/07/2017).  

Além disso, ainda não há uma definição sobre a natureza jurídica das moedas virtuais, existindo opiniões no sentido de que as moedas virtuais seriam valores mobiliários. Embora não seja possível encontrar uma definição legal no Brasil para valores mobiliários, a Lei Federal nº 6.385/1976 lhes identifica em um rol exemplificativo em seu artigo 2º. O inciso IX deste artigo atribui a qualificação de valor imobiliário a quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, parceria ou remuneração, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Nesta caracterização parecem poder se enquadrar certos tipos de transações em moedas virtuais, o que sujeitaria tais operações ao controle e fiscalização da CVM. 

No que se refere a este assunto, a CVM vem emitindo comunicados com o objetivo, sobretudo, de alertar possíveis interessados nessas operações de que, a depender da caracterização da transação, é possível que ofertas de ativos virtuais se enquadrem na definição de valores mobiliários, estando sujeitas a controle e fiscalização da CVM, enquanto a autarquia não detém competência para reger operações de ICO que não se configurem como ofertas públicas de valores mobiliários. Por meio do Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, datado de 12/01/2018 e direcionado aos diretores responsáveis pela administração e gestão de fundos de investimento regulados pela Instrução CVM nº 555/14, a CVM lhes solicitou que aguardassem manifestação posterior e conclusiva da autarquia sobre as criptomoedas para estruturarem investimentos nestes ativos. E, no último dia 07 de março, a CVM novamente pronunciou-se sobre as ICOs, desta vez para informar que, até a data, nenhuma ICO obteve dispensa ou registro de oferta junto à autarquia e, dentre outros aspectos, para novamente recomendar atenção aos investidores em relação a riscos relacionados a tais operações.  

Os pronunciamentos da CVM e, notadamente, o Ofício Circular nº 1/2018 reforçam a existência de indefinições sobre as ICOs, tendo a própria autarquia registrado, no bojo do Ofício, que tanto no Brasil quanto no exterior encontram-se em curso discussões sobre a natureza jurídica e econômica dessas modalidades de investimento, sem que ainda tenha se chegado a uma conclusão. 

Fato é que o setor mineral já despertou para os benefícios da ICOs no que se refere ao financiamento de atividades de mineração. Recentemente, foi divulgada a realização da primeira ICO na mineração brasileira para a capitalização da empresa Serpn, que objetiva produzir serpentinito no Rio Grande do Sul para aplicação na agricultura e na construção civil(1). Trata-se de interessante movimento de avanço da mineração em direção a novas formas de financiamento da atividade. 

Contudo, face às indefinições legais ainda existentes sobre o tema no Brasil, bem como aos riscos inerentes às atividades de mineração, é amplamente recomendável que todos aqueles que planejam participar de operações de ICOs (sejam empreendedores de mineração, sejam investidores) disponham de assessoria jurídica qualificada para mapear os riscos e alinhar as estratégias envolvidas nestas transações de maneira a maximizar os benefícios econômicos que podem advir destas operações.

(1) Notícias de Mineração Brasil. Surge a primeira ICO na mineração brasileira. Disponível em: <http://www.noticiasdemineracao.com/inova%C3%A7%C3%A3o/news/1315958/surge-primeira-ico-na-minera%C3%A7%C3%A3o-brasileira>. Acesso em: 12.03.2018. 

*Gabriela Salazar Silva Pinto é advogada associada da área Minerária e filha de Alda Maria e Jorge Henrique.

Este artigo é parte da série "Profissionais Azevedo Sette", que divulgará textos com temas relevantes, durante todo o mês de março, redigidos por nossas advogadas e estagiárias das seis unidades Azevedo Sette Advogados, em comemoração especial ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março.

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