Índice de Percepção da Corrupção e a COVID-19


Índice de Percepção da Corrupção e a COVID-19


* Por Carolina Geddes Gattaz

A pandemia da COVID-19 afetou o mundo, iluminou vários problemas sistêmicos, desenvolveu uma crise econômica e de saúde, e mostrou as mais graves e verdadeiras consequências da crise de corrupção que continua se disseminando no mundo todo. 

Os recentes dados de 2020 do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) são alarmantes! O indicador é usado como registro de medição de corrupção no setor público de diferentes países ao redor do mundo, organizado pela Transparency International, órgão criado em 1993 por Peter Eigen, ex-executivo aposentado do Banco Mundial, que decidiu organizar o grupo após presenciar os devastadores impactos da corrupção quando trabalhou no leste africano. 

No início da década de 1990, era comum que as empresas descrevessem subornos pagos por elas como despesas comerciais, e muitas agências internacionais “fechavam os olhos” para essas práticas ilícitas pois o dinheiro ganho através de corrupção financiava muitos projetos em todo o mundo. Além disso, a maioria dos países ditos “potências econômicas” até poucos anos atrás permitiam a dedutibilidade fiscal de subornos pagos a autoridades estrangeiras! 

Em 1995 foi publicado o primeiro IPC, com o mesmo método utilizado até os dias de hoje com quatro etapas: (1) seleção dos dados de origem; (2) redimensionamento dos dados de origem; (3) agregação dos dados redimensionados na etapa anterior, e (4) relato de uma medida de incerteza. Estas etapas também incorporam um estrito mecanismo de controle de qualidade para manter a integridade e veracidade dos dados a serem relatados. O IPC avalia 180 países e territórios, atribuindo-os notas em uma escala de 0 (quando o país é percebido como extremamente corrupto) a 100 (quando o país é visto como muito íntegro). 

Voltando ao estudo de 2020, dos 180 países avaliados 2/3 (dois terços) obtiveram uma pontuação abaixo de 50, sendo que a pontuação média é de 43. O Brasil obteve 38 pontos (meros 3 pontos a mais do que em 2019 – o que está dentro dos 4,1 pontos de margem de erro da pesquisa), e permanece em patamar muito ruim e abaixo da média dos BRICS (39 pontos), do G20 (54 pontos), da média regional das Américas e da média mundial (ambos 43 pontos). Agora, na 94ª posição, o Brasil segue atrás de países como Argentina, China e Turquia. 

O Uruguai, como esperado, é o país latino-americano considerado mais integro, atribuindo-se a ele 71 pontos e a 21ª posição. Com 77 pontos, e na 11ª posição, o Canadá continua percebido como o país mais honesto das Américas. Os Estados Unidos, por sua vez, alcançaram sua pior posição no IPC desde 2012; com 67 pontos, na 25ª posição. 

O Oriente Médio e o Norte da África têm uma média regional de 39 pontos. O Líbano, com 25 pontos – 5 pontos a menos do que lhe foi atribuído em 2012 –, foi um dos países mais afetados pela COVID-19. Apesar das manifestações civis contra a pobreza e a corrupção governamental, não há nenhum processo de investigação de casos de corrupção. Além do mais, ainda está sendo investigada a explosão de Beirute em agosto de 2020. 

Na região da África Subsaariana, a Zâmbia é um dos “países a se observar” com 33 pontos, na 117ª posição, sendo que a maior causa da corrupção no país é a falta de administração governamental. Segundo um estudo conduzido pela Transparency International de julho de 20191, um em cada cinco zambianos pagaram propinas para poder receber serviços básicos, como os de saúde e de educação. 

Com 66 pontos, a Europa Ocidental e União Europeia têm a maior pontuação regional média. A pandemia da COVID-19 pressionou os sistemas de integridade de vários países europeus, como também desafiou a eficácia das respostas emergenciais. Durante a pandemia, a ONG Democracy Reporting International criticou governos como o da França (69 pontos), Espanha (62 pontos), Itália (53 pontos) e Hungria (44 pontos) por violações dos direitos humanos, além de destacar os potenciais efeitos sobre o Estado de Direito pós crise2.

No Brasil, temos assistido ataques contra a mídia e sociedade civil que ameaçam a produção de informação de interesse público e o controle social, mecanismos essenciais de transparência, retrocedendo todo progresso conquistado em combate à corrupção. 

Os Estados Unidos, por sua vez, também agiram de forma regressiva em 2020, em resposta à COVID-19, o governo criou e injetou um estímulo econômico histórico de US$1 trilhão, contudo, dada a falta de transparência e a contestação do próprio governo americano sobre a fiscalização desse investimento, isso causou graves preocupações e foi considerado um retrocesso em relação as normas democráticas que promoviam transparência.

A pandemia atual afetou a humanidade de formas inimagináveis e os dados de 2020 do IPC realçam o papel da crise de corrupção nas crises econômicas e de saúdes que se alastraram pelo mundo, pois corrupção, falta de transparência e o déficit orçamentário comprometem respostas a situações emergenciais, como a vivenciadas pela pandemia da COVID-19. 

O IPC demonstra que o desvio de gastos públicos tende a fazer com que o governo gaste menos com saúde, independentemente do desenvolvimento econômico. Portanto, um menor investimento em saúde pública tem correlação com níveis maiores de corrupção.

A luta contra a corrupção vai muito além do óbvio; é uma luta contra todas as áreas subsequentes que são afetadas por essa prática ilegal e antiética. 

*Texto baseado no Corruption Perceptions Index 2020, da Transparency International. Disponível em: https://images.transparencycdn.org/images/2020_Report_CPI_EN.pdf

1 “Global Corruption Barometer – Africa”, Transparência Internacional, julho de 2019, www.transparency.org/en/ publications/gcb-africa-2019