Governança no ESG


A queda de confiança nas instituições e empresas nacionais, principalmente após o escândalo da Petrobrás e a operação Lava Jato, foi um estímulo para que a governança corporativa - o fator “G” da sigla ESG, ganhasse destaque no Brasil: os pilares tradicionais de transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa, passaram a ser familiares ao cenário empresarial brasileiro. 

Mas, na cultura ESG, governança vai muito além disso.

Para verificar se a governança efetivamente reflete a cultura, valores e responsabilidade social de uma empresa, deve-se considerar as seguintes métricas1: (i) a definição de objetivos corporativos, notadamente no que diz respeito a soluções econômicas, questões ambientais e sociais; (ii) a composição da alta administração (independência, diversidade, representatividade, remuneração, entre outros aspectos); (iii) o engajamento dos stakeholders; (iv) o comportamento ético (através de políticas anticorrupção e compliance, por exemplo); e (v) a efetiva identificação e gestão de riscos e oportunidades dos negócios, como a elementos que demonstram uma governança efetiva. 

Todos esses “novos” elementos selam o entendimento de que os aspectos ESG (environmental, social e governance), são, em realidade, indissociáveis e transversais. 

Ora, para a implementação de iniciativas que, à primeira vista, seriam próprias do aspecto “social”, como a implantação de saneamento básico para uma comunidade, por exemplo, uma empresa deve necessariamente ter que lidar com o poder público e, nesse cenário, recorrer à governança para não ferir às disposições da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), especialmente nos seguintes pontos: (i) não prometer, oferecer ou dar, ainda que indiretamente, qualquer bem de valor (presente, almoço, viagem, brinde, prestação do seu serviço gratuitamente, benefícios, etc) para agente público, ou pessoa a ele relacionada; (ii) não esperar nenhum benefício do governo em troca da sua boa ação; (iii) não se utilizar da empresa para ocultar um interesse pessoal em sua ação; e (iv) não dificultar eventual fiscalização por parte dos órgãos públicos.

No mesmo sentido, em eventuais ações “S” que envolvam doações, a governança será a responsável por ditar os processos, validar instituições adequadas, e prestar contas, de acordo com as políticas internas específicas da empresa. 

A governança trata também de diversidade, inclusão, e compliance às normas a que a empresa se sujeita, de toda natureza, sejam elas ambientais, regulatórias, fiscais e trabalhistas, fazendo-se sempre presente na implantação dos demais aspectos ESG.

A governança é o fio condutor da cultura corporativa. Nos instrumentos societários, como Contrato e Estatuto Social, Acordo de Acionistas, e em instrumentos como o Código de Conduta, regulam-se as relações internas e externas de uma empresa e seus stakeholders, dá-se diretrizes para as boas práticas, promove-se a transparência e fomenta-se uma cultura ética, de inclusão e respeito ao meio ambiente. Mas, para que a governança seja efetiva, não basta simplesmente investir na estruturação desses documentos e em instrumentos, como o Código de Conduta e o canal de denúncias anônimas, é preciso uma sólida cultura de compliance, com o apoio e engajamento da alta administração.

Nesse aspecto, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), autor do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, é um grande aliado, promovendo diversas iniciativas e orientações em prol da governança efetiva.

Para tanto, é fundamental que todos os colaboradores da empresa, essenciais em cada função que executam, interiorizem as práticas de governança e representem exemplos vivos dos princípios e diretrizes inscritos nos manuais da empresa. Não basta, portanto, que os critérios de governança sejam admiráveis enquanto registros de papel, mas não encontrem ressonância na prática de quem faz o dia a dia da empresa, em todas as suas frentes de atuação e em todos os eixos de colaboração.

Entre as principais orientações do IBGC, está a capilaridade dessa agenda por todos os segmentos de uma instituição para habilitar uma boa governança, ainda que isso represente um desafio permanente a seus dirigentes na manutenção de sua relevância e no engajamento de novos colaboradores. 

Por meio de uma boa governança, e a transparência intrínseca a ela, é possível mitigar riscos e enfrentar transgressões de condutas antes mesmo que ocorram, impulsionando a confiabilidade e, consequentemente, a reputação e a resiliência de uma empresa, ao refletir os valores e a cultura organizacionais.

A Natura, que foi pioneira na adoção dessas medidas no Brasil, já ocupa o 2º lugar2 em ranking mundial de reputação em responsabilidade corporativa, ficando atrás apenas da dinamarquesa Lego, e ainda planeja investir 800 milhões de dólares3 (o equivalente a R$ 4 bilhões de reais no câmbio atual) nos próximos dez anos para que todas as empresas do grupo (como a Avon e a The Body Shop) executem um programa de sustentabilidade e de devolução de benefícios à sociedade.

O investimento representa quase 9% do valor de mercado da empresa (R$ 48,5 bilhões de reais) na B3, mas a Natura já colhe os frutos desse engajamento. Na ação de dia dos pais, protagonizada por Thammy Miranda, as ações da Natura subiram 6,7% como resposta ao seu alinhamento com políticas de inclusão4.

Apesar de a adoção das práticas ESG constituir uma vantagem competitiva para o negócio, ainda estarmos engatinhando. No entanto, já é perceptível a mudança no comportamento corporativo e nos próprios consumidores, cada vez mais interessados em produtos e serviços de impacto (ambientais e sociais).

Sem dúvida alguma, a pandemia da COVID-19 acelerou as discussões sobre a pauta ESG e impulsionou que o debate sobre os eixos dessa agenda esteja no centro da definição de planos estratégicos de crescimento das empresas. O caminho para a efetiva implementação da pauta ESG é longo e desafiador, mas certamente estamos no rumo certo, movidos pela percepção de que o sucesso futuro das organizações passará, inevitavelmente, pela capacidade das empresas de contribuir para o bem-estar social e para a preservação do meio ambiente. Melhor motivação não há! 

1  Measuring Stakeholder Capitalism Towards Common Metrics and Consistent Reporting of Sustainable Value Creation. World Economic Forum. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_IBC_Measuring_Stakeholder_Capitalism_Report_2020.pdf

2 VALET, Vicky. Natura fica em 2º lugar em ranking mundial de reputação em responsabilidade corporativa. Disponível em: https://forbes.com.br/listas/2019/09/natura-fica-em-2o-lugar-em-ranking-mundial-de-reputacao-em-responsabilidade-corporativa/

3 VALENTI, Graziella. Natura separa US$ 800 milhões para sustentabilidade até 2030. Disponível em: https://exame.com/exame-in/natura-separa-us-800-milhoes-para-sustentabilidade-ate-2030/

4 CUIABANO, Lívia. Victoria’s Secret e Natura: como a gestão ESG impacta o futuro da marca. Disponível em:  https://www.istoedinheiro.com.br/victorias-secret-e-natura-como-a-gestao-esg-impacta-o-futuro-da-marca/