Estado de Calamidade: dúvidas, indefinições e impactos nas atividades econômicas


Estado de Calamidade: dúvidas, indefinições e impactos nas atividades econômicas


Estamos desde o último dia 18 de março de 2020 em estado de calamidade pública no país, após a aprovação pelo Governo federal brasileiro do Decreto Legislativo nº 06 de 2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. 

A declaração do estado de calamidade pública, que significa o reconhecimento de uma situação de anormalidade que compromete a capacidade de ação do Poder Público, desobriga o Governo do cumprimento das metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei Federal nº 13.898/19), a fim de custear ações de combate à pandemia da Covid-19 e de enfrentar os efeitos dessa na economia nacional. 

Trata-se de medida prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal1 que permite, na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional ou pelas Assembleias Legislativas, a dispensa, pelos respectivos entes federativos, do atingimento das metas fiscais e limitação de empenho de despesas.

No mesmo sentido, em 21 de março de 2020, o Estado de São Paulo publicou o Decreto nº 64.879/20, que reconhece o estado de calamidade pública com objetivo de simplificar o processo de compras e contratações, sem a necessidade de atendimento às regras formais regulares de um processo administrativo. Em resumo, o decreto estabelece:

i) a suspensão de atividades de natureza não essenciais, tais como, parques estaduais; atendimento presencial na Centrais de Atendimento ao Cidadão (Poupatempo), Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) e Departamento Estadual de Trânsito (Detran-SP);

ii) a suspensão, pelo prazo de 90 (noventa) dias, de atos destinados a levar a protestos débitos inscritos na dívida ativa; e

iii) a isenção de pagamento de contas de água e esgoto vincendas em abril, maio e junho de 2020, para os usuários enquadrados na categoria residência social.

Em seguida, em 22 de março o Governo do Estado de São Paulo, publicou o Decreto nº 64.881, decretando quarentena no Estado, consistente na restrição de atividades de maneira a evitar a possível transmissão ou propagação do Coronavírus.

A promulgação dos Decretos acima citados reforçam as ações previstas na Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus, com destaque para:

i) isolamento;

ii) quarentena;

iii) restrição temporária de atividades de circulação por portos, rodovias ou aeroportos;

iv) possibilidade de requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas (mediante posterior indenização); e

v) possibilidade da aquisição de bens, serviços (inclusive de engenharia) e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública por dispensa de licitação.

Importante notar que as ações previstas na Lei Federal supracitada encontram limites no Decreto Federal nº 10.282/2020, que determina que o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais deverão ser resguardados, caracterizando como tais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população., 

Deve-se notar que o Decreto Federal não é taxativo ao estabelecer as possíveis medidas que poderiam ser adotadas, uma vez que o §1º do art. 3º desse normativo emprega a expressão “tais como”, e que o §2º desse mesmo artigo estabelece que também são consideradas essenciais as atividades acessórias, de suporte e a disponibilização dos insumos necessários à cadeia produtiva e que sejam relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais. Esse fator permite, portanto, que outras atividades ou serviços possam assim ser classificados.

Nesse contexto, a discussão sobre o que poderia ou não ser qualificado como essencial passou a ser central na verificação de quais atividades econômicas devem ou não ser suspensas e, para fins dessa classificação, é necessário que as atividades ou serviços enquadrem-se no conceito trazido pelo Decreto Federal. 

Ocorre que, embora o Decreto Federal tenha buscado oferecer bases para a compreensão do que sejam as atividades essenciais, a redação de seu art. 3º utiliza-se de conceitos imprecisos e subjetivos, dificultando a interpretação daquilo que seria ou não essencial2, impondo a avaliação casuística de eventuais casos específicos que não se enquadrem no rol trazido pelo Decreto Federal.

Por fim, no que diz respeito aos chamados serviços públicos essenciais, recomenda-se que, na eventualidade de imposição de restrições a sua continuidade por ato de autoridade que exceda o disposto nos atos normativos aqui citados, as empresas prestadoras desses serviços busquem a tutela judicial de urgência a fim de garantir a execução de suas atividades.

Veja também: Estado de calamidade pública e seus efeitos econômicos

A equipe de Infraestrutura do Azevedo Sette Advogados coloca-se à disposição para orientá-los e esclarecer quaisquer dúvidas sobre o tema.

1 Lei Complementar 101/00: Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação: (...); II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9º.
2 Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º. 
§1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como: (...).