Covid-19 e a (atrasada) digitalização das Licitações


Covid-19 e a (atrasada) digitalização das Licitações


Diante da pandemia da COVID-19, uma nova realidade se instaurou no Brasil e no mundo com determinações de isolamento social ou mesmo quarentena (lockdown). Nesse contexto, é o Poder Público que deve se adequar, de forma a permitir a continuidade de suas atividades e a prestação de serviços públicos.

Não raro, tais atividades e serviços dependem de contratações com a iniciativa privada. Colocando de lado as hipóteses de dispensa previamente estabelecidas e as tratadas na Lei Federal nº 13.979/2020, tais contratações dependem da realização prévia de licitações, em suas diversas modalidades.

Ocorre que, com a exceção do pregão eletrônico, as licitações tendem a ser procedimentos extremamente formais, burocráticos, e, sobretudo, presenciais.

À luz do panorama atual, é imperativo que o Poder Público adote medidas (não necessariamente temporárias) para otimizar as licitações, reduzindo a cadeia de contatos físicos atualmente necessários. 

A título meramente exemplificativo, na organização dos documentos de habilitação/proposta técnica/proposta comercial, uma pessoa deve fisicamente manusear os documentos que serão apresentados às comissões de licitação. Além disso, os documentos e propostas devem ser assinados e rubricados – usualmente por pessoa diversa da que efetivamente os organiza. Uma vez organizados, os documentos devem ser autenticados e/ou ter a firma de seus signatários reconhecida, demandando a interação com cartórios – que, por sua vez, têm seu funcionamento comprometido pelas medidas de isolamento. Por fim, a documentação – usualmente em diversas e desnecessárias vias – deve ser fisicamente depositada no órgão ou entidade licitante, seguindo-se a sessão pública para a rubrica, pelos membros da comissão e licitantes, de centenas ou milhares de páginas.

É evidente que o formalismo inerente aos certames deve ser temperado com a lógica e bom senso, exemplificativamente, por meio da apresentação de documentos assinados digitalmente, a exemplo do que já ocorre com os balanços patrimoniais e demonstrações dos resultados do exercício no Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). De forma similar, a documentação e propostas poderiam ser inseridas em sistemas eletrônicos, tais como o Portal de Compras do governo Federal.

Não se ignora que o desenvolvimento de tais soluções tecnológicas é algo demorado e que demanda um know-how dificilmente detido, por exemplo, por pequenos municípios. Todavia, entende-se ser perfeitamente viável a utilização, em caráter temporário, de ferramentas disponíveis ao público em geral, tal como a apresentação de documentos “na nuvem” em sistemas tais como o Onedrive ou Googledrive e a realização das sessões (e audiências) públicas por meio de plataforma de comunicação em massa como Zoom, Google Hangouts, Microsoft Teams, etc.

Nota-se que alguns entes e entidades públicas já começaram a adotar medidas, ainda discretas, porém no sentido certo. O Estado do Rio Grande do Norte, por meio do Decreto Estadual nº 29.599/2020, dispõe expressamente que (i) as sessões de licitação podem ser realizadas por videoconferência, (ii) os documentos e propostas podem ser enviados pelos correios, e (iii) os contratos administrativos podem ser assinados digitalmente.

Já a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER) divulgou orientações para participantes dos certames em curso, tais como (i) o envio de documentos por via postal, (ii)  a realização de sessões públicas  em locais arejados, amplos, salvaguardando a necessidade de observância de distância mínima entre os presentes, (iii) a transmissão das sessões pelo Youtube, e (iv) flexibilização parcial das formalidades referentes à documentação atreladas à interação com terceiros (ex: autenticação de documentos, reconhecimento de firmas, etc.).

Há muito, os operadores do direito reconhecem a realidade de que a sociedade avança e as leis seguem a reboque. Um bom exemplo disso é a implementação da atividade de transporte de passageiros por aplicativos (Uber, Cabify, 99Pop, etc.) e o alvoroço legislativo que a seguiu, seja com objetivo de negar a realidade ou frear o inevitável.

O procedimento das licitações há muito merecia ajustes e melhoramentos. Espera-se que tais correções sejam um resultado positivo do alastramento da COVID-19.