Conciliação administrativa em matéria ambiental: Por que não?


Conciliação administrativa em matéria ambiental: Por que não?


Por Svetlana Miranda 

Há um velho ditado popular que diz “mais vale um mau acordo do que uma boa sentença”. Será? A conciliação na resolução de penalidades na seara administrativa ambiental representa, de fato, um caminho melhor do que se sujeitar a uma instrução? Eis o objeto da nossa breve análise.

Não existe vida em sociedade sem conflitos. O homem é o lobo do homem, como bem expressou Thomas Hobbes1. Em um estado natural, o individualismo dos seres humanos os compele a viver em guerra uns com os outros.

Incorpora-se ao contexto a crescente e ininterrupta demanda por bens subtraídos do meio ambiente, esgotáveis, que se constituem na grande e legítima preocupação da atualidade e têm merecido especial atenção de vários segmentos da sociedade. 

Contudo, a complexidade que caracteriza o dano ambiental e que, via de regra, envolve várias faces do meio ambiente (v.g. o ar, o solo, a água, a fauna, a flora, a biodiversidade), por vezes, não se equivale às regras e sanções jurídicas previstas para as essenciais proteção e reparação.

Além disso, o Estado, no exercício do monopólio da função jurisdicional, diante da qualidade e quantidade dos litígios que se apresentam, por muitas vezes, não consegue garantir, dentro dos parâmetros de duração razoável no tempo, a consecução de direitos com efetividade. 

Com isso, questiona-se: não se faz razoável investir na possibilidade de se estabelecer um diálogo sério e responsável, visando a uma tentativa de solução consensual entre o infrator e a sociedade, esta última na figura da própria Administração? 

Entendemos que sim. Afinal de contas, se há processo, há possibilidade de uma solução consensual. 

A CF/88, sabidamente, já define, no inciso LXXVIII do art. 5º, que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação; regulando-o, dispositivos do CPC2  permitem, desde o início do processo, uma composição extrajudicial e apta a solucionar os conflitos instalados, com eficiência demonstrada3

Dados recentes do CNJ4 apontam que o grau de eficácia da composição amigável é superior a 95%, bem superior à esfera judicial, na qual 30% das decisões não são cumpridas, pela impossibilidade de serem executadas por diversas razões. O êxito se deve à eficácia versus flexibilidade procedimental, além da simplicidade envolvida no processo.

Em nível nacional, a possibilidade de conciliação nos processos administrativos sancionatórios encontra-se regulamentada no Decreto Federal nº 6.514/2008, alterado, nesse aspecto, pelo Decreto nº 9.760/2019. O procedimento está organizado na recente IN Conjunta IBAMA/ICMBIO nº 2/2020.

Alguns Estados federados já instituíram a conciliação como etapa necessária ao procedimento, como, por exemplo, os Estados de São Paulo e Minas Gerais.

Regida pelos princípios da independência, imparcialidade, autonomia da vontade, oralidade, informalidade e da decisão informada, a solução consensual deverá prevalecer, sempre que possível, cabendo à Administração Pública promovê-la. Dentre as vantagens apontadas, tem-se a rapidez, menor custo, redução da incerteza quanto aos resultados, construção conjunta entre os envolvidos, maior amplitude de dados técnicos e de informações.

Dessa forma, o órgão ambiental, exercendo a sua própria função institucional, deixará de ser expectador em relação ao dano ambiental, em sua feição individualizada, para passar a ser agente viabilizador da solução do conflito.  

Não existem vencedores nem perdedores. Quando a solução é elaborada para os próprios problemas, tornando os envolvidos responsáveis pelos compromissos que assumem, alcança-se, em prol da coletividade e com menor custo, tempo, burocracia e danos colaterais, a solução mais eficaz e satisfatória. 

A economia processual é visível. Inclusive, tratando-se de matéria ambiental, a redução do uso de papel e de documentação impressa é sempre pertinente e a biodiversidade agradece!

1 HOBBES, Thomas. Leviatã.

2 Numa breve análise do disposto no art. 3º da Lei 13.105/2015 (CPC), entende-se que o legislador determinou a promoção da solução consensual dos conflitos e estabeleceu o dever dos operadores do direito de estimular métodos de solução alternativos de conflitos, tais como a mediação e a conciliação, além, é claro, de ratificar a importância do exercício da arbitragem.

3 Seguindo essa tendência, o Projeto de Lei nº 3.729/2004, que dispõe sobre a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, ora em trâmite no Congresso Nacional, prevê a utilização de instrumentos de mediação e conciliação quando existentes conflitos no processo de licenciamento ambiental.

4 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Mediação e Conciliação avaliadas empiricamente: Jurimetria para Proposição de Ações Eficientes. Revista Justiça Pesquisa, 2019.