Comércio eletrônico e os impactos nas relações de trabalho


Comércio eletrônico e os impactos nas relações de trabalho


Publicado em 13/11/2020, pelo portal jurídico Jota.

A discussão sobre o impacto da tecnologia no trabalho não vem de hoje. Ao contrário, podemos dizer que esta temática existe desde sempre! O momento atual demonstra o quanto tecnologia e trabalho provocam profundas mudanças na sociedade. A sociedade clama, atualmente, por alternativas que experiência que agregue valor. Certamente, a tecnologia tem sido o veículo utilizado para isso.

Para ilustrar, podemos citar recentes notícias como estas: Fast Shop fecha parceria com Uber para fazer entregas ou Movida cria aluguel de veículos voltado para entregas em parceria com a Magazine Luiza, as quais confirmam tal mudança de paradigma e também trazem a reflexão de como este novo modelo de negócio e padrão de consumo impactam o direito do trabalho, as empresas e os trabalhadores.

Nas situações exemplos acima, seriam estes motoristas reconhecidos como empregados, terceirizados de alguma das empresas, autônomos ou algo absolutamente diferente das opções anteriores? Como estruturar esta relação do ponto de vista trabalhista e social?

Para incrementar, importante dizer que na primeira manchete, a contratação da UBER pela Fast Shop ocorreu em razão das greves no correio, fato este que tem Já na segunda manchete sobre o Magalu, destacamos o texto do artigo que confirma que “Entre as principais vantagens desse modelo estão a padronização da frota, incluindo a plotagem da logomarca; carros novos com a maior parte dos veículos zero quilômetro; baixíssima barreira de entrada para novos motoristas e assistência 24 horas.

Os dois exemplos acima demonstram como a tão falada gig economy tem repercutido no mundo das relações de trabalho (conceito mais abrangente que não considera apenas a relação de empregado e empregador)-  e como podem ser estruturadas de inúmeras formas. Estamos preparados para enfrentar juridicamente esses novos formatos de relação de trabalho?

Com a pandemia da COVID-19 este binômio tecnologia e trabalho escancarou. As notícias confirmam uma migração da população para trabalho em aplicativos/plataformas de entrega como uma via alternativa de buscar recursos em razão da crise1. De outro lado, empresas enfrentam o desafio de se adequarem para vendas online2, as quais ganharam mais força com as restrições trazidas pela pandemia.

A terceirização de serviços, sempre tão controvertida na Justiça do Trabalho, somente “ganhou” uma lei específica em 2017. Após anos de discussão sobre os limites da terceirização e quais atividades poderiam ser terceirizadas, culminaram no entendimento atual de que quaisquer atividades podem ser terceirizadas, seja atividades de meio ou atividades fim da empresa.

Todavia, nem sempre estamos diante uma relação de terceirização. Muitas vezes a relação comercial que se pretende estabelecer é um contrato de parceria, contrato de facção ou um contrato de distribuição, dentre outros. Esta diferenciação se torna importante para definição das responsabilidades das partes.

Por outro lado, a Justiça do Trabalho tem se manifestado de forma controvertida sobre tema. Prova disso são os resultados de ações trabalhistas envolvendo motoristas de aplicativos, bem como de ações de entregados de aplicativos, a citar por exemplo casos que vieram a público como da Loggi e Ifood.  Aliado a isso, o Ministério Público do Trabalho3, em postura bem conservadora, tem manobrado ações civis públicas para discutir a existência de vínculo de emprego dos trabalhadores em aplicativos.

No âmbito legislativo, há um  Projeto de Lei 3748/20204 que visa regulamentar a questão dos trabalhadores de aplicativo atribuindo-os como trabalho por demanda, mas não excluindo a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego, no caso de restarem preenchidos os pressupostos legais. O risco reside exatamente no julgamento pelo Judiciário dessas novas formas de trabalho com uma visão rudimentar da Consolidação das Leis do Trabalho de 1943. 

O Projeto de Lei acenaria para uma solução intermediária, sem desconsiderar os impactos sociais desses novos modelos. 

Porém, classificar tais trabalhadores como empregados ou autônomos, ou ainda, entender qual tipo de relação jurídica irá definir esta forma de prestação de serviços com um olhar apenas pelo retrovisor, parece-nos forçá-los a vestir uma roupa que não lhes servem mais. Queremos dizer com isso que a situação não comporta uma solução simples e que cada modelo de negócio requer uma análise detalhada sobre os impactos trabalhistas. 

De concreto, hoje temos de um lado os requisitos para uma relação de emprego (pessoalidade, habitualidade, onerosidade, subordinação) estabelecidos pela CLT e de outro trabalhadores que pertenceriam a uma zona cinzenta. Dito isso, não é que a sociedade não precise dispor sobre regras de proteção, mas definitivamente não se pode elastecer o conceito de empregado como uma forma de garantir alguma segurança para esse grupo de trabalhadores, pois os conceitos da CLT restariam, ao nosso sentir, desvirtuados. 

O fato é que as relações jurídicas já existem e ainda que estejam carentes de uma previsão legal específica ou aguardem uma jurisprudência pacífica, precisam ser enfrentadas, não podendo estar à margem das cautelas necessárias para prevenção de litígios.

Podemos, por fim, armar, com certa margem de certeza, que a análise de risco destes novos modelos de trabalho passa por aspectos culturais e sociais, inclusive requerendo a exata compreensão do conceito da mandatória autonomia e independência destes trabalhadores quando da prestação de serviços.

[1] https://economia.uol.com.br/noticias/estadaoconteudo/2020/07/19/trabalhador-enfrenta-la-de-espera-para-se-tornarentregador-em-aplicativos.htm — acesso em 26 de Outubro de 2020.

[2] https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/08/28/faturamentode-lojas-online-no-brasil-cresce-47-por-cento-no-1o-semestre-de-2020-maioralta-em-20-anos.ghtml – acesso em 26 de Outubro de 2020.

[3] http://www.prt2.mpt.mp.br/619-empresas-de-aplicativos-de-motofrete-saoalvo-de-acao-civil-publica-ajuizada-do-ministerio-publico-do-trabalho-porburlarem-relacao-de-emprego – Acesso em 27 de Outubro. 

[4] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=846codteor=1912324&lename=Tramitacao-PL+3748/2020 – Acesso em 27 de Outubro de 2020