Atividade rural anterior a registro permite pleitear recuperação judicial


Atividade rural anterior a registro permite pleitear recuperação judicial


Foi reformada a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 6 de outubro, ao prover recurso especial ajuizado por produtor rural que entrou com pedido de recuperação judicial, apenas sete dias após fazer a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.

O STJ entendeu que o empresário rural exerce regularmente sua atividade econômica independentemente de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Ainda que seja relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, o registro seria desnecessário para demonstrar que exerce a atividade há pelo menos dois anos, podendo haver comprovação por outras formas, principalmente levando-se em conta o período anterior à inscrição.

Essa foi a interpretação dada pelo STJ ao artigo 48 da Lei 11.101/2005, que condiciona o pedido de recuperação judicial ao devedor que exerça regularmente suas atividades há mais de 2 anos. O TJ-MT havia considerado que o produtor rural só começa a contar esse período a partir do registro na Junta Comercial. 

Com essa decisão, a 3ª Turma do STJ adotou o mesmo entendimento da 4ª Turma, que em fevereiro decidiu no mesmo sentido. A controvérsia foi analisada pela 2ª Seção do STJ (formada pelas duas Turmas de Direito Privado), para julgamento no rito de recursos repetitivos, mas não houve decisão porque as duas turmas ainda não haviam firmado posição sobre o tema. 

A decisão seguiu o voto do relator, Min. Marco Aurélio Bellizze, que foi acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi, os quais consideraram que a inscrição do produtor rural na Junta Comercial tem característica meramente declaratória, não configurando o início de sua atividade empresarial.

O relator lembrou que o Art. 970 do Código Civil assegura "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes". E o Art. 971 prevê a inscrição na Junta Comercial como mera faculdade.

Para o Min. Moura Ribeiro, se o próprio Código Civil afirma a necessidade de tratamento simplificado, parece contraditório interpretar disposição do mesmo código para criar uma exigência burocrática que torne mais complexo o desempenho da atividade do produtor rural.

Ao acompanhar o relator, a ministra Nancy Andrighi lembrou que há sete anos defende ser desnecessário o registro há mais de dois anos para que produtores rurais requeiram a recuperação judicial.

O único voto vencido foi do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual o ato do registro na Junta Comercial tem natureza constitutiva. Para ele somente depois de efetivado esse registro é que o produtor rural passa a ser empresário. E a partir daí começa a contagem de dois anos para que faça jus à recuperação judicial.

O Min. Cuevas salientou que entendimento diverso implicará repentina alteração das regras de financiamento entre os agentes da cadeia produtiva do agronegócio e milita contra a recém aprovada Lei do Agro (Lei 13.986/2020), oriunda da Medida Provisória 897/2019, que buscou flexibilizar o acesso ao crédito, incentivar o investimento estrangeiro e proteger o credor de eventual recuperação judicial do produtor.

Para o Min. Cuevas, "A pretensão de contrair a dívida como pessoa física e pagar como pessoa jurídica em recuperação judicial põe em risco toda a estrutura de relações travadas entre os elos interdependentes da cadeia produtiva do agronegócio, pois retira a segurança que subsidia essas relações". Além disso, 

"Prejudica também os demais produtores que não optaram pelo regime empresarial, especialmente os que não têm acesso ao crédito subsidiado e passarão a ser avaliados como pessoas jurídicas para o fim de concessão de empréstimo".

Com isso, as duas Turmas de Direito Privado do STJ adotaram decisões semelhantes no REsp 1.811.953 e no REsp 1.800.032.

Apesar de a decisão ser desfavorável às instituições financeiras, as duas turmas pacificaram a controvérsia. Como consequência, o crédito ao produtor rural será precificado com o risco adicional da recuperação judicial, mesmo que seja contraído por produtor pessoa física.