Alienação de bens a valor simbólico ou doação disfarçada?


Alienação de bens a valor simbólico ou doação disfarçada?


No Brasil, a carga tributária é alta e, por isso, as pessoas físicas e jurídicas vêm procurando alternativas lícitas (planejamento tributário), utilizando-se de métodos legais, para a redução dos tributos em operações de transferência de bens para terceiros, sendo tal procedimento denominado elisão fiscal.

Não obstante, nesta busca constante de redução de tributos, eventualmente, o contribuinte se equivoca e comete uma evasão fiscal, também conhecida como sonegação fiscal, que é o uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de taxas, impostos e contribuições. A omissão de informações, as falsas declarações e a produção de documentos que contenham informações falsas ou distorcidas, estão entre os métodos usados para evadir tributos.

Nesta seara, com intuito de redução da carga tributária, ou até mesmo objetivando evitar o recolhimento de tributos, é constante a realização de operações entre pessoas físicas ou jurídicas de transferência de bens ou direitos a título oneroso, revestido das formalidades de um contrato de compra e venda, mas considerando como valor venal do bem e/ou direito a ser transmitido um valor muito inferior ao valor de mercado, em alguns casos até irrisórios. 

No mercado imobiliário, por exemplo, não é incomum a escrituração da transmissão da propriedade por valor inferior ao verdadeiramente pactuado. Nestes casos, é realizado um instrumento, público ou particular, declarando valor menor que o efetivamente negociado, porém, efetuando o comprador o pagamento real do preço. 

Ocorre que essa conduta é ilícita, pois visa impedir a ocorrência do fato gerador do tributo ou reduzir a base de cálculo dos impostos, visto que a alienação de imóveis pode gerar ganhos de capital (caso em que o valor de venda é maior do que o custo de aquisição do bem/direito), os quais ficam sujeitos à tributação do imposto de renda. 

Portanto, a prática adotada de reduzir o valor real da operação configura sonegação de impostos, fraude, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, sendo que, na maior parte dos casos, os contratantes desconhecem os riscos e consequências jurídicas (e patrimoniais) que podem advir desta prática.

É também comum, observarmos a prática de transferência a valor simbólico de cotas e ações de Sociedades entre pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico ou pessoas físicas do mesmo grupo familiar, considerando tal operação como uma compra e venda.

A compra e venda é um contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir a propriedade de um bem para a outra parte (comprador), a qual se compromete a pagar-lhe certo preço em dinheiro ou valor fiduciário representativo de dinheiro (nota promissória, cheque, duplicata, letra de câmbio etc).

No Brasil, o contrato de compra e venda de imóveis ou quotas/ações de empresas por si só não transferem a propriedade destes bens, gerando, apenas a obrigação de transferi-los. A efetiva transferência da propriedade de um imóvel depende do registro do contrato ou da escritura de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis do local de situação do bem, sendo que somente a partir desse registro é que nasce o direito de propriedade com eficácia erga omnes, ou seja, perante terceiros (art. 1.245 do Código Civil).

Em relação à transferência de quotas ou ações de empresas, a cessão somente terá eficácia quanto à sociedade e terceiros a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes na Junta Comercial, se sociedade limitada, ou pelo devido registro no Livro Registro de Ações, se sociedade anônima.

A prática de transferência de bens por valor bem inferior ao de mercado, sendo considerado irrisório ou, simplesmente simbólico, especialmente entre pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico ou pessoas físicas do mesmo grupo familiar, tem sido entendida pela doutrina e jurisprudência como verdadeira operação de doação destes bens e/ou direitos. 

A transmissão de bens a título gratuito (doação) está sujeita à incidência do ITCMD – Imposto de Transmissão "causa mortis" e doação (art. 155, inciso I, da Constituição Federal/88), sendo de competência dos Estados e do Distrito Federal. Relativamente aos bens imóveis e respectivos direitos, o imposto é devido ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal. Com relação aos bens móveis, o imposto é devido ao Estado, ou Distrito Federal, onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador.

A base de cálculo deste tributo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, sendo as alíquotas fixadas pela lei estadual, podendo variar, dependendo do Estado, de 1% a 8% (o Senado fixou em 8% a alíquota máxima deste tributo por meio da Resolução 09/1992, sendo autorizada a progressividade das alíquotas).

No Estado de Minas Gerais o ITCMD é regido pela Lei Estadual nº 14.941/2003 e regulamentado pelo Decreto Estadual nº 43.981/05 (RITCD), sendo a alíquota de 5% (cinco por cento) sobre o valor de mercado dos bens ou direitos transmitidos a título gratuito.

Portanto, a transferência de bens a valor ínfimo, mesmo que a operação esteja revestida com as formalidades de um contrato de compra e venda, estará sujeita à tributação do ITCMD em razão de ser considerada operação de doação, pelo princípio da primazia da realidade, no qual considera-se a prevalência dos fatos sobre as formas. Neste caso, a operação poderá ser considerada simulação ou fraude e o contribuinte será onerado com multas mais pesadas (sanções qualificadas), considerando a má-fé do contribuinte e o intuito de fraudar o governo.

Importante ressaltar que, objetivando evitar tais práticas ilegais, o Estado de Minas Gerais determinou a obrigação da Junta Comercial de informar à Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ MG), até o 10º dia do mês subsequente ao da operação, todas as transferências de quotas de sociedade para cônjuge, ascendente ou descendente, bem como qualquer doação de cotas de sociedade, inclusive a título de cessão de direitos hereditários (art. 34, I, do Regulamento de ITCD RITCD MG).

A desconsideração da operação de compra e venda na transmissão de bens a valor simbólico vem sendo amplamente analisada pelos órgãos julgadores administrativos e judiciais, os quais vêm decidindo no sentido de desconsiderar a operação de compra e venda por entender que tal operação trata-se, na realidade, de doação.

Entre as importantes decisões administrativas do Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais destacamos: o acórdão n° 20.973/12 (PTA/AI: 15.000009328-91), que considerou legítima a cobrança do ITCMD sobre doação nas operações de transferência de ações de determinada empresa, em razão de simulação em contrato de compra e venda que foi regularmente desconsiderado. Nesta mesma linha de raciocínio, foi proferido o acórdão n° 18.381/09 (PTA/AI: 15.000001176-07) que considerou legítima a cobrança do ITCMD sobre a operação de doação de imóvel ao comodatário, cuja transferência foi realizada através de operação dissimulada em contrato de compra e venda, regularmente desconsiderado.

Os Tribunais têm se manifestado neste mesmo sentido de que é devido o ITCMD em operações de transmissão de bens e direitos a valor irrisório. Por exemplo, no julgamento do acórdão n° 00313124020128260562 do TJSP (Ação Anulatória de Débito Fiscal ITCMD), de 04/09/2014, o colegiado entendeu que a venda de cotas sociais por valor simbólico, culminou no não pagamento do ITCD, sendo considerada doação caracterizada e a operação de compra e venda simulação, haja vista que o contrato de compra e venda não se revestiu dos requisitos mínimos de validade. 

Nos Tribunais Superiores esse entendimento tem se mantido. No Agravo em Recurso Especial n° 805459 - RS (2015/0273756-3), o relator negou provimento ao agravo, sendo mantida a decisão do acórdão, no qual o colegiado entendeu que “constatada a configuração do fato gerador do ITCD, constituído, na espécie, da transferência de cotas de pessoa jurídica a título gratuito, uma vez que, a rigor, frente ao valor irrisório atribuído à operação, tratava-se de doação pura travestida de cessão a título oneroso, visando a burlar a incidência do imposto referido, não havendo, portanto, qualquer nulidade no auto de lançamento em questão”.

Desta forma, resta claro que as autoridades fiscalizadoras estão atentas às práticas de transferência de bens a valor simbólico a fim de reduzir os impostos eventualmente devidos na operação, podendo desconsiderar tais operações, caracterizando fraudes e onerando o contribuinte com a cobrança dos tributos devidos acrescidos de multas qualificadas. Consideramos assim, que eventuais discussões na esfera administrativa e judicial têm poucas chances de êxito.