Ação Civil Pública acende o debate sobre o aumento das demandas jurídicas referentes à privacidade e proteção de dados pessoais


Ação Civil Pública acende o debate sobre o aumento das demandas jurídicas referentes à privacidade e proteção de dados pessoais


O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) propôs Ação Civil Pública (ACP) em face da União Federal e da AMC (Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania) do Ceará, tendo por objeto a discussão da legalidade do sistema de vigilância de câmeras com capacidade de alta definição, utilizado pelos agentes fiscalizatórios através de sala de monitoramento, para aplicar multas aos motoristas. 

A fundamentação da ACP se dá em torno dos direitos fundamentais constitucionais da vida privada e intimidade, pois tal sistema de câmeras possui a capacidade de ampliação de imagem, proporcionando a visão de todo o interior dos veículos, “como mulheres se maquiando e as roupas que estão a usar”, conforme alegado pelo MPDFT em sua inicial. Em continuação, as partes apresentaram defesa, alegando, em síntese, com fundamento no Código de Trânsito Brasileiro e na Resolução n° 471 de 2013, a legalidade da fiscalização pelo videomonitoramento utilizado. O Contran (Conselho Nacional de Trânsito) editou tal regulamento em consonância com a competência conferida no art. 280, §2° do CTB. Dessa forma, ambas as partes requeridas afirmam a legalidade da conduta, descartando qualquer medida de exclusão das vigilâncias sub judice. No mais, a perícia realizada nas câmeras de vigilância utilizadas a título de fiscalização do trânsito detectou que os dispositivos efetivamente alcançam o interior do veículo, podendo proporcionar nítidas imagens das condutas dos motoristas – a depender da qualidade das imagens, das condições do clima e, também, da utilização de escurecimento de vidros. 

Diante desse cenário, no dia 06 de setembro a ACP foi julgada parcialmente procedente, reconhecendo a violação da intimidade e vida privada, com a consequente determinação de exclusão do sistema de verificação por câmeras de infrações cometidas dentro dos veículos. Ainda, tal decisão impôs efeito nacional, determinando que o Conselho Nacional de Trânsito edite uma nova resolução em relação ao videomonitoramento de infrações de trânsito, considerando os aspectos da decisão, ou seja, os direitos de personalidade do motorista, com enfoque na vida privada e intimidade. 

A demanda em questão, embora pautada em fundamentos previstos na Constituição Federal, possui intensa relação com os acalorados debates sobre privacidade e proteção de dados, advindos da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), seus fundamentos e princípios. Esse tem sido o movimento adotado por alguns órgãos, como o Ministério Público e o Procon que já se utilizam de fundamentos previstos na LGPD para basear suas notificações e/ou petições, mesmo que tal lei ainda não tenha entrado em vigor, encontrando-se em período de vacatio legis. 

Diante de tal postura, a comunidade jurídica acredita no aumento do volume de ações, tanto administrativas quanto judiciais, em relação à proteção de dados e privacidade dos titulares, evidenciando a importância do advento da LGPD. Agravante desse cenário é a ausência de entendimentos uníssonos sobre alguns temas endereçados na lei, que poderão ser resolvidos quando da formação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), como órgão regulador essencial.

Os Tribunais Superiores também começaram a se manifestar. No início do mês, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que a LGPD trará elementos agravadores de processos relacionados à privacidade e que um desses motivos seria a responsabilidade prevista em seus artigos 42 e 44, que preveem responsabilidade objetiva e solidária do controlador e operador pelo tratamento indevido de dados pessoais. 

O tema também foi endereçado no Seminário de Novas Tecnologias e Comunicação realizado pelo STJ, que analisou e discutiu a preocupação e a importância das empresas em estarem de acordo com a LGPD, o desafio na criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, como órgão efetivo fiscalizatório, bem como o aumento das demandas envolvendo o tratamento de dados. 

Outro ponto importante a ser observado é que o Judiciário não enfrentará apenas desafios de ordem jurisprudencial e de mérito, mas também percalços técnicos, uma vez que a parte do sistema que ainda não está totalmente digitalizada dificulta buscas textuais e a acessibilidade e manuseio de processos, o que é reflexo da falta de estrutura atual dos Tribunais e órgãos correlatos. 

A Ação Civil Pública descrita acima, que decidiu em favor da privacidade dos titulares de dados, traz indícios relevantes sobre a importância da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados e seus efeitos no cenário jurídico, político e econômico brasileiro. A tendência de aumento de ações referentes ao tema, tanto administrativas quanto judiciais, demonstra a importância cada vez maior de adaptação das empresas às previsões da LGPD, a fim de evitar penalidades por parte de órgãos públicos e reguladores e sequelas de mercado e reputação, por exemplo. 

Para receber as principais novidades de privacidade e proteção de dados, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações do Azevedo Sette.

Saiba mais aqui, aqui, aquiaqui.


*colaboração da interna Bruna Toniolo Lopes.