A arbitragem como solução de conflitos no Inventário


A arbitragem como solução de conflitos no Inventário


Por Monalisa Marques

Tratar a morte, embora seja assunto nebuloso, tem se tornado questão de pauta, especialmente nas famílias mais abastadas. Soluções como o planejamento sucessório têm ganhado tônica, e não é para menos. O planejamento sucessório ajuda, e muito, na organização das famílias e das sociedades, para além da autoridade exercida pelo patriarca ou pela matriarca.

Ações como elaborar testamento, criar uma sociedade, direcionar os investimentos e adiantar a doação dos bens auxiliam para que o efeito da morte seja minimizado. 

Por mais que se planeje, no entanto, não são raras as vezes em que a família entra em disputa, seja pelo controle dos negócios, seja pela preferência de alguns bens, ou ainda pela justiça ou injustiça da divisão. Resultado disso são processos de inventários que se arrastam por anos no Judiciário, sem que o juiz consiga dar uma solução a tempo e ao modo do que se espera. 

Exemplos que podem ser citados são o inventário da família Lundgren, proprietária da varejista Casas Pernambucanas, que há três décadas protagoniza uma das mais conhecidas disputas societárias de que se tem notícia no capitalismo brasileiro. São mais de 30 descendentes da quarta e da quinta geração disputando o controle da companhia fundada em 1908 e que, em 2014, faturou 4,7 bilhões de reais¹.  De tão grande a disputa, foi necessária a intervenção do CNJ no sentido de promover a conciliação entre os herdeiros. 

Com menos tempo de duração, mas não menos trabalhoso, pode ser citado o inventário do Ex-Governador de São Paulo, Orestes Quércia, que se arrasta há dez anos na Justiça Paulista, envolvendo a disputa pelos bens que podem alcançar o valor de R$ 1 bilhão de reais². 

O que esses casos têm em comum é que, no mais das vezes, os processos se arrastam por anos, vão se acumulando autos, uma sequência de advogados vai assumindo mandatos de meses, anos ou décadas, e, ao final, as partes acabam admitindo que são elas as únicas responsáveis pelo fim do litígio. 

O que se propõe, então, é, desde já, pensar em soluções que fujam desses anos batendo às portas dos Tribunais. 

Quando se pensa em um litígio em que as partes optem por um terceiro que consigam escolher, que vai reunir conhecimentos específicos para analisar a matéria e que traga a solução com mais rapidez, eficiência e, especialmente, confidencialidade e especialização dos árbitros, o que vem à mente é a arbitragem.

No ramo do Direito de Família, porém, tem-se a premissa de que a arbitragem não tem voga, por envolver direitos indisponíveis. Entretanto, se tal afirmação é em parte verdadeira, é igualmente em parte falsa. O direito de família nem sempre está diante de direito indisponível. 

Os bens objeto de partilha, por exemplo, são direitos disponíveis. O cônjuge pode se divorciar e abrir mão dos bens em favor do outro cônjuge. Do mesmo modo, o herdeiro pode não aceitar a herança. Se são direitos disponíveis, portanto, o que impede que a partilha seja levada à câmara de arbitragem?  

O juízo arbitral, evidentemente, não poderá resolver questões relacionadas à legitimidade de herdar, para os casos que envolvem, por exemplo, reconhecimento de paternidade post mortem ou declaração de união estável. A arbitragem é medida visualizada para resolver as questões de partilha dos bens, avaliação de cotas sociais, indenização pelo uso exclusivo de bem comum, aluguel relativo aos frutos de determinado bem e apuração dos valores relacionados ao adiantamento de legítima.

Tudo isso concentrado nas mãos de árbitros, certamente, importará em menos tempo, e, em alguns casos, menos custos, além do que os herdeiros poderão contar com as vantagens da especialidade do julgador e da confidencialidade. Esses aspectos ganham ainda maior importância no âmbito do inventário, uma vez que a rapidez na solução pode minimizar o sofrimento das partes que, além da dor causada pela perda de um ente querido, ainda são obrigadas a discutir questões patrimoniais em longas pendências judiciais.

Os custos podem ser menores, na medida em que o processo se resolve com mais agilidade, podendo importar ainda em certa economia nos gastos com advogado e com despesas processuais, além do que, diante da especialidade do árbitro, pode se pensar em dispensar a produção de laudos de avaliação particulares. 

A confidencialidade, do mesmo modo, ganha importância, a considerar as particularidades envolvidas no conflito, que tantas vezes despertam a curiosidade e a especulação social, levando, no mais das vezes, a consequências nocivas aos negócios da família. 

O árbitro será capaz de se dedicar ao ponto em litígio, apreciar as demandas individuais, alinhar as expectativas dos herdeiros e chegar mais rapidamente a uma solução. 

A arbitragem, portanto, é mais uma solução de desjudicialização, que se apresenta mais rápida e, em alguns casos, pode ser mais econômica. Ela pode ser inserida no pacto antenupcial, na ação de alteração de regime (quando não se proceder à partilha), assim como pode ser sugerida pelo testador. 

Por envolver debate que demanda maior profundidade, aqui não se defende a previsão da arbitragem como cláusula do testamento, mas como um caminho traçado pelos próprios herdeiros, de maneira que, diante de conflito envolvendo divisão dos bens, sua avaliação e/ou administração, os coerdeiros optem por submeter-se à arbitragem.

¹ Revista Exame. Herdeiros da Casas Pernambucanas brigam para mudar comando. Disponível em https://exame.abril.com.br/revista-exame/de-roupa-nova/. Acesso em 09/03/2020
²  O Globo Brasil. Disputa por fortuna de Orestes Quercia completa três anos. Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/disputa-por-fortuna-de-orestes-quercia-completa-tres-anos-11505303. Acesso em 08/03/2020