Who run the world? Girls? Gender Gap e os conselhos de administração


Who run the world? Girls? Gender Gap e os conselhos de administração


Por Ana Luiza Mendonça e Mariana Viotti

A partir da segunda década do século XXI, com o fortalecimento do movimento feminista, ocorreu a expansão do debate sobre a equidade e a diversidade de gêneros em todos os âmbitos sociais, entre eles o profissional, e, consequentemente, surgiu uma grande mobilização em prol do empoderamento feminino. 

Há nove anos, a cantora Beyoncé, por exemplo, lançava o hit “Run the world”, incentivando o movimento e celebrando o poder feminino. Do mesmo modo, várias organizações começaram a realizar pesquisas sobre o tema, nascendo uma série de indicadores, tais como o gender gap, que apontam a diferença entre homens e mulheres nas ações sociais, políticas, intelectuais, culturais ou econômicas. 

Apesar do tema ter ganhado força, ainda são poucas as medidas com resultados efetivos - ainda é rara a presença de mulheres “running the world”, ou seja, em cargos com participação na tomada de decisões em empresas, por exemplo. 

Muitas empresas, dizendo-se comprometidas com o tema, começaram a promover estudos e divulgar dados sobre a diversidade de gênero na sua força de trabalho – este último, principalmente, com a aproximação do Dia Internacional da Mulher. Entretanto, o que se vê é que a tão dita representatividade feminina ocorre apenas nos cargos de base, e não na liderança. 

Segundo o Global Gender Gap Report 2020, estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM) que analisa aspectos como oportunidade de emprego e participação econômica, educação, saúde, perspectiva de vida e empoderamento político, em 153 países ainda há uma disparidade entre os gêneros de 31,4%. Até hoje, nenhum país alcançou a equidade de gêneros neste aspecto.

O Brasil possui umas das piores pontuações dentre os países da América Latina, ocupando a 92º posição no ranking mundial de países que se aproximam da realidade da paridade de gêneros. Nas categorias de educação e saúde, alcançamos bons indicadores. Mas, na política e na economia, o país apresentou uma baixíssima taxa de participação feminina em cargos de liderança e rendimentos, persistentemente desiguais.

O estudo mostra que, mundialmente, a participação das mulheres no mercado de trabalho está estagnada e as disparidades salariais estão se ampliando, ao invés de diminuírem. A justificativa para isso é que as mulheres, conforme já proposto acima, (i) têm maior participação em cargos robotizados, (ii) não existem mulheres suficientes em profissões com maior crescimento salarial, como a área de tecnologia, e (iii) as empresas ainda não oferecem infraestrutura e acesso para elas. A previsão é que ainda demore cerca de 257 (d-u-z-e-n-t-o-s-e-c-i-n-q-u-e-n-t-a-e-s-e-t-e, isso mesmo!) anos para que o mundo alcance a equidade de gênero.

A ausência de mulheres em cargos de liderança também é evidenciada no BoardEx 2019, estudo que analisou as companhias listadas no mercado de 25 países. De acordo com a pesquisa, existem apenas 8 países com mais de 30% de mulheres nos conselhos de administração das companhias listadas em bolsa de valores: França, Suécia, Noruega, Itália, Finlândia, Bélgica, Reino Unido e Austrália. 

O Brasil aparece na outra ponta da pesquisa, estando entre os 3 países com 10%, ou menos, de mulheres no conselho de administração das companhias listadas em bolsa de valores, junto com a Rússia e o Japão.

Fonte: BoardEx, December 2019

O Gender Equality Global Report and Ranking 2019, divulgado anualmente pela Equileap, a principal organização não governamental de pesquisa em igualdade de gênero no setor empresarial, aponta que apenas 10% das empresas no mundo possuem conselhos de administração com gêneros equilibrados e 6% de diretorias equilibradas. As mulheres continuam ocupando cargos baixos, representando 36% da força de trabalho neste nível, 21% em cargos de gerência, 15% em cargos de diretoria e 22% em posições de conselheiras.

Todos esses dados contrariam as constantes pesquisas sobre o tema, realizadas pela equipe Diversity Matters da McKinsey & Company. A empresa mostrou que a diversidade de gênero nos órgãos de administração está diretamente relacionada ao aumento da performance da empresa. Nas empresas analisadas, verificou-se que os resultados financeiros daquelas com conselhos plurais foram 21% superiores aos daquelas com órgãos de administração formados unicamente por homens.

Diante deste panorama, o banco Goldman Sachs, em janeiro deste ano, anunciou, no Fórum Econômico Mundial realizado em Davos, o compromisso de não coordenar IPOs (processo de abertura de capital na bolsa de valores) de empresas cujo conselho de administração não tenha mulheres atuando. 

Apesar de animadora, a decisão dessa instituição financeira ainda não chega perto de fechar o gender gap. É que a nova regra, que começa a valer em julho deste ano, será aplicada apenas para as empresas localizadas nos Estados Unidos e na Europa, não alcançando os países em que a disparidade de gênero é mais evidente, como o Brasil ou o Japão. A esperança é que essa medida influencie outras empresas ou entidades a adotarem posturas semelhantes. 

Por enquanto, as mulheres representam apenas 11% dos conselheiros de companhias brasileiras com ações negociadas na bolsa de valores. Segundo uma pesquisa realizada em março de 2019 pelo jornal El País, em parceria com a ONG mexicana Poder, 6 em cada 10 empresas com ações negociadas na B3 não possuem nenhuma mulher em seus conselhos de administração. E cerca de 58% das companhias listadas possuem conselhos compostos, única e exclusivamente, por homens.  

Em uma tentativa de mudar o cenário brasileiro, está em análise, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 7179/2017, que propõe a presença mínima de 30% de mulheres nos conselhos de administração de empresas públicas, sociedades de economia mista e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. 

A iniciativa tem como pano de fundo o “30% Club”, criado em 2010 no Reino Unido por um grupo de conselheiros e CEOs, com o objetivo de incentivar a diversidade de gênero em cargos de liderança, como medida de boa governança corporativa e para melhor performance das empresas. O intuito da organização é fazer com que as mulheres passem a ter pelo menos 30% de representação nos boards das empresas de todas as naturezas jurídicas. Países como Noruega, Islândia e Holanda já adotaram essa política. 

Se aprovada, a lei brasileira seria implantada gradualmente, passando a ser obrigatória apenas a partir de 2022. Entretanto, desde outubro de 2019 o referido projeto de lei não teve andamento, por ser constantemente retirado da pauta da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, por iniciativas de deputados homens.

A realidade brasileira é que nem sequer a ideia de ter uma mulher na liderança agrada à população: a pesquisa realizada pelo The Reykjavik Index for Leadership em 2019 mostra que 59% dos brasileiros não se sentem confortáveis em ver uma mulher como CEO de uma grande organização. Considerando que, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018, a população brasileira é dividida em 48,3% homens e 51,7% mulheres, pode-se dizer que as próprias mulheres ficam desconfortáveis com outras mulheres na liderança. Retrato puro e simples de um paradigma social que está, a passos muito lentos, sendo quebrado.

É verdade que melhorar o equilíbrio de gênero nos conselhos de administração não é uma tarefa fácil; exige um esforço conjunto da comunidade empresária e uma consciência coletiva para que a importância (e as vantagens!) da diversidade de gênero seja absorvida, não só para o desempenho da empresa a longo prazo, mas, principalmente, para a construção de um mundo mais igualitário. 

É necessário que as empresas realizem um exercício diário de revisão das regras – desde aquelas que tratam da sucessão, até as relativas à composição dos órgãos da administração - para garantir que ocorra a real representatividade feminina em todos os níveis da organização. 

Conselhos formados por homens e mulheres têm competências, experiências e perspectivas diferentes, que levarão ao desenvolvimento de melhores estratégias empresariais e, como já dito, melhor performance. 

Referências bibliográficas

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