O Conflito da Tributação de Software – ICMS OU ISSQN?


O Conflito da Tributação de Software – ICMS OU ISSQN?


Por Ana Eliza Jácome, Pâmella Souto Pires e Izabelle Lauar Schirmer

A tributação de software é assunto que levanta muitas dúvidas entre os contribuintes, já que a falta de uma legislação específica para regular o tema dá ensejo à discussão sobre quais são os impostos que devem incidir sobre o licenciamento ou cessão desses programas de computador, em razão da indefinição sobre sua natureza jurídica.

A grande problemática da questão é que a comercialização de softwares não se encaixa adequadamente na definição clássica de serviço, nem de mercadoria, levantando dúvidas sobre a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ou do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). À identificação do tributo incidente subjaz um conflito de caráter federativo: cabe aos Estados ou aos Municípios tributar o software?

Todo esse impasse pode ser resumido na seguinte pergunta: quando você adquire um software, por meio da internet, para ter acesso às suas funcionalidades você faz a contratação de um serviço ou a compra de uma mercadoria? 

A indefinição da resposta a essa pergunta ocasiona incidência simultânea de ICMS e ISS – o que acaba por configurar uma situação de bitributação. O resultado mais grave dessa controvérsia é a insegurança a que se submetem os contribuintes, instados a recolher valores aos cofres estaduais e municipais, em decorrência dos mesmos fatos geradores, o que não se permite em nosso sistema constitucional tributário. 

Apesar dos esforços do governo para regular a tributação de softwares, podemos notar que as legislações ainda são conflitantes e deixam várias dúvidas sobre o assunto. Exatamente por essa razão é que a discussão foi levada ao Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 688.223 e, nesta mesma oportunidade, das ADI’s nºs 5.659 e 1.945, pautados para 18/03/2020.

Antes, contudo, de se adentrar à discussão travada nos referidos processos, cumpre-nos analisar o contexto legislativo que gerou todo o conflito atinente à tributação de software.

A Lei Complementar 116/2003 previu, na lista tributável pelo ISS (subitem 1.05), a incidência do imposto no licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computação, tendo sido incluída, pela Lei Complementar 157/2016 (subitem 1.04), a elaboração de programas de computadores. 

Os Convênios nºs 181/2015 e 106/2017, por outro lado, autorizam e disciplinam a cobrança, por parte dos Estados, do ICMS sobre as operações com software.

Ao analisar a questão, Superior Tribunal de Justiça se manifestou, por intermédio do Recurso Especial nº 814.075, julgado em 2008, firmando a tese de que “o fornecimento de programas de computador (software) desenvolvidos para clientes de forma personalizada se constitui prestação de serviços sujeitando-se, portanto, à incidência do ISS”.

Nessa oportunidade, a Corte distinguiu os softwares personalizados, feitos sob encomenda, daqueles denominados como “softwares de prateleira”, programas padronizados que não exigem customização. Sobre estes, consignou-se que deve incidir o ICMS, uma vez que a natureza jurídica se aproximaria mais de uma mercadoria, enquanto que, sobre aqueles, deve incidir o ISS, porque no processo de customização há demanda de mão de obra para sua confecção, o que configura uma prestação de serviço. 

Ocorre que a Lei Complementar nº 116/2003 adota o conceito de software como prestação de serviço puro, não fazendo qualquer ressalva quanto à incidência do ICMS, mesmo na hipótese de licenciamento de software personalizado e, concomitantemente, alguns Estados já têm exigido o ICMS sobre software em geral, em razão da edição dos Convênios nºs 181/2015 e 106/2017.

Diante desse contexto, surge o fenômeno da bitributação: exigência simultânea de impostos de competência de diferentes entes federados. Isso porque, a Lei Complementar federal prevê a incidência do ISS e os Convênios do CONFAZ, bem como as leis e decretos estaduais, preveem a incidência de ICMS.  

Tal como antecipado, em razão de todo o conflito envolvendo a correta forma de tributação do software, o RE nº 688.223 foi afetado à sistemática de repercussão geral pelo STF, com o objetivo de discutir a constitucionalidade da incidência do ISSQN sobre licenciamento/cessão de software personalizado.

O art. 156, III, da CF/88 define que compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, exceto sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Por seu turno, a prestação de serviços é considerada como sendo uma espécie de obrigação de fazer, tendo em vista a presença de esforço humano – trabalho – para a elaboração de algum projeto. 

A partir desse critério, a tese do contribuinte no referido leading case se sustenta na alegação de que este tipo de software não está sujeito à tributação pelo ISS, já que o contrato envolvendo licenciamento ou cessão se refere a uma obrigação de dar, e não de fazer. Contudo, referida tese não foi acolhida pelo Tribunal de Justiça do Paraná. 

O julgamento desse Recurso Extraordinário, pautado para ocorrer em 18/03/2020, já perdura no judiciário há oito anos, mas apenas agora o STF se manifestará, pela primeira vez, quanto à definição da natureza jurídica dessa espécie de software (personalizado). 

Nessa mesma oportunidade, foram pautadas para julgamento as Ações Diretas de Inconstitucionalidade:

(i) ADI nº 5.659, ajuizada em 2017 pela CNS (Confederação Nacional  dos Serviços), que questiona a legislação de Minas Gerais para excluir as operações com programas de computador (software) da hipótese de incidência do ICMS; e a

(ii) ADI nº 1.945, ajuizada em 1999 pelo PMDB, que contesta a legislação do Estado de Mato Grosso, que prevê tributação de ICMS sobre operações com programas de computador, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados. 

A expectativa é que o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal delimite os conceitos e a natureza jurídica do software, colocando fim ao conflito entre os Estados e os Municípios.