ESG, a síndrome do ovo e da galinha e a bola de neve


ESG, a síndrome do ovo e da galinha e a bola de neve


Mudança de comportamento da coletividade é assim. Demora, às vezes por gerações. E está intimamente ligada aos valores que aquela sociedade tem em um dado momento histórico. Na época da Revolução Industrial, o trabalho infantil era socialmente aceito. A escravidão já foi aceita socialmente no Brasil entre os séculos XVI e XIX. A mutilação genital feminina ainda era aceita socialmente no Sudão (2020) e na Nigéria (2015) até recentes decisões e ainda é praticada (pasmem!), em aproximadamente 30 países.

Mas a mudança de comportamento individual às vezes é disparada por um fato, evento ou força que recai individualmente. E aí você se depara de repente sem saber se você segue as práticas ESG porque realmente acredita naqueles valores ou se faz porque todo mundo está fazendo. Ou ainda, se você passou a acreditar porque todo mundo está seguindo. No melhor estilo do que veio primeiro: o ovo ou a galinha. E então, quando um que acredita faz e outro faz porque todos estão fazendo, vira efeito bola de neve. E não tem volta. Assim como governança corporativa, compliance anticorrupção e LGPD, as práticas ESG vieram para ficar. Os bancos já têm linhas próprias de financiamento para empresas que possuem boas práticas1 . Já estamos vendo positivação de normas como o Decreto 10.387/20 que incluiu os projetos com impactos socioambientais positivos entre aqueles que fazem jus ao benefício fiscal estabelecido pela Lei 12.431/11 (instituiu as debêntures incentivadas de infraestrutura). As operações de M&A já contam com due diligence de compliance anticorrupção e de proteção de dados. No próximo passo, seus clientes irão solicitar (se já não o fazem!) informações sobre suas práticas ESG. 

O assunto da importância da governança nas organizações já é recorrente desde os anos 90 principalmente nas economias com empresas de capital pulverizado. Escândalos como da Enron, World com, trouxeram o tema para discussão inclusive de reguladores. Leis foram promulgadas (a Sarbanes Oxley Act é um grande exemplo), associações de adesão voluntárias de boas práticas se tornaram mais representativas (o IBGC, mais um bom exemplo). A pauta da sustentabilidade também aderiu à agenda das empresas desde os anos 90 com a conferência Eco-92, sendo impulsionada, principalmente, pelos desastres naturais, como vazamento de óleo, acidentes em barragens e o aquecimento global. A temática social ganhou muita relevância neste ano, especialmente com a pandemia da COVID-19.

Agora, por que ESG é importante? Aquecimento global, comportamento ético e anticorrupção, transparência, dignidade e igualdade do ser humano, saúde, segurança e bem estar, geração de riquezas e inovação. Esses e outros valores podem ser importantes para você porque são valores intrínsecos a você, da sua geração e seria inconcebível permitir o trabalho infantil ou forçado, assim como o despejo de resíduos contaminantes em rios.

Sem prejuízo, existe também uma força externa pressionando a adoção de tais práticas. Há diversos estudos que indicam que empresas que adotam tais práticas tem melhor performance financeira2 . Afinal, retorno financeiro é essencial para o investidor e continuará sendo. ESG não é filantropia. 

O tema ganhou tanta importância que foi divulgado um White Paper pelo Fórum Econômico Mundial  preparado em colaboração entre as “big 4” (KPMG, Deloitte, PWC e E&Y) e o Bank of America que apresenta uma série de critérios objetivos para medição das práticas ESG adotadas pelas empresas e as divide em 4 pilares: governança, planeta, pessoas e prosperidade. Os pilares contêm 21 métricas centrais e 34 expandidas. Esse é um sinal importante na padronização de métricas para avaliação de empresas. É possível que o escopo de uma auditoria completa em uma aquisição, por exemplo, inclua não apenas questões técnicas, legais (legal due diligence), contábeis e fiscais (normalmente performadas pelas big 4 ou similares), anticorrupção (inovação já incorporada desde 2013, notadamente com o advento da Lei n. 12.846), de adequação à LGPD (por força da lei 13.709/2018), como também uma avaliação concreta e mensurável de práticas ESG. 

Ocorre que os critérios ESG contemplam um conjunto de práticas de natureza multidisciplinar e transversais. É necessário que existam equipes com profissionais de qualificação das mais diversas, tanto para implementar esta agenda de ações, quanto para avaliar um bom programa.

A legislação brasileira já atribui diversas obrigações e exigências às empresas. Bastaria cumprir a lei para “passar no teste”? Nos Estados Unidos, por exemplo, não há previsão legal para concessão de licença maternidade3  ou férias remuneradas aos empregados4  e, até pouco tempo, havia ainda alguns estados americanos que permitiam que mulheres recebessem menos do que homens exercendo as mesmas funções. Somente recentemente (após os anos 2000) que a Suprema Corte Americana, especialmente pelo voto condutor da grande Juíza recém falecida Ruth Bader Ginsburg, declarou tais leis inconstitucionais.

No Brasil, a CLT garante esses direitos e muitos outros (alguns argumentam que até em excesso) desde a década de 1940. Não estamos falando de cumprimento, eficácia da lei. É claro que temos discrepâncias no Brasil, talvez até maiores que nos Estados Unidos, por descumprimento de normas. Mas para as pessoas e empresas cumpridoras das normas, como ir além?

As empresas parecem estar entendendo a relevância do assunto, seja por atitudes pessoais voluntárias ou por pressões de stakeholders. A mentalidade das pessoas nesse aspecto vem mudando. Já existe uma cultura consolidada que as impede de cair na tentação de fazer apenas o que a lei permite, sem ir além disso. As companhias que dependem de capital sabem que se não adotarem práticas condizentes com as demandas dos stakeholders podem ter muitas perdas, “de rating, de investidores, de posição em rankings, de preços de ações”5.  

E você, encontrou algum bom motivo para adotar uma prática ESG hoje?

Sugestões de filmes:

A Lavanderia, Dark Waters, Fishing with Dynamites e Indústria Americana.

*Colaboração do estagiário Vitor Emmanuel Viana Antunes Dantas


1 GÓES, Francisco. BNDES prevê R$ 8,5 bi para projeto ESG. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/10/19/bndes-preve-r-85-bi-para-projeto-esg.ghtml. Acesso em 16 dez 2020.

2 LASCO, Thiago. Empresas que adotam agenda ESG têm rentabilidade acima do Ibovespa. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/questoes-esg-e-investimentos. Acesso em 16 dez 2020.

 3 BRYANT, Miranda. The US doesn’t offer paid Family leave – but will that change in 2020? Disponível em: https://www.theguardian.com/us-news/2019/oct/28/us-paid-family-leave-2020-election. Acesso em 17 dez 2020.

 4 JOHANSON, Mark. Life in a no-vacation nation. Disponível em: https://www.bbc.com/worklife/article/20141106-the-no-vacation-nation. Acesso em 17 dez 2020.

 5 LAVAL, Luísa. O que é ESG e por que esse conceito ganhou a importância no mundo dos negócios. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,o-que-e-esg-e-por-que-esse-conceito-ganhou-importancia-no-mundo-dos-negocios,70003399787#:~:text=%E2%80%9COs%20investidores%20perceberam%20que%20as,perderam%20menos%20durante%20a%20pandemia.&text=Os%20especialistas%20explicam%20que%20companhias,colaboradores%2C%20fatores%20que%20trazem%20estabilidade. Acesso em 16 dez 2020.