Compliance é a maior arma do setor privado na guerra contra a corrupção


Compliance é a maior arma do setor privado na guerra contra a corrupção


Em entrevista à Integrow, Isabel Franco defendeu a agenda ESG como norte para que as empresas cumpram sua função social, garantindo uma contribuição efetiva à comunidade em que se inserem.

A corrupção é sabidamente um fenômeno que desvia recursos de políticas públicas, inibe investimentos e prejudica o desenvolvimento social dos países. O assunto é velho conhecido entre nós brasileiros e ganhou ampla repercussão nos últimos anos com a Operação Lava Jato.

A legislação brasileira responsabiliza os agentes públicos, as empresas e seus dirigentes por atos de corrupção praticados, sujeitando o infrator a multa administrativa, sanção penal e reparação integral ao dano causado. No âmbito privado, as empresas ainda estão sujeitas às penalidades contratuais, que preveem indenização e vencimento antecipado das obrigações.

Apesar do amplo debate e das medidas previstas em lei, a agenda ainda é rodeada de desafios. Por isso, especialistas no assunto defendem que o combate à corrupção deve ser preventivo, por meio de proposições ativas e engajadas, focadas em difundir a cultura da ética e da integridade. Para tanto, o Compliance – ou programa de integridade – tem se mostrado uma ferramenta assertiva, além de ser prestigiado pela própria Lei Anticorrupção brasileira.

Para aprofundar esse debate, conversamos com Isabel Franco. Mestre em Direito na área de Compliance, a especialista compõe os conselhos do Instituto Não Aceito Corrupção, Bem Querer Mulher, Shift Agentes Transformadores e Instituto Jatobás.

A advogada aponta desafios e tendências em torno do tema na atual conjuntura brasileira e mundial, além de ressaltar a agenda ESG como forte aliada na guerra à corrupção.

Confira a entrevista.

Que desafios atuais você destacaria quando o assunto se relaciona às áreas de Compliance e risco no contexto do ecossistema empresarial?

Isabel Franco: Vivemos tempos difíceis no Brasil e no mundo. Os desafios do combate à corrupção são constantes em todas as partes do planeta, ainda que sejam visíveis os avanços. Foram muitos os progressos no nosso país nos últimos anos, tantos que os contra-ataques também foram reforçados pelas forças que se beneficiam da corrupção, a já alcunhada ‘frente pela impunidade’. Em um momento crítico como este que vivemos, aumenta a responsabilidade daqueles que se empenham nessa guerra. E a maior arma do setor privado nessa luta é o Compliance, sua difusão e implementação da forma mais abrangente possível.

Na sua avaliação, estamos estagnados, evoluindo ou retrocedendo no tema em relação a outros países?

Isabel: O Brasil da Lava Jato evoluiu muito no tema em relação ao mundo todo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos em matéria de Compliance. Isso porque após tantos e tão graves escândalos, o consumidor brasileiro tornou-se extremamente rigoroso em questões reputacionais, rejeitando produtos e serviços de empresas relacionadas à corrupção. Além disso, a nossa legislação anticorrupção, diferentemente de algumas leis estrangeiras,  estabelece a responsabilidade objetiva em casos de corrupção da qual a organização não pode se esquivar em caso de atos praticados por terceiros em seu nome, mesmo que deles não tenha participado.

As corporações, preocupadas com essa responsabilidade, têm buscado pesquisar o histórico de seus parceiros e se envolver apenas com terceiros idôneos. É quase um “diga-me com que andas...”. Ninguém mais pode se dar ao luxo de ver sua reputação manchada por atos de outras partes indignas dessa relação, que podem realmente prejudicar uma empresa que desconheça traços ocultos de seus parceiros. Aqui no nosso país, o mercado se transformou em um dos mais rigorosos do mundo, onde todos verificam seus potenciais parceiros por meio dos conhecidos background checks. Essa é uma evolução muito importante. Não importa se a legislação é realmente aplicada a uma determinada organização. Ela pode ser ostracizada pelo próprio mercado antes de mais nada.

Qual é o papel do Compliance e da gestão de riscos no que diz respeito ao combate à corrupção dentro e fora das empresas?

Isabel: A corrupção é uma ‘praga’ que interfere em tudo, em todos os setores e, principalmente, nas relações de mercado. As empresas têm de ter a coragem de enfrentar esses desafios e ficar firme contra os achaques dos corruptos. E esse é o objetivo de um bom programa de Compliance, de controles internos e de políticas claras contendo as boas regras às quais devem se submeter as organizações. Todas essas medidas servem de escudo contra as ameaças externas, devendo ser impostas contra qualquer tentativa de corrupção contra as empresas cautelosas.

Um bom programa de Compliance possibilita a um agente da empresa simplesmente rejeitar um pedido de propina usando de assertividade e confiança de que não existe possibilidade de aceitar uma facilidade, por exemplo, porque não há qualquer lacuna dentro do programa de compliance de sua  empresa e de seus controles internos.

Que oportunidades você vislumbra no campo do combate à corrupção com a ampla repercussão da agenda ESG? Por que as empresas devem levar a sério o engajamento com pautas ambientais, sociais e de governança?

Isabel: A agenda ESG é uma ‘benção’ para o mundo corporativo ao beneficiar todas as áreas e fortalecer, principalmente, o Compliance.  Os temas ambientais, sociais e de governança formam o tripé basilar da nova ordem empresarial, gerando significância adicional para a organização, agregando mais valor a seus investidores e a todos os seus stakeholders. Esse tripé passa a ser uma vantagem competitiva essencial no mercado ou a sobrevivência do próprio negócio.

Qual é a importância da integração entre as diretrizes e práticas das áreas de risco e Compliance com os pilares do ESG? E qual é o papel das altas lideranças e conselhos para que essas diretrizes e práticas caminhem juntas?

Isabel: Essa integração é natural: advém da vocação original dessas práticas complementares no mundo atual com uma urgência imposta pela pandemia, que acelera essa coesão. Toda a turbulência que hoje envolve o nosso planeta gera preocupações imperativas com o crescimento das desigualdades econômicas, sociais e raciais, obrigando uma reflexão mais abrangente acerca do papel social das organizações. Mais do que nunca é imprescindível a inclusão dos temas relacionados ao ESG na pauta das corporações dignas e éticas.

Como o Compliance comprovou ao longo dos anos em que vem evoluindo, é impossível a implementação da ética, integridade e transparência inerentes à agenda sem o comprometimento sincero e franco da alta cúpula das organizações. É ingênuo imaginar que a comunidade de uma determinada entidade se engajaria nesses valores sem esse compromisso. Seria inócua a tentativa de incutir todos esses valores na cultura e identidade se não houver este espírito entre as lideranças. A partir deste prisma, a alta administração sinceramente empenhada nos valores do Compliance tem consciência dos benefícios do alinhamento desses pilares.

Para dar apenas um exemplo, o pilar da governança inspira diretrizes de avaliação de riscos, combate à corrupção e fomento da ética e integridade. Os demais pilares estão imbuídos nos valores éticos e de integridade  que inspiram, com relação ao social, por exemplo, a diversidade, inclusão, equidade e isonomia dos colaboradores. Todos esses valores estão de braços dados, um complementando o outro, formando o quebra-cabeças completo de práticas salutares para que as empresas cumpram sua função social de forma a garantir uma contribuição efetiva à comunidade em que se inserem.

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