A tributação das permutas imobiliárias para os contribuintes do Lucro Presumido


A tributação das permutas imobiliárias para os contribuintes do Lucro Presumido


A permuta, também denominada “troca” ou “escambo”, é utilizada desde os primórdios, quando ainda não havia sistema monetário, e consiste na operação em que as partes se obrigam, reciprocamente, a entregar coisas ou serviços. Esta transação ainda vem sendo muito utilizada nos tempos atuais, especialmente pelas empresas do ramo imobiliário que, com frequência, permutam o terreno em que irão construir determinado empreendimento por unidades já construídas ou a serem construídas no terreno objeto da permuta.

Até 1998, as pessoas jurídicas que realizavam atividade de compra e venda, loteamento, incorporação e construção de imóveis estavam obrigadas ao Lucro Real e foram autorizadas a optar pelo regime do Lucro Presumido apenas a partir da edição da Lei nº 9.718, em 27 de novembro daquele ano. 

Desde então, muito tem se discutido a respeito da tributação das operações de permuta pelas pessoas jurídicas do ramo imobiliário optantes pelo Lucro Presumido, haja vista o tratamento diferenciado dado pela Receita Federal do Brasil (RFB) a estes contribuintes, em relação àqueles sujeitos ao Lucro Real.

Para as pessoas jurídicas que aplicam o regime de tributação pelo Lucro Real, o entendimento da RFB relativamente às operações de permuta, externado na Instrução Normativa SRF nº 107/1988, é o de que a tributação nas referidas operações está vinculada à existência ou não de torna.

Conforme determina a Instrução Normativa em comento, cada uma das permutantes deverá atribuir ao bem recebido na operação o mesmo valor contábil do bem baixado, não havendo reconhecimento de receita. Apenas no caso de recebimento de torna é que a entidade deverá reconhecer esse montante como receita tributável, oferecendo-o à tributação pelo IRPJ e pela CSLL.

Por outro lado, em relação aos contribuintes sujeitos ao Lucro Presumido, a RFB consolidou seu entendimento, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 207/2014 – de caráter vinculante – e do Parecer Normativo Cosit nº 9/2014, de que o montante equivalente ao valor dos imóveis recebidos em permuta, bem como a eventual torna, devem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A Autoridade Fazendária defende, nos referidos consulta e parecer, que o próprio Código Civil equipara, em seu art. 533, a permuta às operações de compra e venda e, assim sendo, se a receita bruta compreende o produto da venda nas operações de conta própria, o valor do imóvel recebido em permuta compõe a receita bruta, devendo integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL no regime do Lucro Presumido.

A RFB alega, ainda, que a tributação do valor dos imóveis recebidos em permuta se dá pelo fato de que, no regime do Lucro Presumido, o custo do imóvel entregue na permuta não afeta a base de cálculo, de forma a tornar neutro o resultado, diferentemente do tratamento dado pela Instrução Normativa SRF nº 107/1988 às empresas optantes pelo Lucro Real, que apenas tributam a eventual torna, atrelada à permuta.

A nosso ver, é inegável que tal entendimento, além de simplista, demonstra tratamento não isonômico entre os contribuintes, uma vez que, para as pessoas jurídicas do ramo imobiliário sujeitas ao regime do Lucro Presumido, o tratamento tributário conferido à permuta não garante a neutralidade intrínseca à operação, já que não há que se falar em acréscimo patrimonial, exceto em caso de torna, não implicando em ocorrência do fato gerador do IRPJ e da CSLL. Esta neutralidade, por outro lado, é garantida aos contribuintes sujeitos ao Luro Real.

Com esse posicionamento, o que se verifica é a incidência de dupla tributação no regime do Lucro Presumido sobre o imóvel recebido em permuta, uma vez que o mesmo seria onerado tanto no momento de sua aquisição, por meio de permuta, quanto na revenda da unidade imobiliária construída.

A RFB reiterou seu entendimento ao longo do tempo por meio de diversas soluções de consulta e, segundo o órgão, o procedimento se aplica, ainda, às operações de compra e venda de terreno seguidas de confissão de dívida e promessa de dação em pagamento de unidade imobiliária construída ou a construir, conforme Solução de Consulta Cosit nº 189, de 30 de outubro de 2018.

No CARF, o tema gerou diversos embates entre os conselheiros, havendo posicionamentos contrários e favoráveis à manutenção da tributação, mas prevalecendo os votos contrários ao contribuinte1

Não obstante os inúmeros julgados do CARF desfavoráveis, verificam-se votos vencidos a favor dos contribuintes, como é o caso do voto proferido em 2018 pelo Relator Conselheiro Caio Quintella, no âmbito do Processo nº 10803.720032/201528, ao defender que o “percentual de presunção tem sua aplicação limitada a elementos que exprimam renda, relacionados aos fatos geradores do IRPJ e da CSLL” e que, considerando o caráter de reciprocidade e neutralidade intrínseco e indissociável da permuta, a respectiva tributação ignora o conceito legal de renda veiculado no art. 43 do CTN.

O Relator, naquela oportunidade, ainda defendeu que “ainda que no Código Civil de 2002 o Legislador tenha determinado que aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda (como é explorado e objetivamente utilizado como fundamento nos Itens 5 a 7 para as conclusões do Parecer Normativo COSIT), tal remissão por técnica legislativa de aplainamento de regulamentação não pode de forma alguma permitir a confusão entre dois institutos distintos de Direito Civil.”

Apesar de, na instância superior da seara administrativa, o posicionamento majoritário ser contrário aos contribuintes, na esfera judicial decisões do TRF-42 reconhecem a inexistência de receita bruta nas operações de permuta, confirmando a não incidência do IRPJ e da CSLL no caso de contribuintes sujeitos ao Lucro Presumido. Em 2018, ao julgar o REsp nº 1.733.560/SC, o tema foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou o entendimento apresentado pelo TRF-4.

O julgamento em questão, mesmo não sendo revestido de caráter vinculante, representa um precedente importante para os contribuintes, muito embora o CARF tenha mantido posicionamento divergente.

Todavia, em sessão de 10 de novembro de 2020, o CARF, em decisão inédita3, concluiu pela não inclusão do valor do bem recebido em permuta na base de cálculo do IRPJ e CSLL no regime do Lucro Presumido. 

O voto vencedor, redigido pelo Relator Caio Quintella, trouxe os mesmos argumentos por ele apresentados na apreciação do Processo nº 10803.720032/201528, acima mencionado.

Importante destacar que a matéria ficou empatada entre os Conselheiros, tendo prevalecido o afastamento da tributação graças ao fim do voto de qualidade, que era usado como critério de desempate nas decisões proferidas pelo Colegiado do Conselho. 

Desde a entrada em vigor da Lei nº 13.988, em abril de 2020, em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte, o que se deu no caso em tela.

O julgado, portanto, embora configure um importante precedente no CARF para os contribuintes, representa apenas o início de uma possível mudança de entendimento da autoridade julgadora, visto que o tema ainda não alcançou a unanimidade entre os Conselheiros. 

Nossa equipe acredita, entretanto, que o entendimento caminha para ser consolidado nesse sentido, seguindo a jurisprudência já exarada pelo Superior Tribunal de Justiça.

1 Acórdãos CARF nºs: 1302001.217(2013); 3202001.120 (2014); 1201001.813 (2017); 1402002.874 (2018); 9101-005.204 (2019); e Acórdão CSRF nº 9101-004.364 (2019)

2 Acórdãos TRF-4: APL: 50200668920144047205 SC 5020066-89.2014.404.7205 (2016); e, APL: 50300582120164047200 SC 5030058-21.2016.4.04.7200 (2017) 

3 Processo nº 11080.001020/2005-94, Recurso Especial do Contribuinte, Acórdão nº 9101-005.204 – CSRF / 1ª Turma, Sessão de 10 de novembro de 2020.