O que esperar da Comissão Mista que analisará a MP relativa à Lei Geral de Proteção de Dados?


O que esperar da Comissão Mista que analisará a MP relativa à Lei Geral de Proteção de Dados?


Terão início amanhã, dia 9 de abril de 2019, as Audiências Públicas que debaterão a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018 e as alterações a ela promovidas por meio da Medida Provisória nº 869/2018 (MP nº 869/2018). 

O roteiro de trabalho apresentado pelo relator, Deputado Orlando Silva (PCdoB - SP) e pelo presidente da Comissão Mista, Senador Eduardo Gomes (MDB – TO), reforçou a necessidade da participação ativa de todos os membros do colegiado para a realização de um trabalho célere, tendo em vista o exíguo prazo disponível. Propôs, inclusive, a realização de algumas reuniões administrativas, convocadas com antecedência e com pautas específicas, para a discussão dos principais temas de que trata a MP nº 869/2018. 

O método de trabalho prevê, além das reuniões de trabalho e deliberativas, a realização de quatro Audiências Públicas, com temas condensados, para que especialistas sobre o assunto, tanto da Administração Pública quanto do setor privado, possam ser ouvidos. Por fim, poderão ser realizadas outras diligências, desde que julgadas necessárias pela Presidência, Relatoria e Plenário.

A primeira Audiência Pública terá como tema a “Autoridade Nacional de Proteção de Dados: desenho institucional e modelos de governança, competências e atribuições para uma Política Nacional de Proteção de Dados”, de forma a discutir o modelo institucional da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), suas competências e atribuições, o papel do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, possíveis adequações nas atribuições e as fontes de financiamento necessárias para o adequado funcionamento do órgão.

A segunda Audiência Pública, agendada para o dia 10 de abril de 2019, trará o tema “Tratamento de dados pela Administração Pública e Proteção de dados relativos à defesa e segurança pública”, objetivando debater a flexibilização da transferência e compartilhamento de dados para entidades privadas quando controladas pelo Poder Público e a supressão da possibilidade da ANPD de emitir opinião sobre o tratamento de dados realizado por entidades de segurança e de solicitar relatórios de impacto à proteção.

Adiante, a terceira Audiência Pública, em 16 de abril de 2019, terá como tema o “Tratamento de dados no setor privado, tratamento automatizado e o Direito à Explicação” e se propõe a discutir os direitos dos titulares, deveres dos controladores e operadores, a alteração do conceito de “encarregado” e a mudança feita no direito de revisão nas decisões automatizadas, que retirou a obrigatoriedade de que o titular dos dados possa recorrer à pessoa natural.

A quarta e última Audiência Pública ocorrerá no dia 17 de abril de 2019 e seu tema será o “Compartilhamento e proteção de dados na saúde e na pesquisa científica”. Pretende-se discutir as modificações sobre a comunicação dos dados de saúde “para a adequada prestação de serviços de saúde suplementar” e a retirada da salvaguarda de que os regulamentos específicos sobre dados de pesquisa científica possam ser implementados, sopesando-se, em ambos os casos, a liberdade de iniciativa e a tutela de dados sensíveis.

Por fim, a Sessão Deliberativa será realizada no dia 23 de abril de 2019, para apresentação, discussão e votação do relatório. Ademais, apesar do encerramento do prazo para a deliberação da Medida Provisória em debate, os parlamentarem prorrogaram o período de deliberação por mais 60 (sessenta) dias, nos termos do artigo 10º da Resolução nº 1 de 2002 – CN e do §3º do artigo 62 da Constituição Federal Brasileira. Assim, a validade da MP nº 869/2018 deverá se estender até o dia 3 de junho de 2019, quando o processo legislativo já deverá ter sido finalizado. 

Embora o cronograma esteja bastante enxuto, o plano de trabalho apresenta soluções viáveis para uma discussão profícua sobre o assunto, com especialistas qualificados e diversificados, inspirando otimismo para o tratamento do tema dentro do prazo estipulado.

Qual o caminho percorrido até aqui?

Em uma retrospectiva dos principais acontecimentos que nos levaram a chegar à realização das Audiências Públicas para o debate da MP nº 869/2018, importante lembrarmos que a LGPD foi sancionada em agosto de 2018 pelo então Presidente da República, Michel Temer, com significativos vetos ao projeto original. Dentre os vetos, o principal foi relativo ao dispositivo que criava a ANPD, um órgão regulamentador, interpretador e fiscalizador, que foi introduzido no projeto da LGPD para, dentre outras finalidades, aplicar sanções em casos de descumprimento das normas de proteção de dados pessoais. 

O veto foi justificado em suposto vício de iniciativa na proposição da matéria, tendo em vista que a criação do órgão, ao gerar novos gastos no orçamento, seria prerrogativa do Poder Executivo.

No entanto, no findar do mandato do antigo governo, foi proposta, pela Presidência da República, através do consultor legislativo Igor de Freitas, a MP nº 869/2018, que criou e estruturou a ANPD de forma diversa àquela originalmente prevista na LGPD, dentre outras mudanças. Sendo as alterações mais relevantes: 

(i) A criação da autoridade sem aumento de despesas, ou seja, com utilização de cargos e funções de órgãos e entidades do Executivo; 

(ii) A transformação da autarquia independente em um órgão da Administração Pública Federal, integrante da Presidência da República, com autonomia técnica, mas sem garantia financeira (esse ponto, bom frisar, fonte das maiores críticas à Medida Provisória); 

(iii) A alteração do período de vacatio legis da LGPD para até agosto de 2020; 

(iv) modificação de regras de tratamento de dados pelo Poder Público; 

(v) inclusão de mais uma hipótese de permissão de comunicação ou uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis, além da portabilidade de dados consentida pelo titular, qual seja, a necessidade de comunicação para a adequada prestação de serviços de saúde suplementar; e 

(vi) afastamento da obrigatoriedade de que a comunicação ou o uso compartilhado de dados pessoais de pessoa jurídica de direito público a pessoa jurídica de direito privado sejam informados à ANPD.

A Comissão Mista para analisar a MP nº 869/2018 foi então eleita pelo Congresso Nacional em 15 de fevereiro de 2019 e devidamente instaurada no dia 27 de março de 2019, sendo designado como presidente da Comissão o Senador Eduardo Gomes (MDB – TO) e como relator o Deputado Orlando Silva (PCdoB - SP). Ressalte-se que, no primeiro turno de apreciação, foram apresentadas 176 emendas ao texto da MP nº 869/2018 por deputados e senadores.

Apesar de ser favorável à aprovação da referida medida o mais rápido possível, o relator da Comissão tem tentado convencer seus pares a mudar a proposta do Executivo de criação da ANPD, pois se posiciona contrariamente à vinculação do órgão à Presidência da República, defendendo que a instituição seja instalada com autonomia administrativa em relação ao governo, nos moldes das agências reguladoras, como a Anatel.

Assim, o parlamentar sugere que a questão seja negociada com a Presidência da República, para que a ANPD funcione como uma agência reguladora e fiscalizadora, com total autonomia e autoridade, garantindo a eficácia da LGPD perante o cenário internacional. Cabe anotar que o relator acredita que o Brasil possa vir a enfrentar dificuldades nas relações comerciais no exterior se insistir no modelo dependente do órgão  apresentado na MP nº 869/2018, podendo criar até mesmo um impeditivo para o ingresso do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da qual participam 36 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de mercado. 

A Comissão Mista é composta por 26 senadores (13 titulares e 13 suplentes) e 26 deputados (13 titulares e 13 suplentes), sendo que alguns cargos permanecem vagos até o momento. Dentre seus participantes, cabe destacar a presença de alguns titulares de opiniões que podem ser relevantes para o futuro da MP nº 869/2018. Como já visto, o relator Deputado Orlando Silva possui um viés liberal quanto à organização da ANPD, defendendo sua autonomia administrativa nos moldes da proposta que fora vetada na LGPD pelo ex-presidente Michel Temer.

O próprio presidente da Comissão, Eduardo Gomes, propôs duas emendas (161 e 162) ao texto da referida MP nº 869/2018, sendo que a primeira pretende justamente alterar o modelo administrativo da ANPD, de maneira que o órgão faça parte da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério da Economia; e a segunda pretende fixar uma data específica para a entrada em vigor da LGPD, no dia 16 de agosto de 2020.

Outros assuntos tratados nas emendas foram a necessidade de dar mais destaque à figura do encarregado sobre o tratamento de dados pessoais (DPO) e a supressão do dispositivo que permite a livre comunicação de dados sensíveis sobre saúde com o objetivo de obtenção de vantagem econômica, quando necessário para a “adequada prestação de serviços de saúde suplementar”. 

Com o início das Audiências Públicas, os textos das emendas, da LGPD e da MP 869/2018 passarão por inúmeras análises e discussões, a fim de que os membros de todos os setores envolvidos contribuam com o amadurecimento da legislação voltada à privacidade e proteção de dados pessoais. Resta, agora, e de forma otimista, torcermos por resultados positivos para o seguimento da legislação de proteção de dados no país e criação de uma Autoridade Nacional independente e atuante.

A equipe de Telecomunicações, Mídia e Tecnologia  do Azevedo Sette Advogados seguirá acompanhando os desdobramentos do tema.

São Paulo, 08 de abril de 2019

Ricardo Barretto Ferreira

Juliana Sene Ikeda

Lorena Pretti Serraglio

Vitor Koketu

Isabella Aragão