O investimento-anjo na atual legislação brasileira


O investimento-anjo na atual legislação brasileira


Luísa Margotti de Carvalho e Pedro Henrique de Castro Oliveira

Entendemos que a figura do “investimento-anjo” pode se tornar uma alternativa eficiente a estruturas jurídicas já utilizadas para viabilizar investimentos semelhantes, conferindo mais legitimidade ao instituto e segurança jurídica aos investidores.

A necessidade de adequar o ordenamento jurídico brasileiro a um novo cenário no qual o investimento em sociedades em estágio inicial desenvolvedoras de tecnologias – as chamadas startups – tem se tornado cada vez mais relevante, acarretou a aprovação, em outubro de 2016, da LC 155, que regulou o chamado “investimento-anjo” através da inclusão de dispositivos legais na LC 123/06.

Desde então, o mercado e os profissionais jurídicos têm discutido as possibilidades e implicações trazidas pela regulamentação do “investimento-anjo”.

A LC 155 busca fomentar a inovação e os investimentos produtivos, possibilitando o aporte de recursos pelos “investidores-anjo” em sociedades enquadradas como Microempresas – “ME” ou Empresas de Pequeno Porte – “EPP”, sem que o aporte realizado integre o capital social dessas sociedades e nem mesmo seja considerado receita para fins de enquadramento das mesmas como ME ou EPP.

O aporte de capital pelos “investidores-anjo”, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, deverá ser regulado por um contrato de participação, que conforme determinação da LC 155, não pode ter prazo superior a 7 anos e deve ter como finalidade o fomento à inovação e aos investimentos produtivos.

Prazos limites para realização do investimento. Esta mesma lei também determina que o “investidor-anjo” seja remunerado por seus aportes pelo prazo máximo de 5 anos, atingindo o percentual máximo de 50% dos lucros da sociedade. Além disso, como uma medida para evitar a especulação dos investimentos, o investimento inicial só pode ser retirado pelo investidor-anjo após um prazo mínimo de 2 anos, que pode ser majorado por estipulação contratual. Nesse caso, ocorreria a apuração de haveres tal como ocorre em relação os sócios de uma sociedade (art. 1.031 do Código Civil).

Em que pese o contrato de participação não ser disciplinado especificamente pelo Código Civil, e portanto, de livre estipulação entre as partes, verifica-se a imposição de algumas limitações pela LC 155, que devem ser observadas.

Destacamos que essas limitações podem representar alguns problemas, tal como o prazo máximo do contrato de 7 anos e o prazo máximo de 5 anos para remuneração do “investidor-anjo”, períodos que não necessariamente são compatíveis com o desenvolvimento das startups, principal foco dos “investidores-anjo”. A princípio, decorrido o prazo legal de 5 anos e mais tarde o de 7 anos, somente restaria ao “investidor-anjo” alienar sua participação ou resgatar o investimento realizado, porém uma alternativa a referida limitação poderia ser a conversão do investimento em participação na sociedade investida, o que deve estar bem regulado no contrato de participação, de modo a resguardar direitos e obrigações de todas as partes.

Além dos critérios já mencionados, a lei estabelece outros parâmetros a serem seguidos, como o direito de preferência do “investidor-anjo” na aquisição da participação dos sócios da investida, assim como o direito de Tag Along, ou seja, de alienação conjunta da participação, nos mesmos termos e condições oferecidos aos sócios. Não foram estabelecidos, no entanto, os critérios para compatibilização e/ou conversão dos termos oferecidos aos sócios e aos investidores, o que deve ser previamente fixado no contrato de participação.

Limitação de responsabilidade. Outro aspecto de importante relevância é a limitação da responsabilidade da startup aos seus sócios, de forma que os “investidores-anjo” estariam imunes a qualquer dívida da empresa, inclusive em casos de recuperação judicial e de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, ressaltamos que estruturação jurídica semelhante já era prevista na legislação brasileira, como no caso das sociedades em conta de participação – “SCP”, nas quais o sócio oculto também não seria responsabilizado. No entanto, não se pode ter certeza do tratamento jurídico a ser concedido pelos tribunais brasileiros a essa limitação de responsabilidade, especialmente quando tenham como objeto dívidas trabalhistas e tributárias.

Mentoria, voto e gestão. Como contrapeso à limitação de responsabilidade e assim como ocorre nas SCP’s, os “investidores-anjo” também não possuem direito de gerência ou de voto na administração da empresa, o que pode estar ou não em linha com os interesses do investidor. De um lado, tem-se o aspecto do desaproveitamento do smart-money, segundo o qual os investidores contribuíram não só financeiramente, mas também com seus conhecimentos e experiência na gestão da sociedade, o que é limitado pela LC 155. E de outro, tem-se a visão de que em uma fase inicial de desenvolvimento das startups, ainda que possa existir um processo de mentoria e acompanhamento, não necessariamente existe o interesse do investidor em efetivamente participar da gestão dos empreendimentos constantes de seu portfólio, interesse que pode surgir apenas em fases mais avançadas, como de seed e venture capital.

Tributação. Por fim, a LC 155 previu que o Ministério da Fazenda regulamentaria a tributação sobre a retirada do capital investido. Nesse sentido, ainda no ano de 2016, a Receita Federal abriu consulta pública sobre a tributação dos rendimentos relacionados ao “investimento-anjo”. Segundo a minuta de instrução normativa divulgada pela Receita, considera-se que o “investidor-anjo” pode ser remunerado de três maneiras: (i) pela participação nos resultados da sociedade; (ii) pelo ganho na alienação do investimento; e (iii) pelo ganho no resgate do valor aportado. Consideradas essas três formas de remuneração, destaca-se a possibilidade de que a remuneração periódica e o ganho no resgate do aporte estariam sujeitos a incidência do imposto de renda retido na fonte¹, calculado a partir de alíquotas regressivas em função do período de duração do contrato de participação, de forma que quanto maior fosse o prazo de duração do contrato, menor seria a alíquota base do imposto de renda, conforme segue:

I – 22,5%, em contratos de participação com prazo de até 180 dias;
II – 20%, em contratos de participação com prazo de 181 dias até 360 dias;
III – 17,5%, em contratos de participação com prazo de 361 dias até 720 dias; e
IV – 15%, em contratos de participação com prazo superior a 720 dias;

Compreende-se assim, que a Receita Federal tende a conceder tratamento diferenciado aos rendimentos recebidos pela remuneração do “investimento-anjo” quando comparados aos lucros auferidos pelos sócios da sociedade. Tal situação se verificaria já que os rendimentos do “investidor-anjo” não gozariam da isenção tributária oferecida aos lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas, o que se concretizado seria bastante negativo ao “investimento-anjo”.

Soma-se a isso a previsão de que caso ocorresse ganho na alienação do investimento realizado e o “investidor-anjo” fosse pessoas física, pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional, aplicar-se-iam as alíquotas mencionadas acima, quando da alienação dos direitos pactuados no contrato de participação. Já no caso de pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, o ganho de capital seria computado na estimativa e na apuração do lucro real ou comporia a base de cálculo do lucro presumido ou do lucro arbitrado.

Consideradas as reflexões destacadas acima e ainda que pendente a regulamentação definitiva do tratamento tributário do “investimento-anjo” pela Receita Federal, entendemos que a figura do “investimento-anjo”, já em vigor legalmente desde 1º de janeiro de 2017, pode se tornar uma alternativa eficiente a estruturas jurídicas já utilizadas para viabilizar investimentos semelhantes, conferindo mais legitimidade ao instituto e segurança jurídica aos investidores.

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1 É dispensada a retenção do Imposto de Renda na Fonte quando o Investidor – Anjo for Fundo de Investimento.

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*Luísa Margotti de Carvalho é advogada do departamento societário da unidade Azevedo Sette Advogados Belo Horizonte.

*Pedro Henrique de Castro Oliveira é trainee do departamento societário da unidade Azevedo Sette Advogados Belo Horizonte.