Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | Nem todas as startups são unicórnios: uma boa análise de risco legal pode valer mais que uma ideia


Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | Nem todas as startups são unicórnios: uma boa análise de risco legal pode valer mais que uma ideia


Por Luísa Margotti de Carvalho*

Em alta no mundo jurídico e econômico, as startups vêm demonstrando sua importância e seduzindo os investidores com seus potenciais retornos estratosféricos. Afinal, quem não quer ser o próximo Mark Zuckerberg?

Como tudo na vida, as opções de estruturas jurídicas para se investir em startups possuem dois lados, ou melhor, duas perspectivas: a visão do empreendedor e a visão do investidor. Hoje, vamos focar no investidor.

O investidor conhece uma startup com um projeto interessante, bem estruturada, e que tem, na sua visão, tudo para dar certo. Está na hora de decidir como investir – e rápido – antes que a startup aumente o seu valuation e o equity disponível do investidor não tenha mais tanta relevância para o negócio e seus sócios, diminuindo assim o seu poder de barganha.

As opções mais comuns para esse tipo de investimento são: (i) o aporte direto no capital social da startup; (ii) o mútuo conversível; (iii) o contrato de investimento anjo; (iv) o contrato de opção de subscrição de participação societária; e (v) o adiantamento para futuro investimento (AFIN). 

O aporte de capital realizado na startup pelo investidor trás, junto com o direito ao recebimento de dividendos (se e quando houver) e a posição de sócio da startup (inclusive direito de voto para determinar a gestão dos negócios sociais), os deveres e riscos inerentes a essa posição. Dentre eles, destacamos o risco oriundo de débitos da startup, em especial débitos tributários e trabalhistas. Ainda que, a princípio, os débitos estejam limitados ao valor do capital social da startup, há algumas situações em que pode haver responsabilização pessoal dos sócios. 

Desta feita, destaca-se que os riscos inerentes à posição de sócio, alcançada através do aporte de capital, podem ser mitigados através da participação ativa e exercício do dever de fiscalização da gestão da startup, de modo a assegurar os devidos recolhimentos de tributos, o cumprimento das políticas de compliance e a condução dos negócios de forma legal e segura.

O mútuo conversível é um dos instrumentos mais utilizados atualmente para a realização desse tipo de investimento. Trata-se de um contrato de mútuo que confere ao mutuante (investidor) a opção de, ao final do prazo estipulado no contrato, receber o pagamento do valor conferido à startup, ou converter aquele valor em participação societária, podendo ter um percentual fixo ou variável de acordo com o valuation da startup pré ou pós fixado.

Há de se observar, no entanto, que, caso a startup não se desenvolva como esperado no período fixado no contrato de mútuo, pode não ser mais do interesse do investidor a conversão em participação societária. Nesse caso, se a startup não possuir recursos para pagamento do mútuo (na maioria das vezes sem a incidência de juros remuneratórios) e não o fizer, tal operação poderá gerar impactos tributários, penalizando o investidor através de sua responsabilidade solidária. 

É claro que, se a startup não se desenvolver, de qualquer forma o investidor sairá perdendo ou, no mínimo, do modo como entrou. No entanto, uma forma de mitigação desse risco é celebrar o mútuo em parcelas, vinculado ao alcance de metas que demonstrem o desenvolvimento da startup. Outro caminho interessante é o estabelecimento de mecanismos de vencimento antecipado da dívida e/ou o estabelecimento de garantias por parte da mutuária. 

Em outubro de 2016 foi aprovada a Lei Complementar n.155, que regulou o chamado “investimento-anjo” através da inclusão de dispositivos legais na Lei Complementar nº 123/06. O que parecia ter vindo para solucionar uma demanda crescente no mercado, acabou se tornando mais um instrumento menos utilizado no mundo jurídico.

O contrato de investimento anjo formaliza o aporte de investidores em startups, sem que ele figure como sócio da sociedade, estabelecendo uma relação meramente contratual entre as partes. No entanto, nesse modelo, além do investidor, em regra, não possuir ingerência sobre a startup, ficando à mercê da forma dos empreendedores conduzirem o negócio, ele tem sua remuneração, através da distribuição de dividendos, tributada pelo imposto de renda.

Além disso, apesar de ainda não termos julgados sobre o tema, será que em eventual processo trabalhista ou tributário, o investidor não poderia vir a ser incluído no polo passivo da demanda? Devido ao curto prazo do início da vigência da lei e a escassa jurisprudência sobre o tema, não sabemos como o instituto será aplicado, principalmente em questões ligadas a responsabilidade, de modo que há uma grande insegurança jurídica pairando sobre o instituto do investimento anjo, conforme a regulação aprovada em 2016.

O grande atrativo do investimento anjo fica para o benefício fiscal conferido ao investidor no momento da alienação de sua participação societária na startup. A tributação nesse caso é regressiva em função do prazo do investimento, ou seja, quanto mais tempo o investidor participa do negócio antes da venda, menor a alíquota do imposto de renda, até o limite mínimo de 15%, independentemente do ganho obtido na venda.(¹) Outro instrumento jurídico utilizado para investir em startups é o contrato de opção de subscrição de participação societária, através do qual o investidor pode utilizar duas estruturas: pagar para ter o direito de comprar ações ou quotas da startup em um determinado prazo, de modo que a startup recebe o valor desde então, ou apenas assegurar o direito do investidor compra ações ou quotas a um preço e no prazo determinados em contrato, hipótese em que o valor seria recebido pela startup apenas no momento da aquisição das referidas quotas/ações.

Além do risco de não obter o retorno desejado para seu investimento, devido ao mau desempenho da startup investida ou até mesmo a dissolução da sociedade, uma eventual fixação de preço da opção de subscrição é uma faca de dois gumes: se o valor patrimonial daquela ação no momento do exercício é superior ao valor fixado, você fez um bom investimento, mas se a ação não estiver valendo tanto quanto o fixado em contrato... De qualquer forma, a decisão sobre a fixação ou não de um preço para exercício da opção depende diretamente do nível de risco que o investidor decide suportar.

Menos conhecido e utilizado pelo mercado, o adiantamento para futuro investimento (AFIN) é também uma opção para a realização de investimentos. 

Apesar de não ter regulação expressa em lei, o AFIN é um instrumento que permite que uma parte não sócia realize aportes na sociedade e, posteriormente, os converta em participação societária ou receba o valor aportado de volta. Caso o valor não seja utilizado para conversão em participação societária, nem seja devolvido pela startup, referidos aportes poderão ser considerados doação, podendo incidir imposto de doação (ITCD) a ser pago pela startup (donatária), com responsabilidade solidária do doador (investidor). É necessário fixar no contrato o prazo ou condição para conversão ou devolução do valor.

Dito tudo isso, podemos concluir que nada é perfeito. No entanto, cada caso deve ser avaliado individualmente, levando em consideração pontos como o nível de exposição do investidor em eventual contingência da startup, a maturidade da startup que receberá o investimento, riscos do negócio e perfil dos sócios fundadores, para então determinar qual forma de investimento é a mais adequada ao caso e tomar as possíveis medidas para mitigação dos respectivos riscos e estabelecer garantias para que o investidor possa reaver o máximo possível do investimento em caso de perda.

Não há investimento sem risco. Afinal, Mark Zuckerberg também correu riscos, não é?

*Luísa Margotti de Carvalho é advogada da área Societária M&A e filha da Maria Cristina e do André.

¹ Quer saber mais sobre investimento anjo? Acesse os links http://www.azevedosette.com.br/pt/noticias/o_investimento-anjo_na_atual_legislacao_brasileira/4444 e http://www.azevedosette.com.br/noticia/tecnologia-disruptiva-na-boca-do-leao-nao/4602

Este artigo é parte da série "Profissionais Azevedo Sette", que divulgará textos com temas relevantes, durante todo o mês de março, redigidos por nossas advogadas e estagiárias das seis unidades Azevedo Sette Advogados, em comemoração especial ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março.

Leia ainda, os outros artigos da série especial já publicados

"Responsabilidade dos provedores de aplicações de internet pela disseminação não consensual de imagens íntimas", redigido por Camila Taliberti Ribeiro da Silva, advogada associada da área de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações, filha da Helena e neta da Ligia (in memorian).

"Moedas virtuais e o financiamento de atividades de mineração no Brasil", redigido por Gabriela Salazar Silva Pinto, advogada associada da área Minerária e filha de Alda Maria e Jorge Henrique.

"O assédio sexual na visão da Justiça do Trabalho", redigido por Luanna Vieira de Lima Costa, sócia da área Trabalhista e mãe do João e pela Sofia Pinheiro Chagas Góes Monteiro, gerente na mesma área e apaixonada por seus cachorros Juca e Nina.

"O direito de laje e descerramento de novas fronteiras", redigido por Alessandra Lima Ganz, advogada coordenadora da equipe de Direito Imobiliário do Azevedo Sette São Paulo, que é formada apenas por mulheres, filha de Neuza.

"Inovações da Lei nº 13.303/16: compliance e governança corporativa nas Estatais", redigido pelas advogadas associadas da unidade Brasília Azevedo Sette, Paolla Ouriques, filha da Salete, e a Juliana de Fátima Moreira Costa, mãe da Alice. 

"O que o testamento vital pode fazer por você?", de autoria da Ana Paula Terra Caldeira, sócia da área Societária M&A e mãe da Luisa e da Helena, redigido em parceria com a Luiza Elena Cardoso, advogada associada do mesmo departamento e filha da Eni.