Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | Blockchain e o futuro do sistema registral brasileiro


Mês da Mulher / Série Comemorativa de Artigos | Blockchain e o futuro do sistema registral brasileiro


Por Mariana de Souza Costa e Tatiana Avelar Pinto Gomes*

É inegável que os avanços tecnológicos alcançados nas últimas décadas trouxeram inúmeras mudanças para sociedade: novos meios de entretenimento e comunicação, que aos poucos resultaram na quebra de paradigmas e surgimento de novos modelos e práticas sociais e mercadológicas.

Com este novo perfil surgiram ferramentas para viabilizar negócios que aliam o uso de tecnologia e inovação para atender a demanda de uma sociedade cada vez mais conectada e dinâmica, dentre as quais, a tecnologia denominada blockchain.

Com aplicações iniciais focadas principalmente no âmbito do mercado financeiro, a blockchain é a tecnologia disruptiva que está por trás das criptomoedas, sendo a “bitcon” a mais conhecida delas, e vem sendo estudada por instituições financeiras, governamentais e de pesquisa industrial, por possuir diversas aplicabilidades.

A blockchain consiste em uma cadeia de informações, semelhante a um livro de lançamentos, por meio da qual é possível realizar o registro e a validação de transações envolvendo criptomoedas, sem o intermédio de autoridades centrais, de forma célere, íntegra e independente. 

A validação das informações se dá por meio do compartilhamento dos dados criptografados entre os usuários da rede, de modo que as transações são confirmadas e registradas em vários computadores. Uma vez confirmada a chave anterior, cria-se um novo bloco que, uma vez registrado, não pode ser sobreposto ou alterado. A criação de um novo bloco ou nova transação depende da confirmação da conclusão do bloco anterior.

Por estar inserido em uma enorme rede de usuários, o sistema garante segurança, na medida em que a distribuição dos dados em larga escala inviabiliza a modificação ou exclusão unilateral de informações da rede. 

Assim, verifica-se que a tecnologia blockchain representa uma nova opção para armazenamento de dados e atende as aspirações do mercado por aproximar partes com transparência e estimular relações de confiança em um ambiente seguro.

Tão logo fora absorvida a dinâmica criada com a blockchain iniciaram-se estudos para verificar as vantagens de sua utilização no setor registral imobiliário, uma vez que os cartórios, dentre outras funções, promovem o arquivo de informações das transações imobiliárias ali registradas.

Um dos exemplos encontrados para aplicação da tecnologia seria a possibilidade de compartilhamento de dados de forma aberta para todas as partes envolvidas em um processo de aquisição de imóvel, o que garante maior transparência e agilidade à negociação. Uma vez compartilhados, os dados devem ser verificados por toda a rede de usuários, e apenas após a concordância de todos os envolvidos, seria possível concluir a transação e iniciar um novo negócio ou bloco. 

A tecnologia favorece a lisura das informações registradas e a confiança entre as partes, sendo que os mais entusiastas quanto à sua aplicação no setor imobiliário esperam que seja possível transformar um imóvel em ativo líquido e dinamizar as operações.

Entre as potenciais vantagens da aplicação da tecnologia ao sistema registral, destaca-se ainda possibilidade de redução da burocracia e dos custos cartoriais, a simplificação dos procedimentos de registro e a criação de mecanismos de conferência de dados e documentos ainda mais confiáveis e céleres. 

Por outro lado, faz-se necessário discutir a proposta de utilização do blockchain em face dos princípios norteadores do sistema registral brasileiro, mensurar a viabilidade de utilização da nova tecnologia e seu alcance dentro das atividades desempenhadas pelos Oficiais e Notários.

O sistema registral brasileiro tem como um de seus princípios a fé-pública atribuída aos notários e oficiais, ou seja, no uso e gozo de suas atribuições, estes operam como um braço do Estado, e uma vez constante na matrícula do imóvel determinada informação, pressupõe-se que tal ato jurídico é valido, tendo sido examinado por terceiro indiferente ao negócio e sob rígida vigilância do cumprimento da lei.

Ainda é cedo para que se consiga traçar qualquer prognóstico quanto ao futuro da atuação dos Oficiais e Notários no sistema registral brasileiro, no entanto, o que já se pode afirmar, considerando que a fé pública atribuída aos notários e registradores é uma realidade fática reconhecida pela sociedade, é que não se vislumbra em um primeiro momento a substituição dos oficiais e notários pela tecnologia blockchain, mas a utilização da tecnologia para agregar maior agilidade aos serviços prestados, maior confiança para autenticação e identificação de pessoas e documentos.   

Vale ressaltar que no Brasil já existe um crescente movimento de informatização e disponibilização de dados dos imóveis de forma eletrônica para compartilhamento de informações entre os órgãos públicos, que culminou na criação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis pelo Conselho Nacional de Justiça, instituído pelo Provimento nº 47/2015 – CNJ, sendo uma abertura para utilização de novas tecnologias e ruptura com sistemas tradicionais de registro em prol da agilidade e clareza na disponibilização de informações, existindo um cenário favorável e disposto a utilizar os recursos de compartilhamento de dados.

A blockchain é uma realidade. Cabe aos operadores do direito acompanhar não apenas a sua utilização, mas também de outros mecanismos eletrônicos em desenvolvimento e que prometem modificar os modelos atuais das transações comerciais, adaptando-as aos novos contextos sociais e comerciais trazidos com os avanços tecnológicos, estando, no entanto, atento às reais possibilidades de aplicação das novas ferramentas em face do disposto no ordenamento jurídico pátrio.

*Mariana de Souza Costa, advogada associada da Área de Direito Imobiliário, filha da Tina e neta da Feliciana e da Maria. Tatiana Avelar Pinto Gomes, estagiária da mesma área, filha da Mira, neta da Josefina e da Inêz.

Este artigo é parte da série "Profissionais Azevedo Sette", que divulgou textos com temas relevantes, durante todo o mês de março, redigidos por nossas advogadas e estagiárias das seis unidades Azevedo Sette Advogados, em comemoração especial ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março.  A série foi transformada em livro, para download acesse aqui