Dispute Boards em contratos administrativos como instrumento eficiente para antecipar a solução de potenciais conflitos


Dispute Boards em contratos administrativos como instrumento eficiente para antecipar a solução de potenciais conflitos


Por Helena Virgili

O Dispute Board (também conhecido como Comitê de Resolução de Conflito) caracteriza-se como mecanismo contratualmente  estabelecido, constituído por um comitê composto, via de regra, por 1 (um) a 3 (três) membros (a depender do tamanho do empreendimento), escolhidos pelas partes contratantes. Os membros integrantes devem ser especialistas na área sobre a qual versa o contrato, a atuação deve ser imparcial1, diante do objetivo de evitar que eventuais conflitos existentes ao longo da execução do contrato estendam-se de modo a prejudicar a continuidade de sua execução. 

O Dispute Board pode ser instaurado imediatamente após a assinatura do contrato e mantido em funcionamento ao longo de sua execução ou ser instaurado de maneira ad hoc, ou seja, apenas na eventualidade do surgimento de um conflito. 

A instauração antecipada do Dispute Board (antes mesmo do surgimento de controvérsias) permite a familiarização do Comitê com o empreendimento e a observação dos problemas na medida em que eles se desenvolvem, sendo esta, inclusive, a característica que mais diferencia o método de outras formas de solução de disputas. 

O Dispute Board poderá ser composto por três membros e, em geral, cada parte escolhe um dos membros, os quais, em conjunto, determinam quem será o terceiro membro, ou o “presidente”. Outro procedimento de seleção dos membros para Dispute Board de três integrantes é a seleção conjunta das partes para o presidente, que, por sua vez, escolhe os outros membros.

Ao longo da execução do contrato, os membros do Dispute Board podem ser convocados a qualquer momento para analisar eventuais divergências existentes, podendo, conforme o caso, fazer  recomendações não vinculantes, ou seja, cujo cumprimento não é obrigatório (Dispute Review Boards), tomar decisões vinculantes, com cumprimento obrigatório (Dispute Adjudication Boards) ou até exercer ambas as funções, ou seja, proferir tanto recomendações não vinculantes quanto decisões vinculantes (Combined Dispute Boards), dependendo dos poderes que lhes forem outorgados pelas partes2.

No que diz respeito à aplicação de meios alternativos de solução de controvérsias em Contratos Administrativos, a Lei Federal nº 8.666/1993, que regulamenta as licitações e os contratos administrativos no Brasil, de forma abrangente, autoriza a Administração Pública a utilizar, em contratos firmados com particulares, mecanismos extrajudiciais de soluções de controvérsias, quando se tratar de exigência de instituição financeira multilateral ou agência de fomento externas. 

Ainda, a legislação que disciplina os Contratos Administrativos de grande vulto (p. ex., Contratos de Concessão - em sentido amplo) também se apresenta bastante favorável à utilização de mecanismos extrajudiciais de solução de controvérsias, tendo em vista que são contratos que apresentam potencial expressivo para o surgimento de conflitos, uma vez que envolvem consideráveis investimentos e são estruturados por relações multidisciplinares, cuja execução, via de regra, é complexa.

Nesse sentido, o aumento da ocorrência de litígios relacionados à execução desses contratos tem estimulado a criação de métodos de prevenção e de solução de disputas alternativos aos processos judiciais. A Lei Federal nº 8.987/1995 (“Lei das Concessões”), a Lei Federal nº 11.079/2004 (“Lei das Parcerias Público – Privadas”) e a Lei Federal nº 12.464/2011 (“Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas”), entre outras3, autorizam expressamente o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas aos contratos que por elas sejam regidos.

Seguindo a tendência já positivada nas Leis supracitadas, o Projeto de Lei nº 1.292/1995, que pretende alterar a atual Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993), permite a utilização de meios alternativos de solução de controvérsias, entre os quais a possibilidade de a Administração Pública valer-se de um “Comitê de Resolução de Disputas”, também chamados de “Dispute Board4.

No Brasil, ainda não há tratamento normativo geral e nacional para essa modalidade de resolução e prevenção de conflitos, exceto no município de São Paulo, que introduziu a figura dos comitês de prevenção e solução de disputas na celebração de contratos da administração direta e indireta da cidade, por meio da Lei 16.873/2018. Neste momento, tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei nº 9.883/2018 (Câmara dos Deputados) e o PL nº 206/2018 (Senado Federal). 

Ainda são poucos os casos de adoção do Dispute Board como mecanismo de solução de conflitos em Contratos Administrativos. Podemos citar, como exemplos, o Contrato de Parceria Público – Privada da Linha 4 – Amarela, do Metrô de São Paulo; Contrato de Parceria Público – Privada da Arena das Dunas, em Natal, no Rio Grande do Norte; e Parceria Público – Privada para construção do Complexo Criminal Ribeirão das Neves, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Acredita-se, entretanto, que a aprovação dos Projetos de Lei acima citados poderá contribuir para uma maior segurança jurídica e incentivo na utilização dos Dispute Boards nas contratações públicas, o que poderá se mostrar um importante e eficiente aliado na prevenção ou solução de controvérsias ao longo e depois da execução contratual, notadamente quanto aos aspectos técnicos e de difícil compreensão à luz exclusiva de normas jurídicas.

Segundo a Dispute Resolution Boards Foundation, um Dispute Board pode ser definido como um comitê composto por pessoas imparciais, formado no início do empreendimento para acompanhar o progresso da construção, evitar conflitos, e auxiliar na resolução de disputas ao longo do empreendimento (DRBF - Dispute Resolution Boards Foundation, 2007. Disponível em: . Acesso em 17de março de 2020.

Kessler, Ariela. A Vinculatividade e a Eficácia dos Dispute Boards no Direito Brasileiro. Disponível em . Acesso em 16 de março de 2020.

Lei Federal nº 13.303/2016 (“Lei das Estatais “), na Lei Federal nº 9.307/1996 (“Lei da Arbitragem”); Lei Federal nº 13.140/2015 (“Lei de Mediação e de Solução Alternativa de Disputas na Administração Pública”).

4 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=16526. Art. 149. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente, a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.