Compliance e o Assédio no Ambiente de Trabalho


Compliance e o Assédio no Ambiente de Trabalho


Por Isabel Franco, Glaucia Ferreira, Ingrid Santos, Juliana Bayeux e Giuliana Bonilha

Cada vez mais é possível perceber a frequência com que filmes, séries, livros, revistas e mídias sociais abordam o assédio moral e sexual. Com o aumento exponencial desses veículos de comunicação versando sobre o assunto, o tema está cada vez mais em pauta na sociedade. O assédio, infelizmente, ocorre nos mais diversos lugares, não estando o ambiente de trabalho, portanto, imune à sua ocorrência.

Caracterização do assédio

Antes de mais nada, é válido conceituar brevemente assédio moral e sexual. No Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende assédio moral como a “exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades”. Ele pode se manifestar de diversas formas, incluindo “comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho1.

Por sua vez, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção 190 de junho de 2019, indica que, no mundo do trabalho, violência e assédio sexual são caracterizados por uma série de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças, sejam uma ocorrência única ou repetida, que visem a, impliquem ou provavelmente resultem em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, incluindo violência de gênero. Adicionalmente, explica a Convenção que a expressão “violência e assédio com base no gênero” significa o comportamento direcionado a pessoas em razão do sexo ou gênero, ou que afeta pessoas de um determinado sexo ou gênero desproporcionalmente2.

É importante deixar claro que o assédio moral e sexual não ocorre apenas em face das mulheres. Entretanto, o número de pessoas do gênero feminino que passa por essa situação é muito superior quando comparado à quantidade de homens. De acordo com uma pesquisa divulgada em 2018, 65% das entrevistadas informaram já ter sofrido assédio moral, enquanto que apenas 35% dos homens relataram ter vivenciado essa circunstância3. Por essa razão, optamos aqui por tratar do assédio no trabalho cometido apenas em face da mulher, mesmo porque março é o mês da mulher!

A pesquisa “Chega de Fiu-Fiu”4, realizada em 2013 pela Organização “Think Olga”, apresentou dados sobre assédio sexual contra a mulher e concluiu que 33% das 7762 mulheres participantes já receberam “cantadas” no trabalho. Sendo possível selecionar mais de uma opção, os números mostram que 21% das mulheres receberam “cantadas” indiscretas de um colega de trabalho, 14% de um cliente, 13% de um superior e 9% de um funcionário. Aqui, entende-se por cantada não apenas um elogio que enaltece as qualidades de forma positiva, mas um comentário pejorativo e que cause constrangimento. 

O assédio no ambiente de trabalho, além de poder causar danos gravíssimos às vítimas, sejam eles físicos e/ou psicológicos, também pode trazer consequências negativas para a imagem e reputação de empresas ou entidades. Como um exemplo podemos citar o caso de um grande banco  que foi condenado a pagar indenização por danos morais a uma bancária, que, em determinada reunião, recebeu a orientação de que teria que alcançar as metas do banco “nem que fosse necessário rodar bolsinha na esquina”5

Medidas para prevenir e mitigar riscos

Nesse contexto, é importante que as organizações se preocupem em evitar que comportamentos inadequados ocorram em suas dependências ou sejam praticados contra seus colaboradores. O Compliance pode desempenhar um papel fundamental nessa situação. Parte importante de um programa de Compliance é a elaboração de código de conduta que reflita os princípios norteadores da empresa e que estabeleça regras mínimas e claras sobre convivência entre os membros de todos os graus hierárquicos e de relacionamento com clientes e público externo. 

O código de conduta, portanto, é uma ferramenta adequada para abordar o assédio moral e sexual, sendo um meio apropriado para exemplificar comportamentos que não serão tolerados. Além dos princípios, valores e regras da empresa, outro ponto essencial a ser previsto são as consequências das eventuais violações. É preciso deixar claro a todos os colaboradores, por exemplo, que eventuais casos de assédio serão investigados e, se confirmados, serão punidos de forma adequada e exemplar. 

Além do código de ética e conduta, a empresa pode promover uma cultura antiassédio na execução de treinamentos para os colaboradores e, se pertinente, também para eventuais expatriados que venham trabalhar no Brasil (os quais, devido a diferenças culturais, podem praticar atos que serão interpretados pelos colaboradores locais como inadequados) e terceiros com que a empresa se relaciona. Treinamentos são importantes para convencimento e absorção completa das informações do código de conduta. Ademais, são elementos fundamentais para o desenvolvimento e propagação da cultura da empresa.

Outra ferramenta de extrema importância é a manutenção de um canal de denúncias anônimo, independente e, de acordo com as melhores práticas, externo. Canais de denúncia possibilitam que colaboradores, e até mesmo o público externo, reportem quaisquer comportamentos inadequados que perceberem. Além disso, são meios importantes para fornecer orientações e ajuda sobre como proceder em situações concretas. Os números demonstram que o canal de denúncias é um mecanismo bastante efetivo. Segundo reportagem de 2018, a empresa Duratex, que possui um canal de denúncias desde 2012, indicou que, dos 3.729 reportes feitos até então, 16,67% eram relativos a assédio moral ou sexual6.

A importância de dizer (e de aceitar) o “NÃO”

No código de conduta e nos treinamentos, é importante deixar claro que a empresa não tolerará qualquer comportamento invasivo e de assédio. É interessante, por outro lado - e essa é uma questão que não costuma ser abordada, que se reforce, no código, nos treinamentos e na convivência diária entre colaboradores, a importância de a mulher se sentir livre e confortável para dizer “não”. 

Uma questão percebida na cultura brasileira é que, na nossa sociedade, normalmente há uma dificuldade em dizer e ouvir “não”. O brasileiro, muitas vezes, encara a simples recusa de um convite, por qualquer razão que seja, como um comportamento grosseiro. No caso de assédio, percebe-se, em algumas situações, que as mulheres, quando não desejam aceitar determinado convite, não se sentem confortáveis em dizer um “não” simples e direto e acabam recorrendo a justificativas para não soarem grosseiras. Entretanto, esse fato pode levar a consequências desagradáveis, culminando com a denúncia do colega por assédio. 

Imagine-se, por exemplo, que um homem convide sua colega de trabalho para um jantar e ela, com receio de ser rude, procure maneiras de se esquivar da programação dando desculpas, como “hoje eu não posso”, “já combinei de sair com uma amiga”. Nesse caso, pela ausência de clareza da sua falta de interesse em tal convite, pode ser que o homem continue insistindo com novos convites, criando situações repetidas e desagradáveis para a mulher. 

Em cenário distinto, em que a convidada use o “não” direto, é possível que, pela perspectiva de quem convida, o “não” seja interpretado como um jogo de sedução, e não uma real recusa ao convite, como se a mulher, ao dizer “não”, na verdade quisesse aceitar o convite, mas não no primeiro momento. É importante que as pessoas que convidam se conscientizem de que, uma vez que a convidada diz “não”, as investidas devem imediatamente cessar.  

É claro que a situação não é tão simples ou “preto no branco”. Afinal, muitas vezes o assédio é cometido por um superior hierárquico. Nessas hipóteses, é possível que a subordinada, com receio de que uma resposta negativa influencie de alguma maneira seu trabalho ou posição na empresa, procure maneiras de se esquivar do convite, sem, no entanto, manifestar de forma clara sua falta de interesse. Cenários do tipo podem ser ilustrados no código de conduta e nos treinamentos aplicados pela empresa. É importante promover e difundir a conscientização em todos os membros da organização relativamente a comportamentos que são inaceitáveis.

Na interação pessoal entre indivíduos conectados pelo ambiente de trabalho, é importante que as pessoas dialoguem, manifestem seu interesse (ou falta deste) da forma mais clara possível e que também, pelo lado de quem convida, haja maior sensibilidade para interpretar “não” como não. Recusas claras acompanhadas de ausência da insistência de convites indesejados contribuirão para dissipar a zona cinzenta nas interações entre indivíduos, promovendo relações melhores baseadas em comunicação clara. 

Por meio desses exemplos, mas, claro, sem a pretensão de esgotar o assunto, é possível ilustrar como o Compliance pode ser uma relevante ferramenta para mudança de cultura e um importante aliado na luta contra o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.

Secretaria de Comunicação Social do TST. Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/10157/55951/Cartilha+assédio+moral/573490e3-a2dd-a598-d2a7-6d492e4b2457>. Acesso em: 29 fev. 2020. 

International Labour Organization. C190 - Violence and Harassment Convention. 2019. Disponível em: https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C190. Acesso em: 29 fev. 2020. 

3 Justiça do Trabalho. Mulheres sofrem mais assédio moral que homens, inclusive de outras mulheres. 2019. Disponível em: <https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-institucionais/mulheres-sofrem-mais-assedio-moral-que-homens-e-inclusive-de-outras-mulheres>. Acesso em: 29 fev. 2020.

4 Think Olga. Chega De Fiu Fiu: Resultado Da Pesquisa. Disponível em: <https://thinkolga.com/wp-content/uploads/2019/10/ThinkOlga_ChegadeFiuFiu_Pesquisa.pdf>. Acesso em: 29 fev. 2020.

5 Justiça do Trabalho. TST julgou diversos casos de assédio moral e sexual em 2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/tst-julgou-diversos-casos-de-assedio-moral-e-sexual-em-2012>. Acesso em: 29 fev. 2020.

6 BLOG DO CADERNO DE EMPREGOS & CARREIRAS DO ESTADÃO. Empresas adotam canais de denúncias. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/blogs/radar-do-emprego/empresas-adotam-canais-de-denuncias/>. Acesso em: 29 fev. 2020.