Avanços da transformação digital e seu impulsionamento durante a pandemia


Avanços da transformação digital e seu impulsionamento durante a pandemia


Publicado no portal Migalhas, em 14 de agosto de 2020.

O conceito de transformação digital é amplo e pode se referir a qualquer tipo de modernização e otimização de processos a partir do uso de tecnologias da informação. A criação de novos modelos de negócios a partir da digitalização ocorre tanto no setor privado quanto no setor público, permitindo avanços disruptivos em todos os tipos de indústrias e segmentos. Os principais pilares transformados por essa digitalização são: I) a experiência do consumidor, II) os processos operacionais e III) os modelos de negócios.

Com relação ao primeiro, a transformação digital atua para melhor entender as demandas de consumidores, aprimorar as interações com os usuários e responder rapidamente às suas exigências/conveniências. O desenvolvimento de multicanais interativos, via aplicativos e websites, promove uma experiência personalizada ao consumidor, que se beneficia através de processos simplificados para a obtenção de serviços de qualidade.

Já no âmbito dos processos operacionais, busca-se uma digitalização de procedimentos (através de automação de atividades, por exemplo), a capacitação de colaboradores para essas mudanças e uma gestão estratégica de colaboração e performance dos mesmos. Neste pilar, a transformação digital permite que empresas e o setor público otimizem as funções e tarefas específicas dos setores envolvidos, fazendo com que a criatividade e inovação fluam de maneira eficiente, em substituição aos esforços repetitivos, tanto no processo de tomada de decisões quanto no exercício das atividades diárias.

A transformação de modelos de negócios envolve a modificação de negócios e sua mobilização para o ambiente digital, a criação de novos mercados digitais que complementem os produtos tradicionais e a globalização digital de suas operações. Tais remodelações permitem a redefinição das funções e limites das atividades praticadas, de maneira a fazer florescer inovações tecnológicas e adequar os processos já existentes à realidade digital transfronteiriça predominante dos dias atuais.

No Brasil, a transformação digital é regulada através de instrumentos jurídicos, como o decreto 9.319/18, que institui o Sistema Nacional para a Transformação Digital (SinDigital) e estabelece a estrutura de governança para a implantação da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital).

O diploma legal estabelece alguns eixos temáticos para a E-Digital, quais sejam:

I Os eixos habilitadores, que envolvem a infraestrutura e acesso às tecnologias de informação e comunicação; pesquisa, desenvolvimento e inovação; confiança no ambiente digital; educação e capacitação profissional; e dimensão internacional;

II Os eixos de transformação digital, sendo eles a transformação digital da economia e a cidadania, e transformação digital do governo.

Ainda, o decreto 10.332/20, que institui a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, estabelece a necessidade de elaboração de instrumentos de planejamento, sendo possível dar destaque ao Plano de Transformação Digital, contendo ações de transformação digital de serviços, unificação de canais digitais e interoperabilidade de sistemas.

A norma também institui a Rede Nacional de Governo Digital – Rede Gov.br, de natureza colaborativa e adesão voluntária, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com a finalidade de promover o intercâmbio de informações e a articulação de medidas conjuntas relacionadas à expansão da Estratégia de Governo Digital.

Embora grande parte da transformação digital seja motivada tanto por razões financeiras (por gerar considerável redução de custos) quanto por inovações tecnológicas com as quais convivemos nos dias atuais, é certo que outros fatores externos também podem contribuir – e muito – para a digitalização de atividades de negócio. E foi nesse contexto que o súbito surgimento da pandemia do novo coronavírus (covid-19) agilizou ainda mais esse fenômeno, nas mais diversas áreas.

No setor público brasileiro, é possível observar, por exemplo, um reconhecimento da identidade digital dos cidadãos brasileiros e uma aceleração da digitalização de serviços públicos, visando facilitar o acesso da população e reduzir os impactos negativos da pandemia, através do site Gov.br. Neste sentido, entre março e julho deste ano, o Governo Federal Brasileiro transformou 251 de seus serviços presenciais/físicos em digitais, garantindo acesso a aplicativos bastante procurados durante a pandemia, tais como o Auxílio Emergencial e o Seguro Desemprego do Empregado Doméstico.

Ainda, a medida provisória 983/20 pretendeu simplificar o envio de documentos e a comunicação digital entre o cidadão e o Poder Público, criando a possibilidade de utilização de novos meios de assinatura eletrônica além do certificado digital, com o mesmo valor legal das tradicionais assinaturas em papel, de maneira a desburocratizar e baratear os procedimentos rigorosos de assinatura de documentos e transações eletrônicas. A medida, que tem sido objeto de diversas polêmicas, foi analisada pelo Congresso Nacional no dia 11 de agosto e acabou sendo menos flexível do que a proposta original.

Ressalte-se ainda a importância do projeto de lei 3.443/19, que dispõe sobre a Prestação Digital dos Serviços Públicos na Administração Pública – Governo Digital, que, recentemente, foi colocado em pauta para apreciação em termos de urgência. A proposta traz o conceito de “transformação digital”, definido como o conjunto de medidas estratégicas aptas a tornar a governança pública mais dinâmica, eficiente e próxima da sociedade, por intermédio de tecnologias digitais. Entretanto, devem ser melhor endereçados os riscos à privacidade e proteção de dados que o projeto, como redigido, ainda pode gerar aos cidadãos.

Já no setor privado, diversas foram as transformações digitais ocorridas durante a pandemia, tais como a utilização e oferecimento de ferramentas para o ensino à distância (EaD), a utilização da telemedicina para consultas médicas a distância devido à autorização de seu uso durante a crise ocasionada pelo covid-19 (lei 13.989/20), a implementação do home-office por parte de empresas, dentre outras mudanças.

Ainda, o isolamento social decorrente da covid-19 também disparou a utilização do e-commerce e de marketing digital, especialmente através de redes sociais como o WhatsApp e o Instagram. Neste sentido, o Painel TIC covid-19, desenvolvido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontou aumento do comércio eletrônico e das atividades culturais online durante a quarentena, registrando um total de 66% de usuários de internet que compraram produtos e serviços pela internet nos últimos 3 (três) meses (proporção que era de 44% para a mesma população em 2018).

A medida preventiva da quarentena também impulsionou a interação com consumidores através de canais de atendimento robotizados (chatbots) para o atendimento de demandas de serviços de diversos setores da indústria, devido à redução de call centers por causa do risco de contágio de colaboradores. De acordo com pesquisa da consultoria Boston Consulting Group, o “lockdown” tem promovido uma espécie de “self-service digital”, com altos níveis de satisfação dos consumidores que experimentaram ferramentas e canais de atendimento digital.

A atualização de modelos e processos de negócios pedem por mudanças por parte dos agentes do mercado. Isso porque a metamorfose digital é um fenômeno irrefreável e imprescindível, durante e após a pandemia do covid-19 – portanto, os setores público e privado precisarão sair de seus tradicionais “casulos” para conseguirem se adaptar às inovações e alçar novos voos, rumo a um futuro cada vez mais eletrônico e conectado.