A visão do DOJ sobre corrupção corporativa e investigações internas: lições para empresas brasileiras


A visão do DOJ sobre corrupção corporativa e investigações internas: lições para empresas brasileiras


Por Luiz Eduardo Salles

As políticas (policies) do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) têm (ou, pelo menos, deveriam ter) influência inegável sobre a forma como empresas multinacionais, inclusive as de origem brasileira, administram seus programas de integridade e investigações internas. Os Estados Unidos são um mercado quase inescapável para multinacionais. São, também, provavelmente a mais ativa jurisdição do mundo em matéria de repressão à corrupção corporativa (e, alguns diriam, a mais dura). Além disso, o DOJ interpreta de forma expansiva (e um tanto quanto controversa) a jurisdição em relação a atos de corrupção praticados ao redor do mundo. Essa combinação obriga constante atenção das multinacionais em relação às políticas do DOJ.

Na semana passada, tive o privilégio de participar do 3º encontro de outono da Global Investigations Review em Washington, DC. O principal palestrante do encontro foi John Cronan. Cronan é Principal Deputy Assistant Attorney General na Criminal Division do DOJ. Sua mensagem geral foi de que o combate à corrupção corporativa permanece como prioridade para o DOJ e assim permanecerá.

São os detalhes da mensagem, porém, que mais importam. Rabisco, aqui, detalhes da exposição que podem influenciar a direção da prática de compliance e investigações internas, especialmente nos casos que atraiam jurisdição dos Estados Unidos. Adianto, por outro lado, a ressalva de que investigações internas “exclusivamente brasileiras” não deveriam transplantar de forma automática e acrítica a prática estadunidense. Ao contrário, devido a diferenças nos sistemas jurídicos, investigações internas devem ser desenhadas tendo em mente as jurisdições e leis aplicáveis e suas idiossincrasias. (Sem prejuízo, claro, de também terem em conta a influência de outros fatores específicos de cada região e empresa).

Em sua exposição, Cronan ressaltou que a ênfase do combate à corrupção corporativa pelo DOJ é na responsabilização individual, já que as empresas agem por meio de pessoas. Para ele, as ações nesse campo devem encorajar o bom comportamento das empresas e deixar claro que aquelas que reportem e remedeiem atos de corrupção receberão o devido reconhecimento. Na prática, tal reconhecimento significa uma carta de declinação do DOJ, que encerra a investigação quanto aos atos em questão. Exemplos de carta de declinação podem ser encontrados aqui. Uma declinação significa, para a empresa, a possibilidade de “seguir em frente”, evitando (ou, pelo menos, reduzindo de forma importante) o enorme transtorno que essas investigações produzem sobre os negócios.

Quais os princípios básicos para que a empresa faça jus ao reconhecimento do DOJ? Cronan repetiu o mantra de que a cooperação e os reportes necessitam ser voluntários e tempestivos. Indo aos detalhes, fez comentários importantes sobre a tempestividade. Segundo Cronan, o reporte deve ser feito o quanto antes possível e dentro de um período de tempo razoável após a empresa estar ciente dos fatos. Isso significaria, na visão do DOJ, que a empresa não deveria esperar até a conclusão de uma investigação completa para reportar sobre os fatos. As razões do DOJ para tanto requerer incluem a capacidade de iniciar investigações independentes (por exemplo, garantindo a preservação de evidências) e evitar prescrições.

Advogados americanos presentes ao evento afirmaram, em reação à exposição de Cronan, que as expectativas do DOJ sobre o momento da realização do reporte “mudaram tremendamente” no período recente (vide divulgação do evento disponível aqui para assinantes GIR). De fato, a orientação quanto à realização do reporte “o quanto antes possível” traz significativos desafios para a condução de investigações internas e a tomada de decisão das empresas sobre a colaboração.

É natural que pessoas de negócios desejem ter o máximo de informação e controle sobre a investigação antes de decidir sobre reportar e a forma exata do reporte. A indicação do DOJ, porém, é de que o reporte pode ser necessário antes mesmo de que a empresa tenha conhecimento completo da situação. O DOJ espera um contato mais rápido, direto e fluído entre os responsáveis pelas investigações internas e as autoridades. Para maximizar créditos pela cooperação, segundo Cronan, a empresa deve manter contato constante com o DOJ sobre, por exemplo: quem conduz a investigação, os responsáveis internos pelo processo, os indivíduos investigados e a possibilidade de que eles sejam representados por advogados, a natureza, escopo e estado da investigação, o plano de investigação, os passos tomados e previstos para a preservação de evidências, a lista de indivíduos entrevistados e que podem ser entrevistados e que possam saber sobre a investigação.

A orientação do DOJ antecipa a necessidade de coordenação entre empresa e autoridades. Introduz-se, por sua vez, um componente adicional de incerteza e mutabilidade sobre o plano de investigação, isto é, os resultados da interação constante com autoridades antes da conclusão dos trabalhos. Ao exigir mais das empresas, o DOJ acena com o benefício de maximizar créditos pela cooperação – e, assim, reduzir as penalidades e a duração das investigações.

Diante dessa expectativa do DOJ quanto à tempestividade do reporte, quais as lições para empresas brasileiras? Para as multinacionais sujeitas à aplicação do FCPA, há uma mensagem importante em relação ao desenho das investigações internas. O desenho deve prever a possibilidade de interação com advogados e autoridades nos Estados Unidos antecipada em relação ao que seria, abstratamente, desejado. Isso não é pouco, pois esse tipo de interação, no limite, afeta o planejamento, formatação e execução da investigação interna. Deve-se lembrar, ainda, que a interação antecipada com autoridades nos Estados Unidos pode levar necessariamente a interações antecipadas também com as autoridades brasileiras.

No caso dos Estados Unidos, o componente adicional de incerteza é (pelo menos, parcialmente) compensado pela consistência do reconhecimento à colaboração genuína. Ou seja, pelo respeito das autoridades dos Estados Unidos ao compromisso de se encerrar as investigações e permitir à empresa voltar a focar suas atividades principais, sua razão de ser. Se o possível equilíbrio entre antecipação da interação com autoridades e reconhecimento da cooperação genuína pelo término da investigação se provar um equilíbrio estável pela experiência, estaremos diante de uma nova orientação para a prática de investigações internas em casos sujeitos ao FCPA, inclusive no caso de multinacionais brasileiras.

Entretanto, multinacionais brasileiras também terão que considerar os impactos do reporte e cooperação nos Estados Unidos sobre o possível reporte e cooperação no Brasil. Será preciso sopesar se os benefícios esperados com a cooperação antecipada nos Estados Unidos serão suficientes para compensar os riscos adicionados em relação ao tratamento do caso no Brasil. Além disso, para as situações restritas ao Brasil e em que não haja sujeição ao FCPA, pode-se questionar se a lição deve ser incorporada automaticamente. Dado que as investigações internas devem ser desenhadas e executadas com atenção ao direito aplicável, as peculiaridades do Brasil podem reclamar planejamento diverso quanto à investigação e reação da empresa. Aqui, por exemplo, o reconhecimento da colaboração e remediação não é suficiente para isentar a pessoa jurídica de penalidades, nem mesmo pela própria autoridade que reconhece a colaboração.

Além disso, por exemplo, existe enorme dificuldade de cooperação entre autoridades dentro do país e o prospecto de encerramento rápido de investigações é mais limitado. Esse contexto impõe uma ordem de considerações diferente aos agentes que consideram de forma pragmática quando, onde, como e o que reportar às autoridades.

Em conclusão, a orientação do DOJ pode influenciar a própria prática de investigações internas nas empresas, sendo importante acompanhar como essa orientação se desenvolverá no dia-a-dia. Ao mesmo tempo, é preciso considerar criticamente essa orientação, tanto em relação aos benefícios esperados da cooperação em casos sujeitos ao FCPA, como em relação às peculiaridades do Brasil.