A tecnologia e o mercado de seguros


A tecnologia e o mercado de seguros


Recentemente foi publicada notícia¹ relevante trazendo informação de que seguradoras de Nova York, nos Estados Unidos, estariam começando a utilizar os dados constantes de redes sociais e outras fontes não tradicionais sobre seus clientes, a fim de determinar o preço de suas apólices.

Com o impacto do avanço da tecnologia afetando a vida de milhões de pessoas no mundo, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional, notícias como esta estão, cada vez mais, deixando de ser exceção e se tornando corriqueiras em cotidiano das pessoas.

E, ao que tudo indica, com o mercado de seguros não será diferente: ele está muito próximo de passar por uma grande renovação devido aos grandes avanços da tecnologia. De fato, as mudanças já começaram a ocorrer, porém podem não ter sido percebidas (ainda) pelos segurados.

Diversos são os exemplos do uso das mais modernas ferramentas tecnológicas no mercado securitário.

Como em qualquer mercado, o mercado de seguros enfrenta grandes desafios e, um dos principais, é a questão de sua precificação. Sabe-se que muitos fatores interferem na aferição dos valores envolvidos nas apólices, seja no âmbito da importância segurada, como nos casos dos seguros de responsabilidade civil, seja nos valores dos prêmios, seja nos valores relacionados com os custos de comercialização do seguro.

No tocante à análise do risco de per si, ela muitas vezes pode não estar de acordo com a realidade do segurado, tendo em vista que a seguradora busca estabelecer perfis de risco de acordo com suas características versus a probabilidade de sinistro, o que pode trazer diversas inconsistências.

Exemplo disso é o enquadramento de segurados em tipos de risco: segurados com o mesmo perfil, que se enquadrariam em um mesmo segmento, podem ter diversas características que tornem o risco totalmente distinto e traga discrepâncias na precificação efetuada pela seguradora. 

E nesse ponto a tecnologia pode se mostrar uma grande aliada. Um dos grandes exemplos de como essa influência pode ser disruptiva é a telemetria, que consiste na utilização de dispositivos para captação e transmissão de dados em tempo real. Essa tecnologia é capaz de medir, rastrear e comandar veículos à distância, por exemplo.

Também há a criação de diversos aplicativos para monitoramento da saúde, como os denominados wearables, que são dispositivos eletrônicos que, quando utilizados por uma pessoa, podem coletar uma variedade de dados sobre seu usuário, tal como seus hábitos, o que implicaria em uma aferição de riscos bem mais precisa.

E é justamente nesses vieses que vêm surgindo cada vez mais as insurtechs, buscando incrementar a eficiência do modelo vigente da indústria de seguros.

Ocorre, no entanto, que no mercado de seguros brasileiro muitas iniciativas e novos modelos por vezes não conseguem prosseguir ou alcançar seu potencial em virtude de restrições legais ou regulatórias do nosso ordenamento.

Exemplo de fácil percepção sobre o acima é a regulamentação vigente atinente à comercialização de seguros por meios remotos. Muito se avançou, é verdade, porém o mercado brasileiro ainda está em fase embrionária em termos de aproveitamento do potencial que a tecnologia pode trazer.

A necessidade de cumprimento de requisitos para possibilitar a oferta de seguros por aplicativos, SMS ou outros meios tecnológicos existentes acaba diminuindo sua abrangência, facilidade ou acessibilidade.

Da mesma forma, os produtos que podem ser ofertados também, muitas vezes, não conseguem refletir o potencial de inovação que os novos modelos tecnológicos podem trazer de benefícios ou facilidades, uma vez que há regras gerais por vezes difíceis de serem superadas na criação de produtos diferentes e inovadores.

Claro está que a Superintendência de Seguros Privados vem se mostrando bastante receptiva ao diálogo com os players do mercado para poder progredir não apenas na regulamentação, que deve(ria) avançar na mesma velocidade que as tecnologias, mas também no sopesamento de regras e sua aplicabilidade caso a caso em situações não previstas.

Impossível, no entanto, que a regulamentação consiga acompanhar o atropelo tecnológico que estamos vivenciando nos últimos anos. Novos dispositivos, novos modelos de negócios, novos acessos, novos players, novas plataformas, novos mundos antes sequer imaginados. E tudo isso em apenas alguns anos.

Para acompanhar tamanho dinamismo, a criação de normas mais flexíveis e abrangentes pode se mostrar como uma alternativa.

Uma norma, por exemplo, de meios remotos que não contenha rol ou mecanismo objetivo de oferta de seguro, mas sim diretrizes e princípios norteadores da atuação dos players, possibilitaria a sua aplicação mesmo com os avanços dos modelos de oferta de seguros que ainda estão por vir e que, neste momento, sequer imaginamos como poderão operar.

É claro que essas diretrizes deverão pautar a atuação dos players do mercado de seguros sempre em atendimento às normas consumeristas, direitos dos segurados, boa-fé e transparência, bem como qualquer utilização de dados deve ser pautada nos parâmetros de proteção e privacidade, tais como previstos nas normas recentemente publicadas sobre o tema.

Certo é que a inovação pode ser uma grande aliada do mercado e que a tecnologia aproxima as partes e encurta caminhos, restando aos participantes do mercado conseguirem utilizá-la de modo eficaz, consciente e alinhada ao desenvolvimento do setor.

1  www1.folha.uol.com.br/tec/2019/02/seguradoras-de- -ny-podem-usar-redes-sociais-para-avaliar-clientes. html. Acesso em 06/02/2019.

Sobre as autoras: JAQUELINE SURYAN é sócia da prática de Seguros, Previdência e Saúde do escritório Azevedo Sette Advogados. Graduada e mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). MBA em Gestão de Negócios de Seguros e Previdência pela Fundação Instituto de Administração (FIA/SP). Membro da Associação Internacional do Direito do Seguro (AIDA), do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) e do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar (IPCOM). Autora de diversos artigos e capítulos de livros relacionados com o mercado. JULIANA STROHL é associada da prática de Seguros, Previdência e Saúde do escritório Azevedo Sette Advogados. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Contract Design pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e cursando especialização em Direito e Tecnologia na Escola Politécnica de Engenharia da Universidade de São Paulo (EPEUSP). Autora de diversos artigos relacionados com o mercado de seguros.