A Responsabilidade pelo Licenciamento Ambiental dos Postos Revendedores de Combustíveis


A Responsabilidade pelo Licenciamento Ambiental dos Postos Revendedores de Combustíveis


Foi-se o tempo em que a natureza podia ser concebida como res extensa e colocada em toda a sua plenitude, a serviço da satisfação humana 1. Desde a década de 60, uma nova concepção científica elaborada por James Lovelock 2, conhecida como Hipótese Gaia, concebia o Planeta Terra como um imenso ser vivo, capaz de se auto-regular, criando e mantendo as condições para a manutenção da vida.

Neste contexto, as contingências e as incertezas que imperam nesta sociedade afetam todas as áreas do saber, em especial a ciência jurídica. O Direito se adapta à nova realidade buscando tutelar o meio ambiente e limitar as atuações humanas e industriais sobre ele incidentes, pautado mais pelo caráter da prevenção, do que de repressão e sanção.

Com efeito, dentre as atividades econômicas assim reguladas, inclui-se a distribuição e revenda de combustíveis e derivados de petróleo que, no que se refere à legislação de proteção ao meio ambiente, em especial o procedimento administrativo do licenciamento ambiental, se encontram regulamentadas pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que determina a Política Nacional de Meio Ambiente, a Resolução CONAMA nº 237/97, que dispõe sobre o mecanismo de controle propriamente dito e pela Resolução CONAMA nº 273/00 3, que estabelece, especificamente, o licenciamento ambiental dos postos de revendas de combustíveis, abastecimento e similares.

E com base neste quadro legal, passemos então a análise e identificação daqueles responsáveis pelo licenciamento ambiental destes empreendimentos e, conseqüentemente, pelos danos ocasionados advindos do exercício da atividade de forma irregular.

A Responsabilidade Ambiental

Responder ou ser responsabilizado por um crime ou infração legal é estar, de certa forma, obrigado a reparar um dano causado a outrem.

Especificamente aos danos causados ao meio ambiente, a Constituição Federal de 1988, no § 3º do art. 225, determina que pelo mesmo fato, e relacionado ao presente caso, implantar e operar um posto revendedor de combustível sem as devidas autorizações e licenças ambientais, os infratores respondam, de forma cumulativa ou alternativa, a sanções nas esferas civil, administrativa e penal 4.

Responsabilidade Civil

A legalização da responsabilidade civil em função de danos ambientais adveio com a publicação da Lei Federal n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente, particularmente o seu art. 14, que disciplina que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade”.

Deste modo, verifica-se que o elemento subjetivo – dolo ou culpa, foi expressamente excluído, estruturando-se, assim, a responsabilidade civil objetiva, ou seja, aquele que exerce uma atividade geradora de riscos ao meio ambiente deve recuperar os danos que dela ocorrerem, independentemente da sua contribuição de cunho íntimo ligado ao ato, restando para tanto a devida comprovação do nexo de causalidade.

Ainda nesse cenário, o Código Civil, em seu artigo 942 5, determina que todas as pessoas físicas e/ou jurídicas ligadas ao fato gerador da degradação ambiental responderão solidariamente pela reparação e/ou indenização. Assim, em se identificando na relação mais de um poluidor (direito ou indireto), qualquer um deles poderá ser demandado a reparar integralmente o dano sofrido 6, conforme se depreende do artigo 8º da Resolução CONAMA n. 273/04:

“Art. 8º – Em caso de acidentes ou vazamentos que representem situações de perigo ao meio ambiente ou a pessoas, bem como na ocorrência de passivos ambientais, os proprietários, arrendatários ou responsáveis pelo estabelecimento, pelos equipamentos, pelos sistemas e os fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a unidade, responderão solidariamente, pela adoção de medidas para controle da situação emergencial, e para o saneamento das áreas impactadas, de acordo com as exigências formuladas pelo órgão ambiental licenciador”.

Embora todo aquele que contribua indiretamente para a degradação do meio ambiente seja também responsável pelos danos daí decorrentes, não deve restar dúvida, no entanto, de que a responsabilidade primeira reside no empreendedor (aquele que exerce diretamente a atividade), pois é ele quem tem a decisão das ações e gerenciamento da atividade.

A Responsabilidade Administrativa

A responsabilidade administrativa é relacionada aos órgãos públicos competentes para a matéria de meio ambiente. As penalidades estão previstas em nível federal na Lei de Crimes Ambientais, Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

Para a imposição das penalidades, entretanto, é necessário identificar o infrator e comprovar que sua ação ou omissão efetivamente deu causa ao fato. Com efeito, têm-se como pressupostos da incidência da responsabilidade administrativa a (i) configuração fática e jurídica de conduta contrária à legislação e o (ii) o nexo direto entre a pessoa autuada e a conduta descrita no auto de infração.

No que tange à obrigação legal de obtenção do prévio licenciamento ambiental dos Postos Revendedores junto aos órgãos ambientais competentes, em acordo com o disposto nas Resoluções do CONAMA de n.s 237/98 e 273/00 supra relacionadas, o procedimento deverá ser providenciado pelo responsável direto do empreendimento revendedor de combustível, sendo este também o agente ativo da infração legal perante a Administração Pública.

Importante ressaltar ainda nesta seara, que a legislação que trata da revenda no varejo de combustíveis líquidos derivados de petróleo determina que, além do licenciamento ambiental, os postos mantenham em perfeito estado de funcionamento e conservação os equipamentos medidores e tanques de armazenamento que estão sob a sua responsabilidade.

A Responsabilidade Penal

Consoante o disposto na Constituição Federal e com a Lei de Crimes Ambientais, responde por crime ambiental quem, comprovadamente, lhe deu causa, seja pessoa física ou jurídica 7. Assim, para efeitos de imposição da pena, mister se faz a prova de conduta (típica) dolosa (ação ou omissão) ou culposa (imperícia, imprudência ou negligência) por parte dos agentes.

A responsabilização penal da pessoa jurídica está condicionada à verificação de que a infração tenha sido cometida em seu interesse ou benefício e que tenha sido tomada por seu representante legal ou contratual, ou de seu colegiado. É por isso que, apesar de ser assim regulada, ela não exclui da relação jurídica punitiva as pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, devendo cada uma responder às conseqüências do ato na medida do seu envolvimento, ou melhor, da sua culpabilidade.

De interesse a presente análise, o artigo 60 da Lei nº 9.605/98, supra referida, tipifica a conduta de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.

Com isso, tomando como base o conceito de partícipe e da figura legal do concurso de pessoas, uma vez configurado o elemento subjetivo necessário – dolo ou culpa, poderão ser responsabilizados pelo tipo penal acima descrito, o posto revendedor, a distribuidora e os seus funcionários responsáveis, na medida de seus envolvimentos para a consumação do mencionado crime e por contribuir de forma efetiva para a ocorrência e continuidade do crime ambiental.

Conclusão

Indiscutivelmente, a tutela do ambiente tem merecido a atenção de toda a humanidade, haja vista a dependência de sua sobrevivência da sustentação de um meio ambiente equilibrado ecologicamente.

A Constituição da República de 1988 estabeleceu um sistema punitivo tríplice (civil, administrativo e penal) para a repressão de ações e omissões danosas ao equilíbrio ambiental por parte de pessoas físicas e jurídicas, bem como pela inobservância dos instrumentos regulatórios vigentes.

Assim, a operação de um posto revendedor de combustível sem a obtenção da devida Licença Ambiental e da adoção das medidas de controle e mitigação impostas pela legislação em vigor, constatada a existência de um dano ambiental e do delito formal, surgirá para o agente, o ônus da responsabilidade penal, civil e administrativa.

No que se refere ao licenciamento ambiental, restou claro que a responsabilidade pela obtenção do licenciamento ambiental do posto revendedor é do seu empreendedor.

Em se identificando danos efetivos ao meio ambiente, a responsabilidade de reparação e/ou indenização é solidária entre posto revendedor e distribuidora de combustíveis, restando, para tanto, a verificação do nexo entre a atividade e a fonte geradora.

No campo penal, uma vez configurado o elemento subjetivo necessário – dolo ou culpa, poderá ser responsabilizado o posto revendedor, a distribuidora e os seus funcionários responsáveis, na medida de seus envolvimentos para a consumação do crime e por contribuir de forma efetiva para a ocorrência e continuidade do crime ambiental.

Notas

1 SILVA. Danny Monteiro. Dano Ambiental e sua Reparação. Curitiba: Editora Juruá, 2006.
2 LOVELOCK,James. As eras de Gaia: a biografia da nossa terra viva. Tradução Beatriz Sidoux. Rio de Janeiro: Campos,1991.
3 A Resolução CONAMA n. 273/00 fixa ainda as regras de condutas e responsabilidades, desde o início até o encerramento da atividade de revenda do combustível, bem como as medidas de mitigação, controle e reparação de eventuais danos ambientais ocasionados por tais empreendimentos.
4 Apesar de assim normatizar, a nossa Carta Magna determina que os infratores “poderão” responder pelo ato danoso nos âmbitos administrativo, penal e cível.
5 “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”
6 Ao que pagar pela integralidade do dano caberá ação de regresso contra os demais co-responsáveis, pela via da responsabilização subjetiva, procedimento este em que poderá discutir a parcela de responsabilidade de cada um.
^7^Lei nº 9.605/98: “Art. 3º – As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.(grifo nosso)
8 Partícipe é aquele que, sem praticar o verbo típico, contribui para a ocorrência do delito. Ele participa de todos os atos realizados pelo autor para a configuração do delito de forma efetiva.

Bibliografia

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1994. 8. ed.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. 5. ed.
LEITE, José Rubens Morato Leite. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 2.ed.
LUCARELLI, Fábio Dutra. Responsabilidade Civil por Dano Ecológico. Revista dos Tribunais. n. 700, fev. 1994.
OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.