Vamos falar a verdade: a reforma tributária e o retorno da tributação de lucros e dividendos


Vamos falar a verdade: a reforma tributária e o retorno da tributação de lucros e dividendos


Por Luiza Vidal Vago e Paula Novaes Silva

A história é tão antiga quanto complexa: a tributação excessiva e indireta sobre o consumo, sobre a renda oriunda do trabalho versus rendas de capital, o baixíssimo senso de retorno do contribuinte brasileiro, enfim, a famigerada alta carga tributária brasileira.

Eis que, no âmbito da propagandeada reforma tributária, sobre a qual o Governo Federal e o Congresso Nacional vêm fazendo grandes promessas para 2020, voltou à tona um assunto polêmico, capaz de gerar calorosos debates e temores de aumento da carga tributária: a tributação dos lucros e dividendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas brasileiras.

Hoje, no Brasil, o lucro apurado é tributado apenas na pessoa jurídica. Isso significa que apenas a pessoa jurídica da qual o lucro se originou é que suporta os tributos sobre esse rendimento. Para os beneficiários do rendimento (sócios ou acionistas que recebem, respectivamente, lucros e dividendos) encontra-se em vigor uma isenção do imposto de renda.

Importante entendermos um pouco o contexto histórico dessa tributação, as razões de ser da isenção, as principais propostas para retorno da tributação e os efeitos desse retorno. A seguir, nos propomos a fazer breve reflexão crítica sobre o assunto, sem pretensão de esgotarmos a matéria.

A isenção teve início com a edição da Lei nº 9.249/95 que, além de outras providências, estabeleceu, no caput do seu artigo 10, a isenção tributária dos lucros e dividendos pagos ou creditados pela pessoa jurídica, até então tributados à alíquota de 15%. A norma produziu efeitos a partir de 1º de janeiro de 1996 e não possui restrições quanto aos beneficiários, podendo ser pessoa física ou jurídica, residente no Brasil ou no exterior.

A referida isenção tributária teve como substrato a Teoria do Gotejamento, chamada também de trickle down. Segundo esta teoria, que visava estimular o crescimento econômico, a redução da tributação, por meio da concessão de desonerações a empresas e indivíduos situados no topo da pirâmide social, geraria efeitos benéficos a toda a sociedade, uma vez que ampliaria o consumo e os investimentos, contribuindo para a geração de empregos (efeito cascata).

A medida também teve, como pano de fundo político-econômico, o fomento ao investimento e atração de capital estrangeiro. 

Entretanto, alguns estudos recentes apontam que a instituição da isenção do imposto de renda sobre lucros e dividendos não teria gerado os efeitos esperados, além de estar em descompasso com práticas modernas de tributação adotadas em outros países.

Um olhar sobre a experiência de outros países – com a ressalva de que dados comparativos não podem ser analisados de forma superficial ou isoladamente – pode ser útil no estudo do tema.

Um dado tem sido amplamente divulgado pela mídia especializada: segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicado em abril de 2019, a isenção em questão encontra poucos paralelos com práticas de países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): apenas Eslováquia e Estônia não tributam os lucros e dividendos pelo imposto de renda, tal como o Brasil.

Em compensação, o mesmo estudo pondera que, na maioria dos países analisados, outras fontes de rendimento, que não o trabalho (chamados de rendimentos de capital), também recebem tratamento mais favorável e, mais importante, a tributação do lucro das empresas, pelo imposto de renda, é inferior à brasileira.

Fato é que o tema está em voga e é parte crucial de recentíssimas discussões do Congresso Nacional. 

Inclusive, antes da apresentação da proposta de reforma tributária, no âmbito das discussões pertinentes à Medida Provisória nº 898/19, foi sugerida, pelos parlamentares, a reintrodução da tributação de lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas e/ou pessoas físicas, sob a forma de retenção na fonte, à alíquota de 15%, como forma de compensar o impacto orçamentário decorrente do pagamento do 13º salário aos beneficiados do programa social “Bolsa Família”. A proposta mantém a isenção sobre os lucros distribuídos por microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional.

Em outra frente, o Projeto de Lei nº 3.061/19, do Senado Federal, também cogita a reintrodução da tributação sobre lucros e dividendos na modalidade de retenção na fonte, calculado à alíquota de 15% e sendo considerado antecipação da tributação definitiva.

Até Proposta de Emenda Constitucional já foi envolvida no assunto, esta sim diretamente relacionada à reforma tributária. Tramita na Câmara de Deputados a PEC nº 128/19, que prevê a volta da tributação de lucros e dividendos distribuídos, em contrapartida a uma série de mudanças na tributação, dentre as quais a redução da alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica e das contribuições incidentes sobre a folha de pagamentos. Neste caso, a proposta é de uma tributação que aumente progressivamente: nos dois primeiros anos de vigência a alíquota seria de 4% e, do terceiro ao sexto ano, haveria um aumento anual de 4%, até atingir o patamar de 20%. A propósito, nesta proposta a tributação seria definitiva.

Não é obrigatório, vale ressaltar, que a volta da tributação ocorra via Emenda Constitucional, uma vez que o assunto pode ser tratado pela via da legislação ordinária.

Defensores da manutenção da isenção tributária dos lucros e dividendos pagos ou creditados pela pessoa jurídica argumentam que a volta da tributação acarretaria em bis in idem, sob a fundamentação de que os lucros já teriam sido plenamente tributados à época da incidência do imposto de renda da pessoa jurídica.

Por outro lado, aqueles que argumentam em favor da volta da tributação explicam que, embora se trate dos mesmos entes tributantes, o contribuinte é diverso, já que a obtenção de lucros é tributada em nome das pessoas jurídicas e a distribuição dos dividendos em nome dos sócios ou acionistas (beneficiários).

Se a tributação de lucros e dividendos vier a se tornar uma nova realidade no cenário nacional, é imprescindível que ocorra em conjunto com outras alterações, visando promover, no mínimo, a manutenção da atual carga tributária – já muito onerosa – ou, num cenário mais otimista, faça parte de um esforço para a redução da carga tributária e incentivo do crescimento econômico nacional. 

Cogitar-se da mera revogação da isenção atual sobre os lucros e dividendos pagos ou creditados resultaria somente no aumento da carga tributária brasileira, sem nenhuma aparente compensação. 

Ora, o modelo atual brasileiro, de alta carga tributária e baixíssimo retorno social, encontra-se comprovadamente esgotado, podendo a ele ser atribuída, dentre outros fatores, a crise na economia brasileira de 2015, da qual tem sido tão caro nos recuperarmos. 

*Nossas advogadas da área Tributária do escritório de Belo Horizonte, Luiza e Paula inauguram, com este interessante texto, a segunda edição da série "Profissionais Azevedo Sette", projeto que divulgará 27 artigos sobre temas atuais e relevantes para o mundo dos negócios, de autoria de nossas sócias, advogadas e estagiárias, mães, esposas e filhas, dos seis escritórios Azevedo Sette Advogados, como parte de nossa celebração especial de comemoração ao Mês da Mulher.

Não deixe de acompanhar nossas divulgações diárias de artigos e ainda, de realizar o download do e-book do projeto ao final do mês de março, no dia 31.