O Compliance na contratação pública


O Compliance na contratação pública


Por Flavia Accioly* 

Não resta qualquer dúvida sobre a importância que o combate contra a corrupção tem no âmbito da contratação pública. Estima-se que em média, entre 13% e 20% do PIB dos países seja gasto anualmente na contratação pública de bens, serviços e obras, porcentagem à qual devem ser adicionados os efeitos reflexos que esta atividade produz sobre a economia.

Os efeitos da corrupção no âmbito da contratação pública são nefastos. Além de um direcionamento inadequado de recursos públicos, restringe a competitividade, afetando a solvência e eficiência do setor privado. Sem disputa real, a execução de obras, a aquisição de bens ou a prestação de serviços é mais cara para o erário e expõe um desvio significativo de recursos públicos, que termina por colocar em xeque a prestação de serviços básicos à população. Há evidências de que a corrupção nas contratações públicas incremente o valor dos contratos entre 20% e 25%, podendo alcançar em alguns casos 50% de sobrepreço. 

Sendo a corrupção na contratação pública um problema global, observa-se a emergência de propostas e tentativas de solução que visem preveni-la e reforçar a transparência na contratação pública, formuladas por diferentes organizações internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Transparência Internacional (TI) e Comissão Europeia (COM). Todas essas propostas insistem na necessidade de que os ordenamentos jurídicos incluam não somente a criminalização dos atos, mas principalmente a sua prevenção. As empresas também possuem papel relevante na prevenção, elaborando códigos de ética e desenvolvendo programas de integridade destinados a promover o adequado cumprimento das normas por parte de seus órgãos e empregados. 

No Brasil, os mecanismos de compliance ganharam especial relevância após 2014, com a entrada em vigor da Lei n. 12.846/13. Esta lei, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, criou alguns incentivos para que pessoas jurídicas estabeleçam programas de integridade internos. De acordo com a lei, em um eventual processo de responsabilização, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, além da aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, serão levados em consideração como elemento mitigador, impactando na dosimetria da sanção a ser aplicada à empresa responsável pelo ato lesivo.

Embora a sistemática consagrada pela Lei Anticorrupção não determine a implementação obrigatória de programas de integridade, é fato que desde 2013 novas normas jurídicas passaram a exigi-lo em um contexto de esforço legislativo para incentivar a adoção de medidas de integridade no campo das contratações públicas. 

No âmbito estadual, a primeira norma a tratar do assunto foi a Lei n. 7.753/17, do Rio de Janeiro, que inaugurou uma tendência, seguida pelas leis do Estado do Espírito Santo (Lei n. 10.793/17), Distrito Federal (Lei n. 6.112/18), Rio Grande do Sul (Lei n. 15.228/18), Mato Grosso (Lei n. 10.744/18) e Amazonas (Lei n. 4.730/2018).

Atualmente existem três projetos de lei no Congresso Nacional que visam a implantação de programas de integridade pelas empresas que contratam com a administração pública. O PL 7149/17 – que altera a Lei n. 12.846/13, estabelecendo diretrizes a serem observadas nos programas de integridadecompliance implantados pelas empresas que contratam com a administração pública; o PL 9062/17 – que dispõe sobre a obrigatoriedade de programas de integridadecompliance anticorrupção nos programas de concessão brasileiros; e o PL 1292/95 – que altera a Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações) e que estabelece que o edital poderá prever, nas contratações de grande vulto (acima de R$ 200 milhões), a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor.

A obrigatoriedade de implantação de programa de integridade para contratar com a administração também alcançou alguns municípios, órgão e entidades da Administração Pública (Vila Velha/ES, Joinville/SC, MAPA, Petrobras etc.).

De modo geral, essas normas não exigem a existência de um programa prévio de integridade como requisito para a licitação, mas exigem a sua implementação como cláusula obrigatória nos contratos firmados com a administração pública com prazo para sua implementação e estabelecem que o descumprimento da obrigação de implementar o programa enseja a aplicação de multa e pode ser invocado como justa causa para a resolução contratual.

Nota-se, portanto, uma preocupação crescente da estrutura orgânica brasileira com a corrupção na contratação pública, o que vem impulsionando cada vez mais as instituições públicas a condicionar a participação de empresas em processos de contratação à comprovação da adoção de programas de integridade. 

Por essa razão é altamente recomendável às entidades privadas que pretendam contratar com o Poder Público a adoção de programa de integridade, a fim de adequar-se às exigências legais.

*A autora é consultora da área de Infraestrutura do Azevedo Sette Advogados.