Fusões e Aquisições e Verticalização no Mercado da Saúde: Da mudança de paradigma às promessas e perspectivas do setor


Fusões e Aquisições e Verticalização no Mercado da Saúde: Da mudança de paradigma às promessas e perspectivas do setor


O mercado da saúde no Brasil vem passando por importantes transformações. Antes mesmo de se discutir a modernização do segmento e as recentes alterações normativas, é fundamental entender a alteração no modelo de negócio da saúde que é, com certeza, fator crucial para as recentes movimentações, consolidações e investimentos no setor.

Nos últimos anos, o mercado da saúde se estruturou com um perfil focado mais na “doença”, desde o tratamento à cura, sendo este o modelo de negócio que vinha sendo adotado pela maioria dos players do setor. Recentemente, no entanto, o perfil da sociedade na busca por serviços desse segmento sofreu mudanças significativas, quebrando o paradigma de um setor exclusivamente voltado para tratamento e cura, criando uma nova demanda por saúde, voltada à prevenção, orientação, cuidado e melhoria da qualidade de vida. É o que pensa também Roberto Gordilho, fundador e CEO da GesSaúde1:

“O modelo de negócio da saúde no Brasil ainda é focado, quase que exclusivamente, em tratamento e cura, em que prestadores e operadoras (Sistema Único de Saúde – SUS e Privadas) convivem com a realidade de uma massa excessiva de procedimentos e exames, demora para atendimento e muitas vezes a realização de procedimentos desnecessários. O modelo atual da saúde não foi pensado a partir da necessidade do cliente, mas a partir do procedimento, da atividade, e um dos grandes desafios no momento é avançar na mudança do modelo de remuneração para implantar um modelo que privilegie o resultado, não apenas a produção e o consumo (seja materiais, medicamentos ou procedimentos).”

Em recente análise do 2021 Global Health Care Outlook2, realizada pela Deloitte, a empresa de consultoria destacou que o panorama da prestação de cuidados e serviços de saúde e os comportamentos dos consumidores estão mudando drasticamente e constatou a mudança do perfil de consumo dos usuários dos serviços de saúde, afirmando que os modelos de atendimento estão se concentrando mais no paciente, com ênfase na saúde e bem-estar.

O novo panorama e a mudança no perfil de consumo dos usuários fizeram com que novos players se aproximassem e investissem para transformar o mercado, considerando que diversas empresas do setor não estavam preparadas para enfrentar a mudança de paradigma e esse novo cenário. Nesse sentido, grandes grupos iniciaram um processo de consolidação de mercado e o aumento das operações de fusões e aquisições (no inglês, “Mergers and Acquisitions” ou “M&A”) se destacou como reflexo direto dessas mudanças.

Nesse contexto, após sucessivos anos de crescimento, o mercado de saúde atingiu o seu recorde em operações de fusões e aquisições nos últimos anos, sendo 31 operações em 2016, 50 em 2017, 52 em 2018, e 87 operações em 2019. No ano de 20203, além de um aumento constante da tendência para esse tipo de operações, o setor também se destacou pelo movimento de grandes grupos na busca pela abertura de capital – e 2021 promete não ser diferente. Em um ano em que diversos setores da economia ainda se encontram negativamente afetados pelos impactos da pandemia da Covid-19, o setor de saúde – que também está sob os holofotes no cenário global – se prepara para mais um período de alta no número de operações desse tipo, com expectativa de alcançar mais um recorde, sobretudo com a tão aguardada vacinação da população e a retomada da atividade econômica.

As operações que movimentam o mercado de saúde e são responsáveis pelo rápido crescimento e expansão de grandes redes envolvem desde a venda de hospitais, laboratórios e clínicas, até grandes operadoras de planos de saúde. O apetite dos grandes grupos que dominam o mercado está relacionado, dentre outros fatores, a uma visão expansionista, na medida em que, com a recuperação da economia, as pessoas buscarão depender cada vez menos de assistência pública à saúde.

Em linha com esse panorama, a tendência e o objetivo de muitos players vêm sendo tornar o mercado de saúde mais acessível no País. Atualmente, apenas 24,5% (vinte e quatro e meio por cento)4 dos brasileiros possuem plano de saúde. Apesar da estrutura do SUS (Sistema Único de Saúde) suprir a demanda de grande parte da população que não pode arcar com um plano de saúde, é nítido que esse sistema não possui eficiência suficiente para atender a todos de forma confortável, imediata e com qualidade. Esse cenário demonstra que as empresas desse mercado, principalmente os planos e as operadoras de saúde, ainda possuem, aproximadamente, 75% (setenta e cinco por cento) da população brasileira como mercado a explorar.

Nesse contexto, a combinação de negócios entre grandes grupos empresariais no ramo de saúde surge como importante e eficiente estratégia para exploração desse mercado. Com isso, as operações de M&A vêm ganhando destaque na medida em que, entre outras vantagens, permitem a aquisição de empresas do mesmo setor, mas que prestam diferentes serviços, diretamente relacionados e dependentes entre si, possibilitando um ganho de sinergia, otimização da capacidade de geração de receita e redução da estrutura de custos (notadamente com o compartilhamento de serviços, a exemplo do backoffice), melhorando, assim, o desempenho operacional e financeiro das empresas. Como resultado, os grupos aumentam sua fatia de participação no mercado e expandem o alcance da marca para cada vez mais clientes, visando sua consolidação.

Outro grande incentivo às operações de aquisição nesse setor consiste no alcance de novos nichos do mercado, o que permite a certos players, por meio da aquisição de uma empresa ou grupo de empresas, acessar o know-how, maquinário, corpo clínico e serviços que anteriormente não integravam o seu portfólio, e que certamente demandariam mais tempo e gerariam riscos se fossem desenvolvidos “do zero” e sem a expertise necessária. Esse movimento permite, ainda, à empresa investidora agregar grandes e consolidadas carteiras de clientes das empresas adquiridas, o que resulta em um crescimento exponencial no alcance dos serviços aos usuários.

Ademais, a combinação de negócios propicia também o acesso à inovação e a novas tecnologias e produtos, o que é cada vez mais demandado no setor, especialmente em função dos efeitos da pandemia da Covid-19. Na análise realizada no 2021 Global Healthcare Outlook, a Deloitte reforçou que os impactos da pandemia estão acelerando as mudanças no setor e forçando os sistemas de saúde públicos e privados a se adaptarem e inovarem em um curto período de tempo. É inegável que, com a pandemia, diversos serviços de saúde migraram para ambientes digitais, com consultas e diagnósticos à distância, evidenciando ainda mais uma mudança no perfil do consumidor, que está aderindo à medicina virtual e à tecnologia para o monitoramento da saúde5. A profissionalização e a modernização do setor, e, ainda, a recente autorização da prática da telemedicina durante a pandemia (Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020, e alterações posteriores e ofício Conselho Federal de Medicina nº. 1756/2020), além da criação de planos digitais, são fatores que fazem com que a movimentação do mercado da saúde se intensifique cada vez mais.

A pandemia também impactou o mercado de fusões e aquisições no setor, fazendo com que o ano de 2020 – principalmente o segundo semestre – fosse relativamente menos aquecido em relação aos períodos anteriores, com algumas operações interrompidas ou até mesmo canceladas em meio a um ambiente de incertezas e ausência de previsões. Ainda, algumas empresas do ramo tiveram impactos diretos e extremos com a pandemia, dada a própria natureza dos serviços prestados, o que, naturalmente, fez com que as atenções de certos grupos se voltassem para esforços internos, afastando-os das aquisições.

Por outro lado, grandes grupos aproveitaram o aquecimento contínuo do mercado para aumentar a sua velocidade na corrida das operações. Os agentes de mercado com apetite e disponibilidade de caixa foram em busca de novos negócios e investiram intensamente em operações de fusões e aquisições. A exemplo disso, as operadoras de planos de saúde Hapvida e a NotreDame Intermédica vêm se destacando como algumas das protagonistas da consolidação de mercado, sendo a Hapvida líder no setor nas regiões Norte e Nordeste e a Intermédica no Sul e Sudeste. Capitalizados após a listagem de suas ações na Bolsa em 2018, os grupos vêm investindo fortemente em aquisições nos últimos anos, tendo destinado, somente em 2020, mais de R$4 bilhões na aquisição de operadoras concorrentes, hospitais, clínicas e laboratórios6.

Se, por um lado, os grupos capitalizados estão se movimentando cada vez mais no mercado, aqueles que pretendem e visam se capitalizar no curto e médio prazo, inclusive via abertura de capital, estão igualmente na corrida para as aquisições de novos ativos para compor o seu portfólio, a fim de assegurarem uma carteira que ajude a embasar e tornar mais robusta a oferta de suas ações ao mercado. A exemplo dessa estratégia, o grupo Rede D’or São Luiz, após um forte movimento de aquisições ao longo dos últimos anos, realizou sua operação de abertura de capital em dezembro do ano passado, se destacando como a terceira maior Oferta Pública Inicial de ações (“IPO”) da história da Bolsa de Valores brasileira e levantando mais de R$11 bilhões em recursos7. A tendência não parou por aí: além da Rede D’or, outros grupos no setor estão se movimentando para realizar suas ofertas públicas de ações, a exemplo da Hospital Care e do Mater Dei, que registraram recentemente pedidos de IPO perante à Comissão de Valores Mobiliários – CVM; e o Grupo Dasa que, após a aquisição do Grupo São Domingos, fará uma oferta subsequente de ações (follow-on). 

Operações como as destacadas acima demonstram o aquecimento do setor e reforçam o forte posicionamento dos grandes grupos no mercado. Em contrapartida, todo esse forte movimento de aquisições e captação de recursos pelos maiores players do setor, resulta em uma movimentação reativa de outros grupos que precisam se fortalecer se desejarem se manter competitivos. Esse cenário, portanto, fomenta cada vez mais o processo de transformação do mercado, tornando-o mais propício para operações de M&A e criando novas oportunidades de investimentos e venda de ativos.

Para além das operações de fusões e aquisições, os players do setor de saúde estão igual e intensamente envolvidos em um fenômeno denominado “verticalização” da saúde suplementar, que teve seu início nos anos 2000, por meio do qual as operadoras de planos de saúde estão constituindo – inclusive via aquisições –, suas próprias redes de hospitais, clínicas e laboratórios. Esse modelo verticalizado vem crescendo vertiginosamente e se destaca por permitir a gestão da carteira de serviços e um maior controle dos custos, aumentando a sua competitividade e maximizando o valor do ativo. Mais recentemente, o acordo celebrado entre a Hapvida e a NotreDame Intermédica para combinação de seus negócios por meio de uma fusão bilionária, evidencia a forte tendência para verticalização do setor, com expectativas de que a empresa resultante da combinação seja detentora de, aproximadamente, 17% (dezessete por cento) do market share8.

Apesar das grandes e recentes movimentações e operações do setor de saúde em diversas regiões do País, ainda existe um grande mercado a ser explorado. De acordo com o sócio líder de fusões e aquisições com foco em Health da EY Brasil, Rodrigo Maluf9, a consolidação do mercado já se encontra em estágio avançado em grandes cidades, mas ainda há muito espaço em cidades menores, uma vez que nessas regiões a presença de players regionais ainda é relevante. A concorrência para os grandes players nesses locais, no entanto, não é simples, sobretudo em virtude da presença do sistema Unimed, que possui gestão descentralizada e presença ramificada em diversas regiões do País e que, apesar de atualmente representar grande parte do mercado de planos de saúde, deverá ser obrigado a se movimentar para se fortalecer, se atualizar e se adaptar a uma nova realidade de mercado para manter sua competitividade.

Em todo caso e em qualquer cenário, as empresas do setor devem se preparar e se atentar não apenas para fatores econômicos, mas também para outras questões que interferem no valor do ativo. Nesse contexto, é imprescindível que as empresas contem com uma assessoria jurídica, financeira e contábil, adequada e qualificada em suas operações, visando o sucesso das negociações e o alcance de operações bem-sucedidas.

Dentre os diversos aspectos a serem avaliados nas empresas alvo de uma transação, a auditoria legal (no inglês, “due diligence”) se destaca como providência de extrema importância na medida em que possibilita a identificação de passivos, responsabilidades financeiras, contingências, riscos, endividamentos, dentre outros aspectos que devem ser levados em consideração para o valuation, a negociação de estrutura de indenização e eventual ajuste de preço, por exemplo, no âmbito de uma operação de fusão e aquisição. É, ainda, fundamental que a condução da negociação dos contratos da operação seja técnica e coerente com os resultados da due diligence, visando mitigar os riscos e impactos identificados e/ou assegurar às partes – compradores e vendedores – os seus direitos e interesses.

Há casos, ainda, em que as operações precisam ser condicionadas à satisfação de determinadas condições suspensivas ou sujeitas a obrigações específicas na condução dos negócios da empresa alvo entre a data de assinatura e a data do fechamento da operação, observadas as limitações e orientações das autoridades regulatórias e concorrenciais brasileiras, quando aplicáveis, a depender do setor e do faturamento dos grupos envolvidos na transação (ex. o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS). Por fim, a depender do caso, condições específicas podem ser negociadas para permanência de gestores estratégicos no negócio e o estabelecimento de metas para que os vendedores recebam parte do preço de compra com base no desempenho do negócio após a aquisição (os chamados “Earn-Outs”)

Diante de todos esses fatores, não restam dúvidas de que o cenário de operações de M&A e IPOs no mercado da saúde é promissor e as perspectivas de curto, médio e até mesmo de longo prazo para as empresas do setor revelam uma tendência cada vez maior de operações, o que, ao contrário do que muitos pensavam ou esperavam, não sofreu grandes impactos negativos diante do cenário da pandemia, momento em que aspectos relacionados à saúde ficaram ainda mais em evidência na busca por cuidados e qualidade de vida. Assim, os players do setor da saúde deverão estar, mais do que nunca, preparados e atentos ao cenário de mudanças no mercado, visando agregar valor e aumentar as chances de sucesso de seu negócio por meio dessas transações. 

1 A Transformação Avança no Mercado da Saúde. GORDILHO, Roberto. Disponível em: https://grupomidia.com/hcm/a-transformacao-avanca-na-saude-por-roberto-gordilho/#:~:text=O%20modelo%20de%20neg%C3%B3cio%20da,vezes%20a%20realiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20procedimentos 

2 2021 Global Health Care Outlook. Disponível em: https://www2.deloitte.com/global/en/pages/life-sciences-and-healthcare/articles/global-health-care-sector-outlook.html

3 Fusões e aquisições no segmento de saúde e higiene movimentam 136% mais em 2020. GREGORIO, Rafael. Valor Investe. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2020/11/23/fusoes-e-aquisicoes-no-segmento-de-saude-e-higiene-movimentam-136percent-mais-em-2020.ghtml 

4 Sistema de Informações de Beneficiários-SIB/ANS/MS e População - IBGE/Datasus/2012.Nota: Taxa de cobertura refere-se ao percentual da população coberta por plano privado de saúde. Dados atualizados até 01/2021. Disponível em: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais 

5 2021 Global Health Care Outlook. Disponível em: https://www2.deloitte.com/global/en/pages/life-sciences-and-healthcare/articles/global-health-care-sector-outlook.html

6 “Hapvida e Intermédica acertam fusão e criam grupo de R$110,5 bi”. KOIKE, Beth e FILGUEIRAS, Maria Luiza. Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/03/01/hapvida-e-intermedica-acertam-fusao-e-criam-grupo-de-r-1105-bi.ghtml

7 “Ações da Rede D’or (RDOR3) fecham em alta de 7,73% em pregão de estreia após terceiro maior IPO do país”. Infomoney. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-da-rede-dor-rdor3-estreiam-na-b3-com-alta-de-mais-de-10/#:~:text=A%20companhia%20realizou%20abertura%20de,a%20R%24%2057%2C92  

8 Como seria o grupo formado por Hapvida e NotreDame? Disponível em https://xvifinance.com.br/fusao-hapvida-e-notredame/ 

9 “Onda de fusões e aquisições promete reforçar consolidação do setor de saúde”. Estadão. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Mercado/noticia/2020/12/epoca-negocios-onda-de-fusoes-e-aquisicoes-promete-reforcar-consolidacao-do-setor-de-saude.html